O perverso não quer entrar em contato
com a sua perversidade
Quando estiver diante da
constatação de algum sinal de perversidade no outro
Tome cuidado ao
desmascará-la
pois escancará-la para o
próprio de uma vez só, pode ser muito agressivo ou sem efeito
Não fomos educados a
fazer os devidos mergulhos nos mundos mais profundos das nossas sombras
Pelo contrário, fomos
educados cinicamente a nos vermos como seres éticos, bondosos e caridosos,
quando para a maioria de nós, tais virtudes ainda não bateram em nossa porta no
sentido de uma prática conquistada e uma ação consumada
É muito confortável,
estufarmos o nosso peito e dizermos em forma de palavras vazias que somos
pessoas de caráter, dignas, éticas, incorruptíveis
Se assim o fossemos em
sua maioria, por que o “mundo humano” encontra-se às ruínas de um espírito
ético?
Como nós, seres da “boa
família e dos bons costumes”, seres éticos como nos autodenominamos, deixamos
que minorias altamente privilegiadas, manipulem o enredo de nossas vidas e de toda
a natureza da qual nos oferta o viver?
Se ancoramos os nossos
valores tão invendáveis e incorruptíveis, porque doamos o nosso bem mais
preciso, como a nossa paz e o nosso tempo de estadia nessa vida, para pessoas,
grupos e instituições, que destroem nossas culturas, nossos povos nativos e o
nosso próprio planeta?
Que ética é essa que em
troca da minha própria segurança eu fragilizo a segurança do outro, ou pior, de
um mundo de outros que pisam no mesmo chão que eu piso?
Onde a ética nisso?
Onde a bondade nisso?
Onde a humanidade nisso?
Gosto de pensar, que só
nos humanos “animais superiores” que somos, topamos essa empreita de aceitar em
troca do próprio benefício, fuder com a maioria, mesmo sabendo que se está
dando um tiro no próprio pé, quando o assunto é fuder com o próprio planeta
para ter o que se quer e na melhor das hipóteses, se manter vivo no modus
sobrevivência.
Se pensarmos bem nessa
lógica, matamos e matamos muito, para nos mantermos “bem” quando a lógica que
nos leva a esse bem-estar, custa ao sofrimento de muitos outros.
Voltando ao cuidado em
desmascarar a perversidade do outro, digo que é preciso ter cuidado, como diria
no filme matrix: “as pessoas vão lutar com unhas e dentes para se manter na
matrix”, e isso é verdade!
Quando entendemos esse
conflito, essa fricção que está prestes a ocorrer ao apresentar para o outro às
suas perversidades ou mesmo o atentado que esse (a), comete contra o seu
entorno e a si próprio, podemos talvez, nos precaver de saber que o monstro
enjaulado, vestido de pessoa benevolente, irá sair e para que esse mantenha a
sua própria autoimagem benevolente, irá se impor com uma força descomunal em
sua direção, com todas as formas de guerrear possíveis e imagináveis
Quando as máscaras do ser
ético e virtuoso caem, os implodidos explodem, os manipuladores iram
elegantemente usar o seu intelecto até o fim que lhes custarem, como uma forma
de persuasão e tirania velada. Os ditos doutores ou representantes
institucionais são bons nisso!
No fim, são muitas formas
possíveis e imagináveis para nós, “seres humanos”
Então nesse momento, todo
cuidado não é pouco, quando nos colocamos nessa tarefa de mostrar que ações
angelicais possam estar sendo muito mais diabólicas do que se pensa
Filósofos, como Emanuel
Kant, já tinha nos informado sobre isso, quando nos diz da dificuldade que é
para nós deixarmos a nossa condição de minoridade
Poderíamos até dizer que
sair dessa minoridade é como um novo parto, uma nova crise de crescimento
O sujeito ao sair da sua
condição de menoridade, seria o mesmo que sair daquela condição medíocre e
alienada onde somos manobra de manipulação, e por isso, tornamo-nos parte de
uma massa acrítica das nossas condições e direitos
É bom lembrar, que a
maioria de nós, não recebeu nenhuma forma de educação libertadora, nem de um
ponto de vista enquanto sujeitos sociais e políticos nem enquanto sujeitos
espirituais
Isso nos faz entender que
a alienação contém várias dimensões e ela é estruturada para que assim persista
Refletindo nesse sentido,
vamos compreendendo que por detrás de retirarmos as máscaras de um “anjo”
repletas de ações perversas, tal movimento além de doloroso, é na realidade
como se fosse um parto
Sim, é um parto, porque
estamos indo contra uma condição estrutural e como tal, tem bases firmes
Acredito pessoalmente,
que na tarefa de apresentarmos aos perversos a sua perversidade, em primeiro
plano, seria necessário que reconhecêssemos a nossa própria perversidade para
não incorremos apenas em uma atitude demagógica
Seria o mesmo que um
capetinha com sua máscara de anjinho ir atender outro capetinha com sua máscara
de anjinho e na oportunidade do encontro, esses não se encontram e a única
coisa que puderam ver, foram suas faces de anjinho
Dentro da psicanálise
Freudiana, é dito sobre a importância de muitas vezes, o analisado ou o
paciente, não adentrar-se em determinadas coisas, que podemos dizer aqui se
tratar de certos “terrenos lodosos”, “sombras”, ou mesmo o desvelar dessas
perversidades enrustidas (aspectos do inconsciente em si), pois se o acesso desse
no momento errado, buuuummmm, poderia ser danoso para o analisado
Por concordar com isso, é
que digo, ser necessário o cuidado na hora de desvelar a perversidade do outro,
o saber fazer e o feeling do quando fazer é uma tarefa e das mais artísticas
Por outro lado, não é
necessário que você seja um ser iluminado para que possa ajudar o outro, o
simples fato de você começar a lidar de forma honesta com a sua própria
perversidade (sombras), isso lhe dá mais condição de ir ao encontro da
perversidade do outro
Como um praticante das
tradições orientais, entendo por prática e compreendo por narrativa
epistemológica-científica a luz das Yogas e dos Budismos, que em nossa condição
natural fundamental, somos espíritos, consciências ou o nome que adeque melhor
ao seu sistema de construções internas, ou seja, in natura, somos seres maravilhosos,
compassivos, sábios, genuinamente alegres e contentes
Porém, quanto adentramos
a um condição de sujeitos que portam corpos físicos-biológicos e todos os
atravessamentos, sociais e políticos que nos perpassam através desse, por
estarmos tão envolvidos com todas as nossas tramas de sobrevivência advindas da
forma como nós nos organizamos por aqui,
esquecemos dessas nossas condições naturais, esquecemos que somos generosos e
compassivos, afinal, fomos educados estruturalmente para sermos competitivos,
para entender o outro como uma ameaça e para sermos diferenciados e especiais
Nessa forma de narrativa
educacional, não sobra, quase espaço para emergir essas condições intrínsecas
como a compaixão, a generosidade, a não ganância e todas as virtudes que
conhecemos e que tanto falamos aos quatro cantos portar, mas que na verdade,
mais aspiramos telas do que as portamos em prática, devido a forma como nos
estruturamos e nos organizamos por aqui
Quando é dito em
ensinamentos Budistas que todos nós somos Budas nublados, permita-me olhar para
essa afirmação de um ponto de vista socio-histórico
Entendo no que diz
respeito às nuvens, toda essa rede de organizações estruturadas no nosso modo
de viver e nos organizar enquanto sociedade. Poderíamos dizer que dentro dessas
nuvens que nublam a nossa Budicidade, contemplaríamos: a meritocracia neoliberal,
o consumismo desenfreado, a estrutural ganância capitalista, a depredação do
meio ambiente, o mercado da doença e da pobreza, as instituições religiosas
sectárias que de fato não ensinam a prática de uma espiritualidade libertária e
um modos operandi de educação bancária e alienante. Por aí vai e a coisa não
para por ladeira abaixo!
Sabendo de tudo isso, e
compreendendo todo esse enredo
Quando estiver diante da
constatação de algum sinal da perversidade no outro
Não tema de
desmascará-lo, mas vá com cuidado, pois da mesma forma que foi árduo estruturar
a sua ignorância e alienação, será árduo tanto quanto, desestruturar ambas e aí
sim, criar um terreno fértil para nascer a ética e as virtudes que tanto
dizemos possuir.
@professormichelalves