Alan
Wallace diz:
Os
cientistas cognitivos nunca conceberam quaisquer meios sofisticados para
examinar os próprios eventos mentais. Deixam tais observações para pessoas
pagas (geralmente estudantes ainda não formados) que não têm formação
profissional na observação ou descrição de processos mentais. Deixando a
introspecção na mão de amadores, os cientistas fazem com que a observação
direta da mente continue no nível da psicologia folclórica. Com relação a isso,
coloquemos a ciência cognitiva no contexto das outras ciências naturais.
Físicos experimentais são profissionalmente treinados para observar processos
físicos e biólogos são profissionalmente treinados para observar processos
biológicos. Os cientistas cognitivos assumiram o desafio de compreender os
processos mentais, mas ao contrário de todos os outros cientistas naturais não
recebem formação profissional na observação das realidade que compreendem sua
área de pesquisa. Isso significa que as ciências cognitivas não tenham
aprendido muito sobre a mente. De fato, psicólogos e neurocientistas aprenderam
muito sobre uma ampla gama de processos mentais (alguns deles inacessíveis à
introspecção) e seus correspondentes estados cerebrais. E têm havido muitas
aplicações valiosas de seu conhecimento no diagnóstico e tratamento das doenças
mentais. Os neurocientistas têm substituído medidas objetivas do cérebro por
reflexões sobre seus correspondentes processos mentais subjetivos. Essa
abordagem tem produzido grandes insights sobre as bases neurais da mente, mas
muito pouca compreensão sobre a verdadeira natureza e origens da consciência e
de todos os outros processos mentais subjetivos”.
A
consequência das falas supracitadas por Wallace, ocorrem por enviesarem-se às
pesquisas da mente voltando-as quase que exclusivamente às ciências naturais e
suas respectivas epistemologias que se encerram em paradigmas
biológico-materialistas. O levantamento de fenomenologias seja por meios estatísticos
para mapear dados subjetivos ou com o uso de metodologias e práticas
epistémicas que vão na direção das ciências humanas através de métodos
introspectivos dos quais se propõem à investigar os fenômenos mentais em
primeira pessoa, como é o caso dos métodos orientais de meditação, não são do
interesse para os distintos paradigmas naturais e materialistas vigentes, pelo
fato da maior parte das pesquisas científicas em nosso tempo, estarem atreladas
as ciências naturais e essas por questões óbvias responderem mais satisfatoriamente
aos interesses econômicos capitalistas, dos quais aspiram transformar os
achados científicos em um tipo de produto ou necessidade a se consumir, fazendo
com que tais métodos epistémicos sejam mais valorizados e como consequência
alvo de recursos e investimentos para tais fins.
Pesquisas
e esforços que não interessam a essa visão capital por trás do fazer científico
como é o caso da introspecção-meditativa, quando essa é destinada à
investigação de fenômenos subjetivos, humanos e existências como outrora era
proposto pelos Iogues e Mestres das práticas meditativas, são desinteressantes
e portanto, tendem a ser marginalizadas frente as principais fontes de recursos
voltados à pesquisa científica. Na contemporaneidade por exemplo, as práticas
meditativas estão sendo atreladas a narrativa do bem-estar aonde se reduz
rebuscadas visões epistémicas, teórico-filosóficas ou mesmo metodologias
práticas de profundo rigor científico como vemos nas práticas meditativas
budistas, em produtos do bem-estar, despersonalizando quase que por inteiro
estes arrojados métodos Iogues que visavam uma profunda investigação do ser
humano, dando-lhes uma roupagem moderna, aonde narrasse os propósitos da
meditação atrelados a um discurso biomédico-mecanicista do bem-estar físico-biológico.
Para
tal fim, o discurso Iogue espiritual-fenomenológico-existencial e humano basais
aos métodos meditativos antigos, passam então, a serem substituídos por um
discurso técnico-científico-biológico-material, redirecionando a proposta
inicial onde o indivíduo se enveredaria em um caminho de investigação da sua
própria natureza primordial, para um caminho mecanicista-utilitarista,
semelhante a um remédio, aonde o único propósito seria aplacar os sintomas ou
os mau estares que lhe afligem, sem compreender as verdadeiras causas dos
mesmos.
O
que estamos refletindo aqui, encontra-se no velho e desgastado debate entre as
distintas formas de visão de mundo das epistemologias a base das ciências
naturais-materialistas e das ciências humanas com o adendo em nosso contexto, ao
uso da introspecção-meditativa. Porém, se o debate e as complexidades desse
estivessem só atreladas a essas visões distintas acerca da realidade, creio eu,
que teríamos uma maior abertura aos diálogos e às propostas interdisciplinares
aonde paradigmas mesmo que conflitantes, fenômeno esse comum se pensarmos nas
diferentes disciplinas científicas, encontrariam áreas de interseções para
pensarmos novas possibilidades de abordagens. Um exemplo que estamos sendo
espectadores nesse instante dentro das neurociências, é o fato de estarem
surgindo um corpo de pesquisadores que mesmo tendo como alicerce epistemológico
às ciências naturais, encontram-se abertos a discutirem outras possibilidades
de investigação com relação aos fenômenos mentais que não apenas restritos aos
reflexos neurais evidenciados pelo cérebro. Isso não é maravilhoso, quando
dentro da ciência, vemos distintos paradigmas e visões epistémicas dialogando?
Assim,
como também foi maravilhoso, quando começamos a compreender que muitas coisas
que atribuímos ao invisível ou espiritual, tivemos a flexibilização de rever nossas
visões distorcidas e com os dados coletados, compreendemos o universo
microscópico dos vírus por exemplo, e entendemos que muitas doenças que achávamos
ser proveniente do sutil, na realidade era de um mundo tão objetivo quanto ao
nosso, porém, que apenas não enxergávamos!
Porém
e infelizmente, se esse fosse apenas o nosso problema, acredito que já
estaríamos bem mais adiantados com relação ao estudo da natureza da mente humana!
O principal obstáculo que temos por detrás de potenciais e frutíferos debates
dentro das ciências, entendo não ser as visões díspares sobre a realidade, mas
sim, os interesses econômicos das grandes corporações mundiais, que direcionam
a inteligência humana, injetando economicamente naquilo que trará mais recursos
e poder para esses seletos grupos de investidores que usam da ciência e do
discurso científico para legitimar as suas ações e obras gananciosas. Para
piorar, como diria Pierre Bourdieu: “os cientistas do capital”, estes não são
como os cientistas tradicionais que estão interessados na verdade científica
por si só, mas sim, em encontrar uma forma de discurso para que usem desse enquanto
instrumento de poder e para manter-se nele.
Novamente e de forma canônica, nossa história
se repeti, onde em outros tempos, “falsos religiosos” ou falsos praticantes da
espiritualidade, utilizavam-se das instituições religiosas enquanto forma de
chegar a algum tipo de poder, cumprindo assim, às normas destas instituições
tendo nestas um tipo de carreira hierárquica a ser edificada. Pensando em nosso
contexto de hoje, tendo agora enquanto narrativa hegemônica a instituição
científica, assim como outrora era a instituição religiosa, como maior forma de
legitimar o discurso da verdade em nosso tempo e tendo a verdade institucionalmente
ao seu lado, essa carreira do “cientista acadêmico”, passa a ser alvo da
cobiça, em muitos casos, por pessoas que não estão verdadeiramente interessadas
em produzir ciência e sim, na conquista por um lugar de poder que por detrás
possa fincar um posto nessa natureza de instituições!
Quando
o neurocientista Brasileiro Miguel Nicolelis diz em um artigo intitulado: “Albert Einstein não seria pesquisador A1 do
CNPQ”, a crítica aqui, é um claro apontamento aos mecanismos burocráticos
dentro das instituições de ciência para que os pesquisadores destinam-se mais
às suas motivações científicas na direção de produzirem em quantidade de
publicações do que em detrimento da qualidade ou do impacto dessas na
sociedade, em outras palavras, quanto mais uma instituição exige dentro da
produção cientifica um “modus operandi” industrial em se fazer ciência, estaremos
reproduzindo a mesma lógica do discurso capitalista, da qual a ciência não
deveria obedecer em hipótese alguma, por se tratar de uma lógica de produção
industrial atrelada aos interesses econômicos e em vez disso, entendo que o
“modus operandi” na produção de um cientista deveria ao invés disso, apenas se
comprometer em ir na direção de uma lógica impelida pelo espírito curioso em
desvendar os fenômenos da realidade e nada mais do que isso!
Essa
lógica industrial imputada dentro da ciência, está fadada a desumanização e a
perda da sensibilidade com a relação ao saber e a própria vida como um todo se
pensarmos no fazer científico enquanto uma forma de irmos ao encontro de
compreensões cada vez mais amplas com relação a natureza dos fenômenos
observados a nossa volta. É nesse sentido que se aponta a crítica de Nicoleles,
pois Einstein, não foi um cientista do volume, ou o típico cientista do modos
de produção em série. Ele simplesmente deixou brotar aquilo que dentro de si
era genuíno que fosse externalizado e mesmo diante de um aparente pouco volume
de suas publicações, deixou obsoleto bibliotecas mais bibliotecas de
quinquilharias e de excessos especulativos. A ciência e o cientista, ao meu entender,
não deveria estar limitado a estes modos de produção em série, pois isso, além
de matar o cientista, empobrece a potência do seu fazer.
@professormichelalves
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