segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

O perverso não quer entrar em contato com a sua perversidade


O perverso não quer entrar em contato com a sua perversidade

 

Quando estiver diante da constatação de algum sinal de perversidade no outro

Tome cuidado ao desmascará-la

pois escancará-la para o próprio de uma vez só, pode ser muito agressivo ou sem efeito

Não fomos educados a fazer os devidos mergulhos nos mundos mais profundos das nossas sombras

Pelo contrário, fomos educados cinicamente a nos vermos como seres éticos, bondosos e caridosos, quando para a maioria de nós, tais virtudes ainda não bateram em nossa porta no sentido de uma prática conquistada e uma ação consumada

É muito confortável, estufarmos o nosso peito e dizermos em forma de palavras vazias que somos pessoas de caráter, dignas, éticas, incorruptíveis

Se assim o fossemos em sua maioria, por que o “mundo humano” encontra-se às ruínas de um espírito ético?

Como nós, seres da “boa família e dos bons costumes”, seres éticos como nos autodenominamos, deixamos que minorias altamente privilegiadas, manipulem o enredo de nossas vidas e de toda a natureza da qual nos oferta o viver?

Se ancoramos os nossos valores tão invendáveis e incorruptíveis, porque doamos o nosso bem mais preciso, como a nossa paz e o nosso tempo de estadia nessa vida, para pessoas, grupos e instituições, que destroem nossas culturas, nossos povos nativos e o nosso próprio planeta?

Que ética é essa que em troca da minha própria segurança eu fragilizo a segurança do outro, ou pior, de um mundo de outros que pisam no mesmo chão que eu piso?

Onde a ética nisso?

Onde a bondade nisso?

Onde a humanidade nisso?

Gosto de pensar, que só nos humanos “animais superiores” que somos, topamos essa empreita de aceitar em troca do próprio benefício, fuder com a maioria, mesmo sabendo que se está dando um tiro no próprio pé, quando o assunto é fuder com o próprio planeta para ter o que se quer e na melhor das hipóteses, se manter vivo no modus sobrevivência.

Se pensarmos bem nessa lógica, matamos e matamos muito, para nos mantermos “bem” quando a lógica que nos leva a esse bem-estar, custa ao sofrimento de muitos outros.

Voltando ao cuidado em desmascarar a perversidade do outro, digo que é preciso ter cuidado, como diria no filme matrix: “as pessoas vão lutar com unhas e dentes para se manter na matrix”, e isso é verdade!

Quando entendemos esse conflito, essa fricção que está prestes a ocorrer ao apresentar para o outro às suas perversidades ou mesmo o atentado que esse (a), comete contra o seu entorno e a si próprio, podemos talvez, nos precaver de saber que o monstro enjaulado, vestido de pessoa benevolente, irá sair e para que esse mantenha a sua própria autoimagem benevolente, irá se impor com uma força descomunal em sua direção, com todas as formas de guerrear possíveis e imagináveis

Quando as máscaras do ser ético e virtuoso caem, os implodidos explodem, os manipuladores iram elegantemente usar o seu intelecto até o fim que lhes custarem, como uma forma de persuasão e tirania velada. Os ditos doutores ou representantes institucionais são bons nisso!

No fim, são muitas formas possíveis e imagináveis para nós, “seres humanos”

Então nesse momento, todo cuidado não é pouco, quando nos colocamos nessa tarefa de mostrar que ações angelicais possam estar sendo muito mais diabólicas do que se pensa

Filósofos, como Emanuel Kant, já tinha nos informado sobre isso, quando nos diz da dificuldade que é para nós deixarmos a nossa condição de minoridade

Poderíamos até dizer que sair dessa minoridade é como um novo parto, uma nova crise de crescimento

O sujeito ao sair da sua condição de menoridade, seria o mesmo que sair daquela condição medíocre e alienada onde somos manobra de manipulação, e por isso, tornamo-nos parte de uma massa acrítica das nossas condições e direitos

É bom lembrar, que a maioria de nós, não recebeu nenhuma forma de educação libertadora, nem de um ponto de vista enquanto sujeitos sociais e políticos nem enquanto sujeitos espirituais

Isso nos faz entender que a alienação contém várias dimensões e ela é estruturada para que assim persista

Refletindo nesse sentido, vamos compreendendo que por detrás de retirarmos as máscaras de um “anjo” repletas de ações perversas, tal movimento além de doloroso, é na realidade como se fosse um parto

Sim, é um parto, porque estamos indo contra uma condição estrutural e como tal, tem bases firmes

Acredito pessoalmente, que na tarefa de apresentarmos aos perversos a sua perversidade, em primeiro plano, seria necessário que reconhecêssemos a nossa própria perversidade para não incorremos apenas em uma atitude demagógica

Seria o mesmo que um capetinha com sua máscara de anjinho ir atender outro capetinha com sua máscara de anjinho e na oportunidade do encontro, esses não se encontram e a única coisa que puderam ver, foram suas faces de anjinho

Dentro da psicanálise Freudiana, é dito sobre a importância de muitas vezes, o analisado ou o paciente, não adentrar-se em determinadas coisas, que podemos dizer aqui se tratar de certos “terrenos lodosos”, “sombras”, ou mesmo o desvelar dessas perversidades enrustidas (aspectos do inconsciente em si), pois se o acesso desse no momento errado, buuuummmm, poderia ser danoso para o analisado

Por concordar com isso, é que digo, ser necessário o cuidado na hora de desvelar a perversidade do outro, o saber fazer e o feeling do quando fazer é uma tarefa e das mais artísticas

Por outro lado, não é necessário que você seja um ser iluminado para que possa ajudar o outro, o simples fato de você começar a lidar de forma honesta com a sua própria perversidade (sombras), isso lhe dá mais condição de ir ao encontro da perversidade do outro

Como um praticante das tradições orientais, entendo por prática e compreendo por narrativa epistemológica-científica a luz das Yogas e dos Budismos, que em nossa condição natural fundamental, somos espíritos, consciências ou o nome que adeque melhor ao seu sistema de construções internas, ou seja, in natura, somos seres maravilhosos, compassivos, sábios, genuinamente alegres e contentes

Porém, quanto adentramos a um condição de sujeitos que portam corpos físicos-biológicos e todos os atravessamentos, sociais e políticos que nos perpassam através desse, por estarmos tão envolvidos com todas as nossas tramas de sobrevivência advindas da forma como nós nos  organizamos por aqui, esquecemos dessas nossas condições naturais, esquecemos que somos generosos e compassivos, afinal, fomos educados estruturalmente para sermos competitivos, para entender o outro como uma ameaça e para sermos diferenciados e especiais

Nessa forma de narrativa educacional, não sobra, quase espaço para emergir essas condições intrínsecas como a compaixão, a generosidade, a não ganância e todas as virtudes que conhecemos e que tanto falamos aos quatro cantos portar, mas que na verdade, mais aspiramos telas do que as portamos em prática, devido a forma como nos estruturamos e nos organizamos por aqui

Quando é dito em ensinamentos Budistas que todos nós somos Budas nublados, permita-me olhar para essa afirmação de um ponto de vista socio-histórico

Entendo no que diz respeito às nuvens, toda essa rede de organizações estruturadas no nosso modo de viver e nos organizar enquanto sociedade. Poderíamos dizer que dentro dessas nuvens que nublam a nossa Budicidade, contemplaríamos: a meritocracia neoliberal, o consumismo desenfreado, a estrutural ganância capitalista, a depredação do meio ambiente, o mercado da doença e da pobreza, as instituições religiosas sectárias que de fato não ensinam a prática de uma espiritualidade libertária e um modos operandi de educação bancária e alienante. Por aí vai e a coisa não para por ladeira abaixo!

Sabendo de tudo isso, e compreendendo todo esse enredo

Quando estiver diante da constatação de algum sinal da perversidade no outro

Não tema de desmascará-lo, mas vá com cuidado, pois da mesma forma que foi árduo estruturar a sua ignorância e alienação, será árduo tanto quanto, desestruturar ambas e aí sim, criar um terreno fértil para nascer a ética e as virtudes que tanto dizemos possuir.

                                                                                                            @professormichelalves

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