quarta-feira, 26 de julho de 2023

O problema mente-cérebro, interacionismo cartesiano e algumas teses correntes sobre a relação mente-cérebro


 

Nesse ponto, essa pesquisa traz um questão bastante canônica e desgastada em relação ao problema mente-cérebro, ou o dualismo de substâncias entre uma instância aonde a realidade é incidida pelo mundo como um substância material e extensa e o outro mundo pensante que se configura como uma substância imaterial e inextensa (interacionismo cartesiano) o que segundo para Searle (1992): “o uso desse tipo de vocabulário antiquado conduz a uma discussão de tal forma espúria que muitos dos chamados problemas filosóficos da relação mente-corpo seriam na realidade pseudoproblemas”, o que na realidade, não se entende assim nessa pesquisa! Tratar esse assunto como encerrado pelo fato de não podermos provar até o presente momento, que através de argumentos biológicos materiais que uma imagem que vemos é a explicação de um determinado correlato neural em nosso cérebro, mesmo que tal região cerebral ou correlato neural fora identificado no instante que o sujeito diz estar vendo ou visualizando mentalmente uma determinada imagem, isso não prova a existência do fenômeno mental da imagem em si, como diria o neurocientista Christof Koch que realiza pesquisas entre correlatos neurais da consciência: “As características dos estados cerebrais e dos estados fenomenais parecem muito diferentes para serem completamente redutíveis uma à outra. Desconfio que a conexão é mais complexa do que tradicionalmente se imagina. Por ora, é melhor manter a mente aberta com relação a este assunto e se concentrar em identificar os correlatos da consciência no cérebro (KOCH, 2004, p. 18-9)”.

No extremo oposto do dualismo de substâncias, temos os eliminatismo ou materialismo eliminativo que diz que as psicologias folclóricas trabalham com categorizações falsas, devido a termos herdados do passado e que precisam ser eliminados para um avanço na compreensão da relação cérebro-mente, no entanto, como afirma (WALLACE, 2011): “nunca se aprendeu nada sobre a verdadeira natureza da experiência subjetiva estudando apenas o cérebro. Quando observamos objetivamente estados cerebrais, eles não exibem nenhuma das características dos estados mentais, e quando observamos subjetivamente estados mentais, eles não exibem nenhuma das características de atividade cerebral”, o que temos de solidez para quem de alguma forma, trata o materialismo-científico (nesse contexto) quase como uma espécie de convicção ou fé religiosa, é dizer que através das neurociências pudemos identificar ou mapear correlações neurais em um cérebro que está passando por experiências sensoriais através dos cincos sentidos, assim como das experiências subjetivas que esse pode construir através do exercício voluntário de gerar pensamentos e imagens mentais, ou qualquer tipo de fenômeno mental que esteja sendo vivenciado.

Hoje é possível identificarmos as correlações neurais desses fenômenos graças ao avanço tecnológico (fato, notável), mas como já supracitado, nenhuma base temos para afirmar, que os fenômenos mentais registrados no cérebro é o subproduto dessas relações biológicas que ocorrem nele, podendo afirmar que a gênese dos fenômenos mentais são decorrentes de processos fisiológico-biológicos. Afirmar isso, é o mesmo que acreditarmos que todo tipo de fenômeno mental ou visual que experimentamos, seja a nível interno-subjetivo ou seja devido a um estímulo sensorial do ambiente, foi criado por essas correntes neurais biológicas, que quando se agrupam de determinadas formas, criam todas as paisagens que observamos ou de todos os fenômenos mentais que possamos contemplar. Definitivamente, com o que temos, não é possível afirmarmos tal tipo de coisa! Fazer isso, seria proferir, uma espécie de convicção ou fé religiosa-dogmática, porém, ancorada numa argumentação pseudocientífica.

Outro corrente dentro do debate epistemológico mente-cérebro, são os que defendem a ideia de um dualismo de propriedades. Nesse corrente, defende-se que as propriedades não podem como princípio, ser reduzidas a propriedades físicas ou cerebrais, porém, sustenta-se que em uma instância última da realidade, tudo é parte da natureza física, o que os diferem nesse aspecto, se comparados aos dualistas de substâncias. No enredo dos dualistas de propriedades, separa-se duas posições expressivas que tem como distinção, uma que defende a causação mental ou causação descendente, aonde entende-se que as propriedades mentais tenham manifestação causal no mundo físico e a outra abordagem dos epifenômenalistas que defendem que as propriedades mentais seriam epifenômenos, sendo esses incapazes de qualquer tipo de poder causal (JACKSON, 1982).

Existem outras formas redutíveis de fisicalismo ou materialismo, aonde por exemplo, uma teoria explica fenômenos mentais em termos de condições neurais ou mesmo cria-se reduções interteóricas do vocabulário explicativo mental em termos de um vocabulário neural por vias de leis de ponte ou funcionalizar propriedades mentais em termos de termos de sua estrutura causal física. Além dessas posições, existem teorias identitárias que defendem a ideia de que processos mentais seriam idênticos a processos neurais (C. MOGRABI, J. C. MOGRABI, J. FERNANDEZ. 2014). Além de outras variantes, as teorias identitárias podem ser classificadas em duas famílias de posições: a identidade de tipo (Lewis, 1966) e a identidade de ocorrência (token) (Kim, 1966). No primeiro caso, cria-se uma identidade estável entre um tipo mental e um tipo físico. No entanto, o argumento da múltipla realizabilidade (Fodor,1974; Putnam 1967) – a defesa da possibilidade de que um estado mental (funcional) possa ser realizado por diversos estados cerebrais – coloca o argumento da identidade de tipo em maus lençóis. No caso da identidade de ocorrência, esse problema parece estar, pelo menos, mitigado, já que as identidades se dariam entre ocorrências individuais de estados cerebrais e mentais. Muitos funcionalistas acabam por aderir a essa posição, visto que visões mais algorítmicas de funcionalismo acreditam que uma função pode ser instanciada, por exemplo, tanto in silico como in vivo. Assim, para tal linha de argumentação, o suporte material que sustenta o algoritmo não faria grande diferencia. Tal postura pode ate ser entendida como uma forma de dualismo, já que a mente pode ser vista como uma estrutura meramente formal (C. MOGRABI, J. C. MOGRABI, J. FERNANDEZ. 2014).

Mais promissoras são as pesquisas interdisciplinares que coadunam filosofia da mente e da ciência com neuropsicologia, neurociência e ciência cognitiva, entendendo que qualquer capacidade mental deve ter um correlato neural. A ideia de correlatos neurais pode ter várias versões e variações; entretanto, algumas dessas versões não se comprometem com uma postura necessariamente identitaria, o que é uma vantagem. Trata-se, aqui, de encontrar o conjunto mínimo de eventos e processos cerebrais que possa ser correlacionado a uma capacidade mental como seu substrato neural. Variações dessa ideia se dispõem fundamentalmente em um eixo no qual posturas mais localizacionistas (Zeki et al., 1991) ou globalistas/conexionistas (Baars, 1988; Mesulam, 2012) são postuladas. Por localizacionismo, entende-se, aqui, o poder de imputar a áreas bem determinadas do cérebro capacidades distintas e especificas. Por globalismo/conexionismo, considera-se a possibilidade de que as correlações sejam estabelecidas entre capacidades funcionais e áreas em interação e reverberação informativa (C. MOGRABI, J. C. MOGRABI, J. FERNANDEZ. 2014).

Dentro da metáfora da mente como um computador, o cognitivismo estrito sugeria que a mente funcionaria tal como um software, que poderia ser instalado em diferentes suportes, não importando as características do hardware (i. e., o corpo e o cérebro) no qual funcionava. Essa perspectiva, considerada ad extremum, cai em uma posição dualista, em que a mente e um conjunto de regras formais que pode ser instanciado independentemente de sua base orgânica (SEARLE, 1980). Em oposição a essa perspectiva, acompanha-se a incorporação nas neurociências de um paradigma biológico que considera todos os processos cognitivos como calcados em uma base material (o cérebro) e motivados em última instancia por questões referentes a adaptação do organismo (C. MOGRABI, J. C. MOGRABI, J. FERNANDEZ. 2014).

@professormichelalves

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