quarta-feira, 26 de julho de 2023

NÃO TÍNHAMOS BONS MODELOS EPISTÊMICOS E METODOLÓGICOS NAS CIÊNCIAS ESPIRITUAIS, É PRECISO ENTÃO QUE CRIEMOS NOVAS EPISTEMOLOGIAS MAS NÃO SENDO SUBORDINADAS ÀS CIÊNCIAS NATURAIS

 


Alan Wallace em seu livro Mente em Equilíbrio diz: “A segunda razão fundamental pela qual a introspecção foi rejeitada pela comunidade científica foi que ela ia contra o veio da pesquisa científica nos trezentos anos anteriores, que tinha se concentrado de forma consistente em realidades objetivas, físicas, quantitativas. Nas décadas iniciais do século XX, as ciências naturais tinham se mostrado tão bem-sucedidas – especialmente quando comparadas com a religião e a filosofia que um número crescente de pessoas identificavam o mundo natural com o mundo físico. Em outras palavras, as únicas coisas que consideravam real eram as coisas que os cientistas podiam medir: isto é, entidades e processos físicos. Qualquer outra coisa era considerada “sobrenatural” e, portanto, não existente ou pelo o menos irrelevante para a pesquisa científica”.

Esse caminho tomado pela ciências naturais foi de extrema necessidade, frente ao zeitgeist (espírito do tempo) da idade média, aonde se tinha uma visão da realidade totalmente alicerçada pelo invisível com seus entes divinos e espirituais que por detrás das manifestações do mundo fenomênico, eram as próprias causas e explicações para essas. A legitimidade desmedida e desprovida de critérios para a investigação de fenômenos metafísico-espirituais, fez com que muitas das práticas religiosas não tivessem uma adequada criticidade fazendo com que o terreno destas incursões se tornasse fértil para práticas ineficientes, especulativas e charlatonas, porém, os paradigmas que alicerçaram a visão do mundo científico em todo o século XIX e em certa medida até hoje no século XXI, não estabelecera uma prudente parceria intelectual com as correntes de pesquisadores e epistemologias que se colocaram a investigar todo e qualquer tipo de fenômeno que fosse de procedência metafísica, a título de exemplos, é só vermos o quanto os parapsicólogos e a corrente das psicoterapias transpessoais ficaram a margem dos debates científicos e acadêmicos ao redor do mundo.

É interessante observar a força de alguns pesquisadores dentro da física quântica de envergadura mais determinística, procurando criar instrumentos de precisão para sondar o cada vez menor, microuniverso atômico das partículas mais rudimentares, procurando esses encontrar uma unidade atômica fundamental propositora de todas as demais micro e macro partículas do universo físico sondável. Para investigadores materialistas, não cabe o questionamento que os seus “modos operandis” pela procura incessante em provas materiais, seja apenas um tipo de método de investigação da realidade, isto está fora de cogitação! porém, existem outros mais, como por exemplo a possibilidade de investigarmos a realidade das coisas pela própria via da introspecção sondando a natureza da mente através do silêncio meditativo. Acredito que com o tempo, assim como a física quântica vem trazendo ao debate acadêmico sobre a unificação da física com a consciência, as neurociências através da constatação das repercussões neurais e estruturais em nosso cérebro devido à prática de determinadas técnicas de meditação, uma emergente pesquisa científica alicerçada em uma abordagem epistémica que se utilizada da introspecção como possibilidade metodológica para também se investigar fenômenos pertencentes ao amplo espectro disponíveis em nossa realidade, torna-se um potencial emergente para novas abordagens para as pesquisas no século XXI; como diz Pierre Weill em seu livro, A consciência cósmica: “enquanto os cientistas observam o elétron, os Iogues se tornam o próprio elétron”.

Em nossos tempos, as ciências naturais enquanto narrativa hegemônica continua apenas interessada em encontrar provas materiais de entes dos quais ainda são invisíveis aos nossos sentidos e aos nossos instrumentos de medição, aonde partimos de uma premissa que aquilo que não se consegue mensurar ou quantificar ou é porque não encontramos instrumentos para isso ou de fato é porque não existe! portanto, não há abertura para pensar que existem outros meios de investigar a realidade, assim como questionar a própria premissa de que todo e qualquer tipo de fenômeno natural seja da ordem física-objetiva. Isso nos abre precedente para pensarmos que não existe possibilidade de investigarmos aos moldes das ciências naturais fenômenos que intrinsecamente não sejam materiais: como os nossos pensamentos, sentimentos, emoções, imaginação, a compaixão e etc. Quando investigamos o amplo espectro de fenômenos da mente anteriormente citados, a única maneira de investigarmos esses ao moldes das ciências naturais, é encontrarmos as correlações desses fenômenos com algum tipo de repercussão em nosso corpo ou aparatos sensoriais como as neurociências contemplativas veem fazendo, encontrando quais são correlações neurais em nosso cérebro enquanto estamos meditando, porém, não existe nesse procedimento investigativo, uma premissa aonde investiga os fenômenos mentais a partir da própria mente de um observador que contempla os fenômenos de sua mente. Exemplo, poderíamos investigar as correlações neurais em um cérebro de uma pessoa que diz estar passando por uma experiência aonde essa experimenta o sentimento de compaixão por uma pessoa e identificarmos o que acontece em seu cérebro quando ela diz estar vivenciando isso, mas não utilizamos metodologias que investigam os fenômenos mentais da compaixão, a partir do próprio sujeito que a vivencia experimentando-a. Metodologias epistémicas que se predispõem a investigar fenômenos da mente a partir do próprio observador que a experiência é claramente uma forma distinta no que diz respeito a método, epistemologia e paradigma com relação ao método cartesiano-materialista que adotamos para as ciências duras ou ciências da natureza para se investigar a realidade. Estamos falando aqui, de métodos genuinamente humanos, pois os instrumentos de “medição” aqui, não são máquinas ou entendes passíveis de serem medidos ou quantificados por instrumentos, mas sim o próprio sujeito humano através da experiência enquanto observador dos fenômenos que testemunhará os seus achados. O colhimento das experiências de relatos e os instrumentos de análises estatísticas são ainda muito bem vindos nesse tipo de metodologia, falarei disso com mais profundidade no capítulo sobre: “A proposta de uma metodologia científica da introspecção”.

   Não há por parte das epistemologias cientificas como a praticamos, o interesse de investigar qualquer tipo de fenômeno da realidade pelo contato com esses diretamente utilizando-se de práticas ou métodos de introspecção meditativa, porém, entendo que nesse momento, estamos ainda passando por um processo de transição, aonde da mesma maneira que no passado freamos a tendência ao excesso da religiosidade acrítica que de forma alguma configurava uma metodologia espiritual baseada na auto experimentação, hoje, estamos começando a compreender que para investigar alguns fenômenos dos quais a sua mecânica é insondável aos nossos instrumentos de medição como o pensamento, a imaginação e as muitas e variadas formas de manifestação da mente, teremos que transcender alguns dogmas  científico-materialistas que ainda se baseiam em princípios biológicos dependentes a princípios físicos de uma física do século XIX com suas noções de matéria já refutadas pela mecânica quântica do século XX, mas que ainda se mantém como ídolos, por isso se configurando em uma forma de dogma. Aprofundarei sobre isso no capítulo: “Os ídolos e às subordinações epistémicas dentro das ciências naturais”. Esse transcender da nossa noção de materialidade, não é negligenciar a ciência e seus métodos experimentais, mas sim, propor outros métodos e abordagens, assim como exaustivamente vem sendo explicitado aqui através da introspecção meditativa.

A título de demonstração, para que nós façamos perguntas importantes sobre essas outras formas de sondar a natureza da mente via introspecção meditativa, peguemos como exemplo primeiro, o que vem sendo alvo de investigação dentro das neurociências contemplativas, aonde se percebe que determinados métodos de meditação são capazes de gerar verdadeiras alterações estruturais a nível de cérebro, assim como alterações de funcionamento de determinadas vias neurais tendo como consequência a mudança de determinados comportamentos. A partir desses exemplos, quero propor que façamos outras formas de perguntas ou hipóteses que não fiquem restritas apenas a investigação material como mecanismo epistémico único para se investigar experimentos científicos em relação aos fenômenos mentais estudados. No livro A Ciência da Meditação, Daniel Goleman e Richard J. Davidson se referindo aos impactos de determinadas práticas meditativas em relação a aspectos neurofisiológicos no cérebro, eles dizem: “Quando a raiva ou a ansiedade é disparada, a amígdala impulsiona os circuitos pré-frontais, à medida que essas emoções perturbadoras atingem seu pico, um sequestro amigdalar paralisa a função executiva. Mas, quando assumimos o controle ativo de nossa atenção, como quando meditamos, mobilizamos esses circuitos pré-frontais e a amígdala se acalma. Richard e sua equipe encontraram essa amígdala silenciosa tanto em meditadores vipassana experientes como, com sugestões do mesmo padrão, embora menos forte, em pessoas após treinamento em MBSR (mindfulness based stress reduction). A carreira científica de Richard rastreou o local da atenção à medida que se movia gradualmente cérebro acima. Na década de 1980, ele ajudou a fundar a neurociência afetiva, campo que estuda os circuitos emocionais no mesencéfalo e como as emoções impelem e atraem a atenção. Na década de 1990, à medida que a neurociência contemplativa nascia e pesquisadores começavam a olhar para o cérebro durante a meditação, eles descobriram como os circuitos no córtex pré-frontal gerenciam nossa atenção voluntária. Essa área atualmente tornou-se o hotspot cerebral para a pesquisa de meditação; qualquer aspecto da atenção envolve o córtex pré-frontal de algum modo. Seguindo a citação dos mesmos autores: “Mas um cético talvez pergunte: é a prática da meditação que intensifica a atenção ou algum outro fator? É por esse motivo, sem dúvida, que grupos de controle se fazem necessários. E demonstrar de forma ainda mais convincente que a ligação entre a meditação e a atenção sustentada não é mera associação, mas antes causal, exige um estudo longitudinal. Esse parâmetro mais elevado foi atingido pelo estudo de Clifford Saron e Alan Wallace, em que os voluntários participaram de um retiro para meditação de três meses, com Wallace como professor. Eles praticaram o foco na respiração cinco horas por dia e Saron os submetia a um teste no início do retiro, um mês após o começo, depois de terminado e, por fim, cinco meses mais tarde. Os meditadores melhoraram em vigilância, com os maiores ganhos no primeiro mês de retiro. Cinco meses após o término do retiro, cada meditador fez um teste de acompanhamento para a vigilância e, notavelmente, as melhorias conquistadas durante o retiro continuavam fortes. Sem dúvida o ganho devia ser conservado graças às horas de prática diária que esses meditadores relatavam. Mesmo assim, esse experimento está entre os melhores testes diretos de um traço alterado induzido por meditação de que dispomos.

Retomando a ideia de perguntas que poderiam nortear uma diferente prática epistémica de investigação das fenomenologias experienciadas, consequentes às práticas de meditação como alteração na atenção assim como nas repercussões fisiológicas no que diz respeito ao funcionamento da amígdala e aos circuitos pré-frontais ao meditarmos, temos em primeiro plano, a proposta das neurociências de investigar as repercussões da meditação através de mecanismos causais de encontrarmos os vestígios que comprovem ou não se de fato alguma repercussão ocorreu e a partir dessas repercussões, temos o crivo para dizer o que é fato (verdade) ou não, porém, quando partimos de uma experiência aonde não encontramos vestígios nenhum de alteração, ou seja, não temos provas materiais, a resposta óbvia a essa situação é que então não houve um fato observado, portanto, estamos diante de uma não prova, nesse sentido, dentro de um método epistémico alicerçado na premissa de demonstrações causais (causa-efeito), isso já é o suficiente para aferirmos que estamos diante de uma situação que não nos revela nenhuma verdade, nenhum fato, nenhuma prova.

Porém, quero chamar atenção que em muitas das experiências que vivenciamos e sentimos em nossa própria prática introspectiva das quais podemos até falar detalhadamente sobre elas, sejam nossas sensações, percepções, nosso imaginário, as repercussões daquilo em nossa mente trazendo uma riqueza de informações que enquanto dentro de nós apresenta-se como um mundo vívido de detalhes e informações passíveis de serem investigadas por nós mesmos, externamente porém, na codificação de nossos aparelhos de medida, muita das vezes nada que não seja previsto se apresenta nas medições constatadas pelos nossos instrumentos. Atente-se que estamos diante de uma contradição, aonde muitas vezes um mundo interno, fértil de acontecimentos subjetivos e humanos estão acontecendo, ao mesmo tempo que um mundo externo aonde através de seus parâmetros instrumentais, não capta-se nem uma pequena porcentagem do que está acontecendo com aqueles que se colocam em seu laboratório de práticas introspectivas, contemplando os fenômenos mentais que se experimenta durante a prática introspectiva. Precisamos investigar para além das máquinas de captação, como eletroencefalogramas (EEG) e todos os mecanismos tecnológicos de imagem computadorizada! precisamos nas pesquisas que utilizam-se da introspecção e de seus métodos como instrumentos de nossa investigação, utilizarmo-nos também das “tecnologias humanas” como a linguagem, aonde o sujeito fala de suas experiências através da sua própria investigação “in loco” do que ele vivenciou internamente, é a perspectiva de o Iogue se tornar o próprio elétron de Weill. Explorar a linguagem que nascerá a partir do silêncio introspectivo da meditação e fazermos um bom estudo de colheita de dados, similaridades e mesmo checar estas similaridades e suas distinções com a abrangente literatura existente, é um forma de averiguarmos fenômenos comuns e universais que podem acontecer diante destas práticas. Nas pesquisas de experiência de quase morte (EQM) assim como nas pesquisas de experiências fora do corpo e de estados alterados de consciência, vemos essa tentativa de abordagem epistémica sendo construída a partir da base de relatos dos experimentadores (sejam no caso aqui, das pessoas que praticaram determinados métodos introspectivos de meditação, sejam por pessoas que passaram por experiências de quase morte, sejam por pessoas que de alguma maneira, vivenciaram estados alterados de consciência) fazendo com que estes relatos, tornem-se a nossa base de dados para que comparemos entre si e com a literatura relacionada ao assunto.

Para fazermos pesquisas criteriosas tendo como pilares, a linguagem e a colheita de dados a partir das experiências vivenciadas, é importante ficar claro, a não negligência dos recursos tecnológicos disponíveis, assim como os dados materiais identificados durante os experimentos, assim como uma rigorosa construção metodológica de grupos controle evitando toda e qualquer forma de construção de conhecimento a priori que induza aos resultados subjetivos dos sujeitos, embora, em alguns contextos teremos essa dificuldade enquanto um desafio em determinadas etapas do processo no que diz respeito a colheita de dados vivenciados. Vou exemplificar uma proposta:

Imaginemos hipoteticamente que queremos averiguar se as repercussões energéticas relatadas pela literatura Iogue como por exemplo o da percepção e sensibilização dos chakras (centros sutis energéticos) a partir da prática de determinados asanas, pranayamas e meditação, passam de fato a serem percebidos pelo praticante Iogue como uma incontestável experiência pessoal de que somos portadores de uma anatomia sutil! Imaginemos então, criar um método aonde nesse, terão todas as práticas Iogues que segundo sua literatura produzam tais fenômenos sutis fazendo com que sejam percebidos, porém, o grupo A que receberá essas instruções, não terá informações ou mesmo será orientado sobre as repercussões energéticas-sensoriais ao praticar tais técnicas, assim, como rigorosamente terá como pré-requisito que os participantes do grupo A, não tenham nenhum conhecimento precedente sobre os chakras e as energias sutis que são ativadas a partir desse conjunto de práticas que eles farão. Enquanto isso, teremos um grupo B controle, do qual fará também uma série de práticas de ordem física como ginásticas e outras orientações de sensibilização com relação ao corpo, como a prática de relaxamentos, porém, em aspecto algum serão práticas semelhantes às que o grupo A fará. Após estabelecido o tempo de duração do experimento de acordo com a literatura pré-existente sobre as repercussões energéticas como a percepção e sensibilização quanto aos chakras, teremos os seguintes pontos a serem ponderados:

              1-O grupo A, de fato sem o conhecimento prévio, vivenciara em seus relatos, experiências que indiciem a percepção dos chakras e dos sistemas sutis de energias (nadis ou meridianos energéticos)?

Observação: As perguntas que checam tais fenômenos não podem ser indutoras no sentido de manipular o discurso em direção ao conhecimento que se averigua.

2- As percepções das pessoas do grupo A são semelhantes entre si? Se sim, quais as semelhanças? Se não, quais foram as distinções? Algo vivenciado, foi semelhante ao conhecimento da literatura pré-existente sobre o assunto “sensibilidade dos chakras e dos sistemas energéticos através da prática de asanas, pranayamas e meditação?

3- As pessoas do grupo B, também tiverem percepções e sensações que vão ao encontro do conhecimento pré-existente na literatura Iogue, mesmo usando outras práticas com objetivos distintos aos dos métodos Iogues?

              4- Houve semelhanças entre as percepção, sensações e vivências entre os participantes dos grupos A e B? Se sim quais foram? Se não, quais foram as distinções?

              5- Entre os integrantes do grupo A, que tiveram experiências internas semelhantes às da literatura, existem elementos vivenciados entre esses que os distingue? Se sim, quais foram eles?

              6- Entre os integrantes do grupo A que se aproximaram das sensações e vivências relatadas pela literatura pré-existente, houve alguma forma que os distinguiam em sua maneira de praticar a metodologia ensinada? Se sim, o que realizaram de diferente?

Muitas outras perguntas poderiam ser desenvolvidas a partir dessa base investigativa de método-experimental, tendo para além da investigação dos resultados fisiológicos materiais, os resultados e repercussões internas, subjetivas que acontecem com os sujeitos a partir do momento que se colocam como o próprio laboratório de investigação de determinados métodos e práticas para aferirem a veracidade desses ou não. Poderia tornar mais exaustiva essa discussão, porém, nesse momento, vou deixar para que discutamos com mais profundidade sobre esse assunto no capítulo mais adiante sobre: “A proposta de uma metodologia científica da introspecção”.

@professormichelalves


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