Alan
Wallace em seu livro Mente em Equilíbrio diz: “A segunda razão fundamental pela qual a introspecção foi rejeitada
pela comunidade científica foi que ela ia contra o veio da pesquisa científica
nos trezentos anos anteriores, que tinha se concentrado de forma consistente em
realidades objetivas, físicas, quantitativas. Nas décadas iniciais do século
XX, as ciências naturais tinham se mostrado tão bem-sucedidas – especialmente
quando comparadas com a religião e a filosofia que um número crescente de
pessoas identificavam o mundo natural com o mundo físico. Em outras palavras,
as únicas coisas que consideravam real eram as coisas que os cientistas podiam
medir: isto é, entidades e processos físicos. Qualquer outra coisa era
considerada “sobrenatural” e, portanto, não existente ou pelo o menos
irrelevante para a pesquisa científica”.
Esse
caminho tomado pela ciências naturais foi de extrema necessidade, frente ao
zeitgeist (espírito do tempo) da idade média, aonde se tinha uma visão da
realidade totalmente alicerçada pelo invisível com seus entes divinos e
espirituais que por detrás das manifestações do mundo fenomênico, eram as
próprias causas e explicações para essas. A legitimidade desmedida e desprovida
de critérios para a investigação de fenômenos metafísico-espirituais, fez com
que muitas das práticas religiosas não tivessem uma adequada criticidade
fazendo com que o terreno destas incursões se tornasse fértil para práticas
ineficientes, especulativas e charlatonas, porém, os paradigmas que alicerçaram
a visão do mundo científico em todo o século XIX e em certa medida até hoje no
século XXI, não estabelecera uma prudente parceria intelectual com as correntes
de pesquisadores e epistemologias que se colocaram a investigar todo e qualquer
tipo de fenômeno que fosse de procedência metafísica, a título de exemplos, é
só vermos o quanto os parapsicólogos e a corrente das psicoterapias
transpessoais ficaram a margem dos debates científicos e acadêmicos ao redor do
mundo.
É
interessante observar a força de alguns pesquisadores dentro da física quântica
de envergadura mais determinística, procurando criar instrumentos de precisão
para sondar o cada vez menor, microuniverso atômico das partículas mais
rudimentares, procurando esses encontrar uma unidade atômica fundamental propositora
de todas as demais micro e macro partículas do universo físico sondável. Para
investigadores materialistas, não cabe o questionamento que os seus “modos
operandis” pela procura incessante em provas materiais, seja apenas um tipo de
método de investigação da realidade, isto está fora de cogitação! porém,
existem outros mais, como por exemplo a possibilidade de investigarmos a
realidade das coisas pela própria via da introspecção sondando a natureza da
mente através do silêncio meditativo. Acredito que com o tempo, assim como a
física quântica vem trazendo ao debate acadêmico sobre a unificação da física
com a consciência, as neurociências através da constatação das repercussões
neurais e estruturais em nosso cérebro devido à prática de determinadas técnicas
de meditação, uma emergente pesquisa científica alicerçada em uma abordagem
epistémica que se utilizada da introspecção como possibilidade metodológica
para também se investigar fenômenos pertencentes ao amplo espectro disponíveis
em nossa realidade, torna-se um potencial emergente para novas abordagens para
as pesquisas no século XXI; como diz Pierre Weill em seu livro, A consciência
cósmica: “enquanto os cientistas observam o elétron, os Iogues se tornam o
próprio elétron”.
Em
nossos tempos, as ciências naturais enquanto narrativa hegemônica continua
apenas interessada em encontrar provas materiais de entes dos quais ainda são
invisíveis aos nossos sentidos e aos nossos instrumentos de medição, aonde
partimos de uma premissa que aquilo que não se consegue mensurar ou quantificar
ou é porque não encontramos instrumentos para isso ou de fato é porque não
existe! portanto, não há abertura para pensar que existem outros meios de
investigar a realidade, assim como questionar a própria premissa de que todo e
qualquer tipo de fenômeno natural seja da ordem física-objetiva. Isso nos abre
precedente para pensarmos que não existe possibilidade de investigarmos aos
moldes das ciências naturais fenômenos que intrinsecamente não sejam materiais:
como os nossos pensamentos, sentimentos, emoções, imaginação, a compaixão e
etc. Quando investigamos o amplo espectro de fenômenos da mente anteriormente
citados, a única maneira de investigarmos esses ao moldes das ciências
naturais, é encontrarmos as correlações desses fenômenos com algum tipo de
repercussão em nosso corpo ou aparatos sensoriais como as neurociências
contemplativas veem fazendo, encontrando quais são correlações neurais em nosso
cérebro enquanto estamos meditando, porém, não existe nesse procedimento investigativo,
uma premissa aonde investiga os fenômenos mentais a partir da própria mente de
um observador que contempla os fenômenos de sua mente. Exemplo, poderíamos
investigar as correlações neurais em um cérebro de uma pessoa que diz estar
passando por uma experiência aonde essa experimenta o sentimento de compaixão
por uma pessoa e identificarmos o que acontece em seu cérebro quando ela diz
estar vivenciando isso, mas não utilizamos metodologias que investigam os
fenômenos mentais da compaixão, a partir do próprio sujeito que a vivencia
experimentando-a. Metodologias epistémicas que se predispõem a investigar
fenômenos da mente a partir do próprio observador que a experiência é
claramente uma forma distinta no que diz respeito a método, epistemologia e paradigma
com relação ao método cartesiano-materialista que adotamos para as ciências
duras ou ciências da natureza para se investigar a realidade. Estamos falando
aqui, de métodos genuinamente humanos, pois os instrumentos de “medição” aqui,
não são máquinas ou entendes passíveis de serem medidos ou quantificados por
instrumentos, mas sim o próprio sujeito humano através da experiência enquanto
observador dos fenômenos que testemunhará os seus achados. O colhimento das
experiências de relatos e os instrumentos de análises estatísticas são ainda
muito bem vindos nesse tipo de metodologia, falarei disso com mais profundidade
no capítulo sobre: “A proposta de uma
metodologia científica da introspecção”.
Não há por parte das epistemologias
cientificas como a praticamos, o interesse de investigar qualquer tipo de
fenômeno da realidade pelo contato com esses diretamente utilizando-se de
práticas ou métodos de introspecção meditativa, porém, entendo que nesse
momento, estamos ainda passando por um processo de transição, aonde da mesma
maneira que no passado freamos a tendência ao excesso da religiosidade acrítica
que de forma alguma configurava uma metodologia espiritual baseada na auto
experimentação, hoje, estamos começando a compreender que para investigar alguns
fenômenos dos quais a sua mecânica é insondável aos nossos instrumentos de
medição como o pensamento, a imaginação e as muitas e variadas formas de
manifestação da mente, teremos que transcender alguns dogmas científico-materialistas que ainda se baseiam
em princípios biológicos dependentes a princípios físicos de uma física do
século XIX com suas noções de matéria já refutadas pela mecânica quântica do
século XX, mas que ainda se mantém como ídolos, por isso se configurando em uma
forma de dogma. Aprofundarei sobre isso no capítulo: “Os ídolos e às subordinações epistémicas dentro das ciências
naturais”. Esse transcender da nossa noção de materialidade, não é
negligenciar a ciência e seus métodos experimentais, mas sim, propor outros
métodos e abordagens, assim como exaustivamente vem sendo explicitado aqui
através da introspecção meditativa.
A
título de demonstração, para que nós façamos perguntas importantes sobre essas
outras formas de sondar a natureza da mente via introspecção meditativa,
peguemos como exemplo primeiro, o que vem sendo alvo de investigação dentro das
neurociências contemplativas, aonde se percebe que determinados métodos de
meditação são capazes de gerar verdadeiras alterações estruturais a nível de
cérebro, assim como alterações de funcionamento de determinadas vias neurais
tendo como consequência a mudança de determinados comportamentos. A partir
desses exemplos, quero propor que façamos outras formas de perguntas ou
hipóteses que não fiquem restritas apenas a investigação material como
mecanismo epistémico único para se investigar experimentos científicos em
relação aos fenômenos mentais estudados. No livro A Ciência da Meditação,
Daniel Goleman e Richard J. Davidson se referindo aos impactos de determinadas
práticas meditativas em relação a aspectos neurofisiológicos no cérebro, eles
dizem: “Quando a raiva ou a ansiedade é
disparada, a amígdala impulsiona os circuitos pré-frontais, à medida que essas
emoções perturbadoras atingem seu pico, um sequestro amigdalar paralisa a
função executiva. Mas, quando assumimos o controle ativo de nossa atenção, como
quando meditamos, mobilizamos esses circuitos pré-frontais e a amígdala se
acalma. Richard e sua equipe encontraram essa amígdala silenciosa tanto em
meditadores vipassana experientes como, com sugestões do mesmo padrão, embora
menos forte, em pessoas após treinamento em MBSR (mindfulness based stress
reduction). A carreira científica de Richard rastreou o local da atenção à
medida que se movia gradualmente cérebro acima. Na década de 1980, ele ajudou a
fundar a neurociência afetiva, campo que estuda os circuitos emocionais no
mesencéfalo e como as emoções impelem e atraem a atenção. Na década de 1990, à
medida que a neurociência contemplativa nascia e pesquisadores começavam a
olhar para o cérebro durante a meditação, eles descobriram como os circuitos no
córtex pré-frontal gerenciam nossa atenção voluntária. Essa área atualmente
tornou-se o hotspot cerebral para a pesquisa de meditação; qualquer aspecto da
atenção envolve o córtex pré-frontal de algum modo. Seguindo a citação dos
mesmos autores: “Mas um cético talvez
pergunte: é a prática da meditação que intensifica a atenção ou algum outro
fator? É por esse motivo, sem dúvida, que grupos de controle se fazem
necessários. E demonstrar de forma ainda mais convincente que a ligação entre a
meditação e a atenção sustentada não é mera associação, mas antes causal, exige
um estudo longitudinal. Esse parâmetro mais elevado foi atingido pelo estudo de
Clifford Saron e Alan Wallace, em que os voluntários participaram de um retiro
para meditação de três meses, com Wallace como professor. Eles praticaram o
foco na respiração cinco horas por dia e Saron os submetia a um teste no início
do retiro, um mês após o começo, depois de terminado e, por fim, cinco meses
mais tarde. Os meditadores melhoraram em vigilância, com os maiores ganhos no
primeiro mês de retiro. Cinco meses após o término do retiro, cada meditador
fez um teste de acompanhamento para a vigilância e, notavelmente, as melhorias
conquistadas durante o retiro continuavam fortes. Sem dúvida o ganho devia ser
conservado graças às horas de prática diária que esses meditadores relatavam.
Mesmo assim, esse experimento está entre os melhores testes diretos de um traço
alterado induzido por meditação de que dispomos.
Retomando
a ideia de perguntas que poderiam nortear uma diferente prática epistémica de
investigação das fenomenologias experienciadas, consequentes às práticas de
meditação como alteração na atenção assim como nas repercussões fisiológicas no
que diz respeito ao funcionamento da amígdala e aos circuitos pré-frontais ao
meditarmos, temos em primeiro plano, a proposta das neurociências de investigar
as repercussões da meditação através de mecanismos causais de encontrarmos os
vestígios que comprovem ou não se de fato alguma repercussão ocorreu e a partir
dessas repercussões, temos o crivo para dizer o que é fato (verdade) ou não,
porém, quando partimos de uma experiência aonde não encontramos vestígios
nenhum de alteração, ou seja, não temos provas materiais, a resposta óbvia a
essa situação é que então não houve um fato observado, portanto, estamos diante
de uma não prova, nesse sentido, dentro de um método epistémico alicerçado na
premissa de demonstrações causais (causa-efeito), isso já é o suficiente para
aferirmos que estamos diante de uma situação que não nos revela nenhuma
verdade, nenhum fato, nenhuma prova.
Porém,
quero chamar atenção que em muitas das experiências que vivenciamos e sentimos
em nossa própria prática introspectiva das quais podemos até falar
detalhadamente sobre elas, sejam nossas sensações, percepções, nosso
imaginário, as repercussões daquilo em nossa mente trazendo uma riqueza de
informações que enquanto dentro de nós apresenta-se como um mundo vívido de
detalhes e informações passíveis de serem investigadas por nós mesmos,
externamente porém, na codificação de nossos aparelhos de medida, muita das
vezes nada que não seja previsto se apresenta nas medições constatadas pelos
nossos instrumentos. Atente-se que estamos diante de uma contradição, aonde
muitas vezes um mundo interno, fértil de acontecimentos subjetivos e humanos
estão acontecendo, ao mesmo tempo que um mundo externo aonde através de seus
parâmetros instrumentais, não capta-se nem uma pequena porcentagem do que está
acontecendo com aqueles que se colocam em seu laboratório de práticas
introspectivas, contemplando os fenômenos mentais que se experimenta durante a
prática introspectiva. Precisamos investigar para além das máquinas de
captação, como eletroencefalogramas (EEG) e todos os mecanismos tecnológicos de
imagem computadorizada! precisamos nas pesquisas que utilizam-se da
introspecção e de seus métodos como instrumentos de nossa investigação,
utilizarmo-nos também das “tecnologias humanas” como a linguagem, aonde o
sujeito fala de suas experiências através da sua própria investigação “in loco”
do que ele vivenciou internamente, é a perspectiva de o Iogue se tornar o
próprio elétron de Weill. Explorar a linguagem que nascerá a partir do silêncio
introspectivo da meditação e fazermos um bom estudo de colheita de dados,
similaridades e mesmo checar estas similaridades e suas distinções com a
abrangente literatura existente, é um forma de averiguarmos fenômenos comuns e
universais que podem acontecer diante destas práticas. Nas pesquisas de
experiência de quase morte (EQM) assim como nas pesquisas de experiências fora
do corpo e de estados alterados de consciência, vemos essa tentativa de
abordagem epistémica sendo construída a partir da base de relatos dos experimentadores
(sejam no caso aqui, das pessoas que praticaram determinados métodos
introspectivos de meditação, sejam por pessoas que passaram por experiências de
quase morte, sejam por pessoas que de alguma maneira, vivenciaram estados
alterados de consciência) fazendo com que estes relatos, tornem-se a nossa base
de dados para que comparemos entre si e com a literatura relacionada ao
assunto.
Para
fazermos pesquisas criteriosas tendo como pilares, a linguagem e a colheita de
dados a partir das experiências vivenciadas, é importante ficar claro, a não
negligência dos recursos tecnológicos disponíveis, assim como os dados
materiais identificados durante os experimentos, assim como uma rigorosa
construção metodológica de grupos controle evitando toda e qualquer forma de
construção de conhecimento a priori que induza aos resultados subjetivos dos
sujeitos, embora, em alguns contextos teremos essa dificuldade enquanto um
desafio em determinadas etapas do processo no que diz respeito a colheita de
dados vivenciados. Vou exemplificar uma proposta:
Imaginemos
hipoteticamente que queremos averiguar se as repercussões energéticas relatadas
pela literatura Iogue como por exemplo o da percepção e sensibilização dos
chakras (centros sutis energéticos) a partir da prática de determinados asanas,
pranayamas e meditação, passam de fato a serem percebidos pelo praticante Iogue
como uma incontestável experiência pessoal de que somos portadores de uma
anatomia sutil! Imaginemos então, criar um método aonde nesse, terão todas as
práticas Iogues que segundo sua literatura produzam tais fenômenos sutis
fazendo com que sejam percebidos, porém, o grupo A que receberá essas
instruções, não terá informações ou mesmo será orientado sobre as repercussões
energéticas-sensoriais ao praticar tais técnicas, assim, como rigorosamente
terá como pré-requisito que os participantes do grupo A, não tenham nenhum
conhecimento precedente sobre os chakras e as energias sutis que são ativadas a
partir desse conjunto de práticas que eles farão. Enquanto isso, teremos um
grupo B controle, do qual fará também uma série de práticas de ordem física
como ginásticas e outras orientações de sensibilização com relação ao corpo,
como a prática de relaxamentos, porém, em aspecto algum serão práticas
semelhantes às que o grupo A fará. Após estabelecido o tempo de duração do
experimento de acordo com a literatura pré-existente sobre as repercussões
energéticas como a percepção e sensibilização quanto aos chakras, teremos os
seguintes pontos a serem ponderados:
1-O grupo A, de fato sem o
conhecimento prévio, vivenciara em seus relatos, experiências que indiciem a
percepção dos chakras e dos sistemas sutis de energias (nadis ou meridianos
energéticos)?
Observação: As perguntas
que checam tais fenômenos não podem ser indutoras no sentido de manipular o
discurso em direção ao conhecimento que se averigua.
2-
As percepções das pessoas do grupo A são semelhantes entre si? Se sim, quais as
semelhanças? Se não, quais foram as distinções? Algo vivenciado, foi semelhante
ao conhecimento da literatura pré-existente sobre o assunto “sensibilidade dos
chakras e dos sistemas energéticos através da prática de asanas, pranayamas e
meditação?
3-
As pessoas do grupo B, também tiverem percepções e sensações que vão ao encontro
do conhecimento pré-existente na literatura Iogue, mesmo usando outras práticas
com objetivos distintos aos dos métodos Iogues?
4- Houve semelhanças entre as
percepção, sensações e vivências entre os participantes dos grupos A e B? Se sim
quais foram? Se não, quais foram as distinções?
5- Entre os integrantes do grupo
A, que tiveram experiências internas semelhantes às da literatura, existem
elementos vivenciados entre esses que os distingue? Se sim, quais foram eles?
6- Entre os integrantes do grupo A
que se aproximaram das sensações e vivências relatadas pela literatura
pré-existente, houve alguma forma que os distinguiam em sua maneira de praticar
a metodologia ensinada? Se sim, o que realizaram de diferente?
Muitas
outras perguntas poderiam ser desenvolvidas a partir dessa base investigativa
de método-experimental, tendo para além da investigação dos resultados
fisiológicos materiais, os resultados e repercussões internas, subjetivas que
acontecem com os sujeitos a partir do momento que se colocam como o próprio
laboratório de investigação de determinados métodos e práticas para aferirem a
veracidade desses ou não. Poderia tornar mais exaustiva essa discussão, porém,
nesse momento, vou deixar para que discutamos com mais profundidade sobre esse
assunto no capítulo mais adiante sobre: “A
proposta de uma metodologia científica da introspecção”.
@professormichelalves
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