B.
Alan Wallace em seu livro: Mente em equilíbrio diz que: “No início do século XX, nem os psicólogos acadêmicos nem os
psicanalistas tinham conseguido elaborar métodos rigorosos de observar
diretamente os processos mentais. Assim, após não mais de trinta anos, a
introspecção foi em grande parte abandonada como meio de investigar de forma
científica a mente. Houve duas razões principais para isso. Uma delas era que
pesquisadores, trabalhando em laboratórios diferentes, tinham muita dificuldade
em reproduzir as descobertas uns dos outros, pois os pacientes que praticavam a
introspecção tendiam a “perceber” o que os pesquisadores esperavam que
experimentassem. Não esqueçamos que também os psicólogos não conseguiam um
progresso significativo no refino de sua própria introspecção e não a
praticavam muito, pelo menos no exercício de sua condição profissional. Sem
dúvida faziam seus pacientes experimentais examinar as próprias mentes, mas sem
um treinamento sólido, rigoroso, que os capacitasse a fazer observações
precisas, confiáveis. Assim, embora os cientistas usassem explicitamente a
introspecção em suas pesquisas, deixavam-na nas mãos de amadores. A
introspecção nunca se desenvolveu além do nível de uma “psicologia folclórica”.
Compreendendo
melhor as causas supracitadas para que a introspecção não fosse adiante enquanto
metodologia investigativa da mente humana, é bastante evidente que não tenha
sido, quando pensamos no fato dos pesquisadores não serem praticantes do
próprio objeto de sua investigação a “introspecção”. Quando nosso objeto de
pesquisa é um elemento externo a nós, como por exemplo, investigarmos o
funcionamento de uma determinada bactéria, de um modo geral e mecânico, não
temos o porque olhar para algo subjetivo que diz respeito a nós, para aferirmos
a realidade dessa bactéria, porém, quando objeto de nossa pesquisa ao invés da
bactéria, passa a ser a própria experiência da consciência humana, como os
pensamentos, as imagens mentais, os sentimentos, memórias entre outros
fenômenos internos que coabitam em nós, é óbvio que não estamos diante de uma
mesma situação! Porém, quando os pesquisadores tratam fenômenos externos com a
mesma lógica que tratam os fenômenos internos, é evidente que alguma coisa não
daria certa nessa lógica de investigação metodológica, pois se trata aqui de
mundos ou naturezas distintas, por mais que encontremos correlações entre
esses, as questões e fenomenologias humanas (fenomenológico aqui, me refiro aos
pensamentos, a imaginação, aos sentimentos, a mente como um todo) são
completamente distintas quando se comparado a estudar aquilo que está fora de
nós como um simples observador do seu objeto observado.
Estudar
a natureza da mente é romper com essa bolha de proteção do observador que vê de
fora o seu objeto de pesquisa (mesmo que este, seja a mente, quando a estudamos
pelo viés natural), estudar a natureza da mente é além de um observador que vê
o seu objeto de estudo é tornar-se um participante com o próprio objeto. O
físico John Archibald Wheeler especulou que o papel do observador é crucial
para as leis da física, pois uma determinação das leis da física, sustenta ele,
deve incluir uma compreensão do papel do observador. Anton Zeilinger, físico
experimental nos fundamentos da mecânica quântica diz que: “A parte essencial do ponto de vista do professor Wheeler é sua
verificação de que as implicações da mecânica quântica são tão extensas que
requerem uma abordagem completamente inusitada de nossa visão da realidade e da
maneira como vemos nosso papel no universo”. Alan Wallace diz que: “Uma grande pedra no caminho na consideração
do papel dinâmico dos fenômenos mentais nas interações mente-cérebro é a
insistência cartesiana de fornecer explicações mecânicas para todos os tipos de
influência causal. Ninguém sabe como processos cerebrais objetivos geram ou
influenciam a experiência subjetiva, ou como os fenômenos mentais influenciam o
cérebro e o comportamento. Para contrabalançar a presente insistência
cartesiana em explicações mecânicas para as interações mente-corpo, o estudo
científico da mente precisa de uma saudável dose de empirismo baconiano (chegar
ao real através do vivenciado) para
examinar as aparências de tais interações com tão poucas ideias preconcebidas
quanto for possível”. Nesse sentido, a introspecção entraria aqui como uma
ferramenta angular para essa dose de empirismo baconiano como citado por
Wallace. O Físico russo Andrei Linde, segundo Alan Wallace em seu livro: “Dimensões Escondidas – A unificação de
física e consciência” o físico russo sugere que os cientistas
ocasionalmente permitam-se superar o seu conservadorismo natural a respeito de
teorias que parecem “metafísicas” e corram o risco de abandonar algumas de suas
suposições-padrão. Uma delas é que a consciência, assim como o espaço-tempo
antes da teoria da relatividade geral, desempenha papel secundário, subserviente,
no universo, como nada mais que uma função da matéria. Essa visão científica da
natureza como matéria que obedece a leis da física alcançou tamanho sucesso que
logo esquecemos que tudo o que sabemos do mundo objetivo é conquistado por meio
da consciência humana. O mundo objetivo da matéria torna-se a única realidade,
assumindo um papel de ídolo (ídolo é um conceito usado por Francis Bacon aonde
ele diz que: “o ídolo é o parceiro não
afetado na conjugação entre dois fenômenos”, no caso aqui, quando entendemos
que o mundo da matéria não é afetado pela consciência, a matéria nesse caso,
passa a exercer o papel de ídolo, pois como sabemos, para as ciências naturais,
a mente-consciência não interfere na matéria, mas o contrário sim) em suas
interações causais com estados de consciência subjetivos.
A
consciência não material e o sujeito-participante em uma pesquisa, mesmo sendo
variáveis possíveis, estas foram colocadas de fora das práticas epistémicas
naturais, é como se nesses 400 anos de revolução científica, ao materializarmos
toda a experiência da vida em objetos materiais, fosse impossível suportar a
ideia de algo que não fosse da natureza da matéria, nesse sentido, matamos
todas as nossas experiências interiores e subjetivas de consciência-mente, restringindo-as
a tudo aquilo que podemos explicar enquanto um espectro fenomênicos possível ao
mundo manifesto-material, como algo sem importância ou irreal caso não
enquadrasse nesse espectro do visível, do mensurável, do quantificável. Em
outras palavras, quaisquer fenômenos da mente que não poderem ser medidos de
nenhuma forma material pelas ciências naturais, serão condenados a
inexistência, nesse caso, é o mesmo que pensarmos que talvez se compreendermos
que a consciência-mente for algo de uma ordem da natureza inerentemente não
material, chegaremos a conclusão que talvez ainda não iniciamos a investigação
da própria.
A
título de esclarecimento, não estamos querendo dizer que a ciência não deva
investigar a meditação a luz das ciências naturais, encontrando aspectos
objetivos (físicos) da influência da prática meditativa como desencadeadoras de
processos fisiológicos e neurais, pois sabemos que a neurociência contemplativa
como nas pesquisas do Dr. Richard J. Davidson e colaboradores, vem evidenciando
o quanto determinadas práticas meditativas são capaz de promover mudanças
funcionais e estruturais em nosso cérebro como no caso aonde se constatou que
em grupos de praticantes veteranos (mais de 10 mil horas de prática ao longo da
vida), percebeu-se que o uso de alguns tipos de práticas meditativas que
estimulavam a atenção concentrada, isso fazia com que a amígdala ficasse menos
ativa enquanto regiões do córtex pré-frontal por outro lado, eram mais
estimuladas por essas práticas, isso gerou como uma das consequência, a
constatação da diminuição na produção de cortisol em situações de stress,
evidenciado que determinadas práticas meditativas, tem capacidade sim, de
treinar um cérebro para que esse tenha mais resiliência diante de eventos que
lhe causam stress.
Constatarmos fatos científicos como esses
aonde a prática de determinadas técnicas de meditação, consigam inibir
parcialmente a amígdala enquanto em contrapartida gera-se a ativação de redes
neurais que ligam o córtex pré-frontal à amigdala em praticantes veteranos de
meditação se comparados a não praticantes, além destes dado serem
significativos para as neurociências que investigam os benefícios da meditação,
essas dados são encorajadores e muito positivos se pensarmos para além do ponto
de vista científico, mas também do ponto de vista clínico-terapêutico e das
implicações práticas através de programas educacionais e sociais com a
meditação, para que essas práticas possam ser ensinadas como parte de um
treinamento voltado para o ser humano no que diz respeito ao desenvolvimento de
uma mente mais saudável e em paz consigo mesma, embora não sejamos simplistas
quanto ao tema do “bem estar social”, pois um estado de bem estar, não se
restringe apenas a uma única variável isolada, precisamos pensar no bem-estar
como uma relação interdependente entre as dimensões
biopsicossociais-espirituais que compõem o sujeito como um todo. No caso da
meditação em específico, entendo-a como uma grande ferramenta a interferir em
curto e longo prazo em todos esses níveis, desde se pensarmos no praticante que
colhe os frutos da sua prática a nível pessoal, até quando a sua prática se
relacione positivamente fazendo com que os frutos dessa se repercutam em suas
ações cotidianas, afinal, o mundo em que vivemos tem como resultante manifesta,
aquilo que cada um de nós imprime nesse mundo não é mesmo?
Porém, não é esse o debate que
está sendo colocado aqui, pois nessa via, continuamos no mesmo paradigma
cartesiano de medir, de fazer mensurações dos objetos da realidade que podemos
enxergar através dos nossos sentidos e instrumentos de medição. A discussão que
quero trazer está ligada ao fato, que a introspecção quando investigada
externamente por cientistas que não realizam a investigação da introspecção em
si mesmos, é como jogar um animal que não tem asas de uma montanha e desejar
que ele voe, isso não funcionará! O mesmo se dá quando um cientista ao analisar
os fenômenos vivenciados nas práticas introspectivas de alguém, após a pessoa
analisada relatar suas experiências introspectivas, é de se esperar que aquilo
que não fosse congruente com o repertório fenomenológico (subjetivo-interno) do
pesquisador tende a se tornar estranho ou excluído ao campo investigativo
desse, pelo fato de não ser o seu repertório interno de experiências, nesse
sentido, o pesquisador não compreende o que as pessoas analisadas estão
experimentando em seu laboratório de práticas. Se a metodologia em introspecção
é conduzida assim, vemos que a claramente uma imaturidade ou não funcionalidade
metodológica, pois como avaliar tendo como objetivo de minha investigação os
fenômenos da consciência compreendendo que os fenômenos relativos a esse objeto
são acessados e investigados pela via da introspecção sendo que eu (cientista)
que quero pesquisá-los eu não me enveredo pela via que me conduz a tal
experiência de contemplação do objeto?
Quando
pensamos em uma abordagem metodológica que tem como alicerce epistémico as
áreas humanas, existências, fenomenológicas que valorizem a vivência empírica,
subjetivas ou mesmo simbólicas, como no caso da proposta por Francis Bacon “uma
visão Baconiana ao invés da cartesiana”, como uma alternativa distinta ao modus
operandi da investigação científica natural-cartesiana que adotamos e fomos
educados a pensar e fazer ciência, compreendemos que temos outros caminhos para
serem explorados. Como já supracitado, a investigação aos moldes das ciências
naturais para investigar a meditação é de evidente relevância como as
neurociências vêm demonstrando através de suas correlações entre os impactos
positivos da prática meditativa em nosso cérebro, mas não podemos parar por
aqui e continuarmos a aceitar essa como a única forma possível de investigação
da meditação e dos fenômenos que envolvem essa pratica. A subserviência por
parte da psicologia e da medicina aos moldes das ciências naturais como única
alternativa possível, empalidecem o nosso amplo campo de possibilidades da
investigação científica. O ato de se fazer ciência não deveria se limitar a uma
única visão hegemônica, aonde as áreas humanas se subordinam às áreas
biológicas e as áreas biológicas subordinam a física, sendo que a própria noção
de matéria da qual a biologia hoje se subordina é restrita aos achados da
física do século XIX que em nossos tempos já foram refutadas por noções mais
amplas do entendimento do que se trata a matéria a partir da relatividade
Einsteiniana e pelos próprios achados da mecânica quântica (aprofundo essa
discussão no capítulo sobre as subordinações epistémicas dentro das ciências
naturais). Ao meu entender, para acrescentarmos a introspecção como mais uma
variável dentre as distintas formas epistémicas e metodológicas para se
investigar a natureza da mente na ciência, essa, não deveria estar subordina as
leis das ciências naturais e sim alicerçar-se em bases epistémicas que levem em
consideração o empirismo vivenciado através das dimensões subjetivas e humanas
dos sujeitos e a partir disso, construir um corpo teórico e de fundamentos para
explicar a natureza da mente humana, assim como os Iogues fizeram através de
suas práticas introspectivas e das literaturas que nasceram a partir dessas
práticas que alicerçavam as suas próprias auto experimentações em seus
laboratórios meditativos e não de uma teoria que antecedeu a própria
experiência prática.
O
cientista que pesquisa a introspecção sem promover sua própria introspecção é
como um cego que nunca percorrera um determinado caminho e achar-se capacitado
a ser guia de um outro cego (quando no caso do participante do experimento
também não ser um praticante) pelo caminho não trilhado, e para piorar e gerar
ainda mais confusão, se o cientista cego com respeito ao caminho, se aventurar
a guiar um Iogue (participante do experimento que seja um praticante) que já
enxerga o caminho e o conhece profundamente, mais confuso ainda se tornará essa
pesquisa! Desenvolver uma investigação científica tendo como base epistémica a
introspecção, só se tornará um método válido e funcional na medida que ambos os
envolvidos: pesquisador e o grupo de praticantes testados forem ambos investigadores
vivos de seus próprios laboratórios introspectivos. Quando isso acontece,
começamos a estreitar um ambiente, um terreno, uma paisagem comum, aonde a
compreensão fenomenológica e a construção de significados e até mesmo de uma
linguagem própria possa ser construída por esses que estão frequentando esses
“semelhantes” símbolos e experiências vivenciadas, assim como uma criança que
aprende, entende e fala o idioma do qual está dentro do seu campo de
experiências.
Na
história supracitada aonde Nagalaskmi Devi conta sobre a amiga neurocientista
que após ler os sutras de Patânjali, entende que para ela, esse se tratava do
maior livro de ficção científica que já havia lido, penso que o contexto da
cientista ter associado os sutras de Patânjali há um livro de ficção
científica, sendo que para nós praticantes da meditação ele é claramente um
livro de instruções e métodos práticos de técnicas meditativas, faz com que
entendamos que um livro que parte de uma visão epistémica voltado para quem
prática a introspecção, esse têm em si algum tipo de nexo do qual teremos
elementos a serem investigados, assim como um músico que sabe ler partituras,
por ter essa capacidade, passa a ter acesso ao estudo e análise das obras
escritas de um compositor, porém, voltando a introspecção, para quem não a
pratica, soa como algo muito estranho, e assim o é, pelo fato da cientista não
ter aquele repertório de linguagem experiencial em sua própria experiência de
vida, por isso ela achou o livro uma ficção, por mais interessante que fosse,
assim acontece com os cientistas que querem pesquisar a introspecção mas não a
praticam, é como se em determinado momento perdêssemos qualquer ponto
referencial para compreendermos determinado assunto, como acontecem com as
pessoas que ao ouvirem alguém falando em um idioma completamente desconhecido,
não conseguem ter a menor ideia do que esteja sendo dito.
Apenas
um adendo, quando me refiro aos cientistas que se enveredam em pesquisar a
introspecção mas não a praticam, não me refiro aqui aos cientistas que têm como
convicção científica, ideológica ou mesmo por uma questão de escolha e foco do
seu trabalho, no qual optam pela visão epistémica das ciências naturais, como
no casos dos que se debruçam na neurociência contemplativa, procurando relações
causais entre as repercussões da pratica meditativa em nosso cérebro, me refiro
aqui, a um “novo” corpo de cientistas que querem investigar a natureza da mente
por vias não restritas as ciências naturais, mas que ao mesmo tempo, não se
engajam em suas próprias práticas introspectivas, ou seja, não se tornam
participantes-observadores, continuando restritos ao observador imparcial,
distante do seu objeto de investigação. Como diria Pierre Weill em seu livro a
Consciência Cósmica: “a diferença entre o
cientista e o Iogue, é que o cientista observa o elétron, mas o Iogue se torna
o próprio elétron”. O sentido de se tornar o próprio elétron aqui, é
justamente se tornar o participante do próprio experimento. Para as pessoas com
uma certa experiência acumulada e familiaridade com as práticas e terem tido a
oportunidade de estarem na presença de mestres(as) vivos como no caso de raros
Iogues que dominaram a arte da meditação e em consequência disso, atingiram
grande compreensão sobre a natureza da mente e suas fenomenologias, portando
esses uma condição desperta de mente completamente desconhecida para a maioria
de nós e por nossas psicologias no ocidente, porém, que algumas tradições
espirituais orientais vem investigando a milênios e vão chamar essa condição desperta de mente de
“Iluminação” ou um certo estado de estar consciente quanto a “Natureza primordial da mente” (aprofundarei
nesse tema em outro capítulo desse livro) é muito comum, quando esses Iogues
comentam algo sobre suas práticas, percebermos que muitos praticantes conseguem
alcançar, ou seja, compreender o que estão dizendo, pelo fato do que está sendo
dito, ressoar com as suas próprias práticas meditativas, a qual encontrará um
nexo casual com a fala do Iogue, quando esse fala de sua prática, a partir de
um lugar sincero e honesto com relação as suas vivências empíricas, porém, é
também muito comum que outras pessoas não consigam compreender nada do que está
sendo dito, simplesmente por não ter acessado tal entendimento, pois aquele
saber, naquele momento, ainda tornar-se maculado para pessoa, inacessível!
porém, com o tempo, com a prática e a “alquimia” interna promovida por essa,
tal entendimento passará também a ser acessível. A linguagem de uma visão epistémica que parte
da introspecção como forma de investigar a natureza da mente ou qualquer
elemento da realidade que seja, têm como alicerce fundamental, o
sujeito-participante que vivencia empiricamente o seu experimento aonde o
observador e o objeto observado estabelecem um relação dialética entre si,
sendo a introspecção o veículo que propiciará essa relação de
complementaridade, por isso, quando se fala ou escreve a partir desse lugar
interno que nasce de uma prática, esse só é acessível a quem o experimenta com
a sua própria prática, do contrário, qualquer tentativa de entendimento por
mais inteligente que pareça, é apenas um compreensão intelectual pálida sobre
aquilo que não se vivencia. Essa posição pode parecer radical, mas não é,
quando se trata de pensarmos que dentro desse tipo de metodologia para
investigar a natureza da mente, a introspecção e a prática dessa, é uma
condição basal para nossas investigações que tem como premissa o
observador-participante. É importante entendermos que se trata aqui apenas de
uma questão estritamente metodológica, da qual para funcionar dentro desses
parâmetros não podemos abrir mão de alguns preceitos como foi explicado, assim
como para as ciências naturais o fariam, caso tivessem que desconsiderar algum
preceito metodológico que fosse fundamental as suas investigações.
O
segundo ponto com relação aos cientistas não conseguirem reproduzir em outros
laboratórios os resultados constatados por outros pesquisadores, reside no fato
em que os praticantes testados vivenciem sugestivamente aquilo que os
pesquisadores esperavam em suas pesquisas e não aquilo que verdadeiramente
vivenciariam, caso não houvessem sugestões. É um dos problemas quando lidamos
com a constatação de fatos advindos de experiências subjetivas que podem ser
sugestionáveis ou influenciadas por alguma fonte externa. A título de exemplo,
no livro: “A Ciência da Meditação” de
Daniel Goleman e Richard J. Davidson, aonde em uma determinada ocasião, uma
das pesquisas de Daniel Goleman havia sido citada por 313 artigos de periódicos
que mencionavam os resultados de um de seus estudos sobre a prática da
meditação, porém, nem um sequer deles tentou reproduzir o estudo para descobrir
se obteriam dados semelhantes. Os autores simplesmente presumiam que os
resultados eram sólidos e essa era já uma base suficiente para suas conclusões.
Exemplos como esse não são casos isolados como diz Richard: “A reprodutibilidade, destaca-se como uma
força do método científico; quaisquer outros cientistas deviam ser capazes de
reproduzir um determinado experimento e publicar os mesmos resultados, ou
revelar o fracasso em reproduzi-los. Mas pouquíssimos sequer tentam. Essa
ausência de reprodução surge como um problema onipresente na ciência, em
particular quando se trata de estudos sobre o comportamento humano. Das cem
descobertas mais frequentemente citadas na psicologia, tentativas metódicas de
reprodução foram verificadas em apenas 39% dos estudos originais. E apenas uma
fração minúscula dos estudos em psicologia chega a ser considerada para
reprodução; os incentivos da área favorecem o trabalho original, não a
duplicação. Além do mais, a psicologia, como todas as ciências, tem um forte
viés de publicação entranhado: os cientistas raramente tentam publicar estudos
quando não obtém resultados significativos. E no entanto o próprio resultado
nulo significa muita coisa”.
Outro
aspecto que devemos levar em consideração em relação aos cientistas não
conseguirem reproduzir em seus laboratórios os resultados conseguidos por
outros pesquisadores é a diferença entre o que se chama de medições “sensíveis”
e medições “rígidas”. Se em um experimento envolvendo os resultados da prática
introspectiva aonde você pede a pessoa para relatar suas impressões subjetivas
como: sensações, sentimentos, pensamentos, o comportamento por exemplo, você está
lidando com as medições sensíveis, como dito por Richard J. Davidson: “fatores psicológicos como o humor do
momento e querer passar uma boa impressão ou agradar o pesquisador podem
influenciar enormemente o modo como reagem, por outro lado, tais vieses têm
menor (ou nenhuma) probabilidade de influenciar processos fisiológicos como
batimentos cardíacos ou atividade cerebral, o que faz deles mensurações
rígidas”.
Muitas
pesquisas em meditação ou se utilizando de práticas introspectivas, baseiam-se
até certo ponto em medidas sensíveis aonde as pessoas que passam pelos
experimentos avaliam as suas próprias experiências e as consequências desse.
Quando nos utilizamos de avaliações subjetivas de ansiedade, prática comum
entre as pessoas, terapeutas, médicos e psicólogos, pedimos as pessoas para
avaliar a si próprias em opções como: estou muito ansioso, ou quase não estou
ansioso, ou quase nunca estou ansioso, ou eu sempre estou ansioso! Esse tipo de
método, quando perguntamos após as práticas meditativas ou introspectivas de
uma maneira geral, comumente revelam que as pessoas sentem menos ansiosas, mais
serenas, presentes, mais tranquilas e relaxadas após a primeira prática. É um
tipo de constatação comum para nós que praticamos e lidamos com isso
diariamente e nos estudos e métodos que colocam os marcadores sensíveis dentro
de seus métodos de trabalho sobre a introspecção, mas como diz Davidson: “Tais estudos autor-relatados são
notoriamente suscetíveis à “demanda de expectativa”, os sinais implícitos para
informar um resultado positivo. Tais autor-relatos de melhor gerenciamento do
estresse aparecem muito mais cedo nos dados dos meditadores do que medições
rígidas como atividade cerebral. Isso pode significar que a sensação de
ansiedade diminuída que os praticantes de meditação vivenciam ocorre antes de
mudanças discerníveis nas medições rígidas – ou que a expectativa de tais
efeitos enviesa o que os meditadores afirmam”.
Nesse
sentido, o que realmente seriam promissores em pesquisas que utilizam-se da
introspecção meditativa como constatação de mudanças discerníveis e através de
medições rígidas para aferirmos mudanças verdadeiramente estruturais a nível de
cérebro e no funcionamento das redes neurais, assim como outras mudanças
fisiológicas contatadas em práticas de praticantes veteranos, é nos engajarmos
em pesquisas de médio e longo prazo com esses praticantes assim como o
professor Richard J. Davidson e seus colaboradores, realizam em seu
laboratório. Porém, quero enfatizar aqui, que nesse aspecto, estamos falando
desse viés das práticas introspectivas associada as pesquisas em neurociências
que no caso, está inserida nas ciências naturais, dais quais estão apresentando resultados
estruturais-materiais (no cérebro) das potencialidades da prática meditativa para
com o saúde e o bem estar humano a nível físico, psíquico e comportamental, mas
ainda sim resta um grande espectro de investigações a serem realizadas, quando
encaramos a introspecção como uma forma de investigação da natureza da mente
explorando compreensões e matizes dessa que até então, ainda não foram
contempladas pelas nossas psicologias e medicinas vigentes.
Se
fossemos pensar enquanto uma abordagem epistémica própria para com o intuito de
investigar a natureza da mente, a introspecção e tudo que se desdobra a partir
da sua prática e de seus métodos, poderíamos dizer que estás, certamente são a
abordagem dos Iogues em termos de visão e proposta epistemológica e que, em
nosso caso, adotamos aqui seus métodos para empreitarmos a investigação sobre a
natureza da mente segundo os seus achados e orientações, à medida que também
vamos construindo uma base sólida para compreender os fenômenos que vivenciamos
a partir de nossas próprias práticas de introspecção. Ao debatermos sobre a
introspecção como forma epistémica de se fazer ciência, é importante ressaltar
que não se trata aqui de simplesmente acreditarmos cegamente nas orientações
dos Iogues, mas de entendermos a relevância da sua cultura, da suas práticas e
dos achados que esses veem acumulando ao longo de milênios, e porque não, nos
colocarmos abertos a investigar sobre do que se trata tais práticas e
apontamentos filosófico-científicos dos quais eles tanto falam, mas que até
algumas décadas atrás, não dávamos atenção por estarmos mergulhados em uma forma
de visão no que diz respeito a se fazer ciência, aonde essa autocentrava-se em
apenas determinados preceitos metodológicos inviabilizando um diálogo ou ponte
entre as visões epistémicas ou conhecimentos científicos Iogues de fundamentada
sistematização empírica vivencial, “até certo ponto”, de um empirismo baconiano
com os conhecimentos científicos alicerçados nas ciências naturais e humanas
como a conhecemos, com forte influência no pensamento
cartesiano-materialista.
Assim
como Freud e Lacan, procuraram encontrar mecanismo para sondar as profundezas
do inconsciente através da linguagem, os Iogues e Budistas o fizeram de maneira
diferente, através do silêncio e até de certa forma, pela via de uma “não
linguagem”, não mental, da não cognição (a não cognição aqui, não se refere a
um cérebro totalmente inativo de um meditador enquanto medita, pois até onde
sabemos, isso não acontece, mas sim, a não procura de nenhum tipo de elaboração
mental enquanto se está meditando). Estamos falando de uma ciência contemplativa,
que mergulha nas profundezas do cultivo do silêncio e lida com uma certa
abertura ao encontro de “coisas” que não podem ser ditas, por serem inefáveis,
inconcebíveis ao intelecto ou mesmo expressas através desse, mas que podem ser
praticadas segundo os seus métodos. Esse é um dos campos de investigação dentro
das ciências introspectivas.
Quando
se fala sobre os quatro principais caminhos neurais na prática da meditação, no
sentido da prática meditativa os influenciarem, como dito por Davidson: “o primeiro caminho neural que a meditação
transforma, são os que reagem a eventos perturbadores, o estresse e a
recuperação dele, o segundo sistema cerebral de compaixão e empatia, revela-se
notavelmente pronto para um upgrade, o terceiro, é o circuito da atenção e que
também melhora de inúmeras maneiras, isso não nos causa surpresa, haja vista
que a meditação em sua essência treina nossos hábitos e foco e o quarto sistema
neural de nosso senso de eu, recebe pouca atenção na conversa moderna sobre a
meditação, embora tradicionalmente se constitua em uma das grandes metas para
alteração. Quando esses fios de mudança se entrelaçam, há duas maneiras
principais pelas quais a pessoa se beneficia do esforço contemplativo: ter
corpo são e mente sã”. É justamente relacionado ao quarto sistema neural de
nosso senso de eu que como supracitado, não é dada a devida importância nos
estudos modernos sobre a meditação, mas que tradicionalmente são uma das
principais ênfases, que entendo ser importante nesse caso, pesquisarmos a
introspecção meditativa como forma epistémica de investigar a realidade da
natureza da consciência humana.
A
partir dos problemas apontados, vemos que a uma diferença metodológica com
relação à investigação da mente humana tendo a introspecção como ferramenta
metodológica comparada as práticas espirituais de matriz oriental presentes nos
Budismos e em variadas tradições Iogues Indus. O principal ponto e que
considero o mais fundamental da diferença metodológica entre os cientistas que
enveredaram-se em investigar a mente-consciência e seus fenômenos através da
via introspectiva e os Iogues, é que os últimos foram instruídos e orientados
por pessoas que profundamente dedicaram as suas vidas a prática da introspecção
e a partir não só de suas instruções que poderíamos entender como “hipóteses”
de investigação apreendidas através das falas de seus mestres assim como pelos
apontamentos de práticas e fenomenologias que poderiam ser vivenciadas através
das práticas citadas em textos tradicionais, esses Iogues então, transforam-se
em seu próprio laboratório de práticas para observar se tais hipóteses eram
verificáveis ou não e a título dos bons exemplos, no que tange aos verdadeiros
e honestos praticantes, assim como o Buda histórico Shakyamuni, que fizera esse tipo de empreitada com a devida e
necessária agudez crítica para encarar estes ensinamentos não como uma verdade
inquestionável, mas sim como uma base convidativa a experimentação em seu
próprio laboratório de introspecção, dos quais a prática foi a própria base de
averiguação se tais conhecimentos acerca da natureza da realidade humana eram
de fato verdadeiros ou não.
Construindo
então suas investigações a partir de suas próprias práticas e experimentações
conforme às instruções de outros praticantes mais experientes, os Iogues foram
construindo com solidez uma ciência totalmente baseada na constatação e
experimentação empírica vivencial, ao meu ver, mais sólida em muitos casos como
supracitado, aonde um grande percentual de pesquisadores, citam experimentos de
outros como verdades, mas sem testar em seus próprios laboratórios. Na ciência
introspectiva Iogue, esse tipo de ocorrência poderia acontecer em casos aonde o
praticante estava nublado mais por interesses materiais do que pela real
transformação espiritual, mas como é notado nessa forma de saber, aquele que
verdadeiramente não alcançou tais acessos, está naturalmente impossibilitado de
transmiti-los de maneira eficaz, e comumente isso é notável pelas suas ações e
pelos seus alunos, mas aqueles que verdadeiramente alcançaram tais sabedorias,
é notório a sua fluidez ao transmitir os próprios. Esse prerrogativa é bastante
consistente em relação ao modo como os Iogues verdadeiramente realizados foram
ensinando tais saberes acerca da natureza da mente e ao constatarem tais
conhecimentos a partir de suas próprias práticas interiores, estas, foram a
base para que transmitissem de geração em geração mantendo-os vivos até hoje
como um método a ser praticado e testado experimentalmente através da meditação
e não como uma crença dogmática inquestionável a ser seguida.
A
primeira vista, as prática introspectivas e todo o seu empirismo vivencial, por
mais técnicas ou específicas que sejam seus métodos, poderíamos mesmo assim
pensar em uma série de questões sobre o fato desses Iogues, Budistas e até
mesmo Cristãos primitivos a que tudo indica, praticavam métodos semelhantes as
práticas espirituais dos Iogues Indianos e Budistas, não poderiam estar apenas
reproduzindo práticas desprovidas de qualquer tipo de método considerado
minimamente científico, não configurando-as a um patamar de uma possível
abordagem epistémica, no que diz respeito a imprecisão de suas metodologias e
concluirmos então, que na realidade não passam apenas de práticas ou repetições
das expressões culturais-religiosas de seu povo!
Não
é incomum ainda hoje, mesmo após as descobertas da neurociência contemplativa,
que ao investigar vários métodos tradicionais de meditação dos quais foram
encontradas enumeradas evidências dos seus impactos no que diz respeito à
transformações a nível estrutural no cérebro e suas redes neurais, além de
aspectos de ordem mais subjetiva como evidenciado pelo treinamento destas
práticas introspectivas, que mesmo assim, as práticas introspectivas ainda são
marginalizadas dos grandes debates acadêmicos, sendo alvo de descrédito por uma
parte da comunidade científica presente ainda dentro da psicologia, da medicina
e até mesmo das neurociências afirmando que tais práticas são desprovidas de
metodologia consistente e não verdadeiramente eficiente enquanto um
método-científico razoável, entendendo estas práticas como apenas uma forma de
manifestação cultural da espiritualidade humana a título de uma forma de
expressão social ou folclórica de um povo. Aprofundo essa questão em um artigo
chamado: “Não é uma questão apenas, de
aceitar a fé do outro!”
Pois
bem, essa é com certeza uma das grandes dificuldades em se provar que as
práticas introspectivas enquanto métodos de investigação da realidade, teria um
caráter consistente e “seguro” até certo ponto, se comparados ao investigamos
fenômenos mensuráveis ou de natureza exterior-palpável, como das ciências
duras. Em certa medida as ciência humanas e não estritamente condicionadas aos
paradigmas das ciências naturais, passam também por suas dificuldades, pela
fato de em ambas (nas ciências humanas e da introspecção) lidarmos com
paradigmas distintos às ciências naturais. Uma parte ao meu entender da
resolução para contemplarmos esses conflitos é quando olhamos para a
experiência empírica de seus praticantes e essas vão indo ao encontro de
compreensões “universais” no sentido de já terem sido evidenciadas e
catalogadas dentro da literatura específica no que tange a essas práticas,
mesmo que em muitos casos (e isso não é incomum), os praticantes vivenciam
coisas das quais não foram orientados ou induzidos a vivenciar mas que de
alguma forma em suas experiências particulares relatam terem tido a vivência de
uma certa fenomenologia que já era pré-existente na literatura e nos
ensinamentos dos mestres, com relação a prática e aos métodos introspectivos
que estavam praticando exemplo: na minha experiência como professor de yoga é
rotina eu ter alunos que ao sentarem para meditar, relatarem ter sentido uma
sensação energética de um calor subindo internamente pelo centro da sua coluna
vertebral, aonde essa energia ia até um determinado ponto do corpo como o
abdômen, o peito, a garganta, entre as sobrancelhas ou até mesmo no topo da
cabeça, e então, constatarem por si mesmos, que até onde essa energia ou calor
se direcionaram, ficando estáticas em um ponto específico parando então ali ou
mesmo em alguns casos, que continuavam a subir se exteriorizando para fora a
partir de um dos pontos citados e percebendo-se que em alguns casos, quando tal
fenômeno ocorrera, notou-se que a respiração estava cessada ou parcialmente
cessada, porém, fazendo com que a pessoa não sentisse nenhum tipo de
desconforto e sim pelo contrário, sendo tomada de uma grande sensação de
alegria, contentamento, felicidade, beatitude, graça entre muitos outros
adjetivos ligados a essa experiência.
Fenomenologias
específicas como essas e muitas outras, são relatadas por pessoas que praticam
meditação (fora o que encontramos na literatura escrita como indícios
fenomenológicos que podemos acessar ao aprofundarmos em nossas práticas),
porém, o que torna isso ainda mais curioso e ao que chamei anteriormente de
“experiências universais”, é o fato de que em muitos casos, os praticantes, não
tinham nenhum tipo de conhecimento prévio que as induziam a vivenciar o que
estavam sentindo. De acordo com alguns conhecimentos da Yoga, eles poderiam
estar passando por algum nível de samadhi (silencio mental ou absorção
cognitiva) aonde ao o prana (energia cósmica ou energia interna) se equalizar
com o diminuir dos fluxos respiratórios entre inspiração e expiração, esse
hiato entre um e outro, propiciaria um equilíbrio interno no qual um certo
prana interno, pode sustentar energeticamente o corpo por um tempo, mesmo que
esse fique sem respirar por alguns segundos ou até mesmo minutos e que
consequentemente esse equilíbrio entre as polaridades laterais energéticas de
ida e pingala nadis (meridianos sutis de energia) fariam com que um canal de
energia sutil, localizado no centro e interior da coluna vertebral chamado de
sushumna nadi, acordasse e despertasse essa energia pelo canal central sutil no
interior da coluna, provocando a subida da energia chamada de kundalini o que
comumente é entendido e traduzido fenomenologicamente como uma certa sensação
física sutil de um calor prazeroso que sobe pelo interior da coluna.
Esse
é um bom exemplo para o que chamei acima de “experiências universais” pelo fato
das pessoas vivenciarem alguns fenômenos internos sem terem sido informadas
sobre a sua existência, porém, a partir de seu laboratório de práticas
meditativas, constataram por si mesmas o que é relatado pelos Iogues ou
praticantes veteranos, assim como pelos textos tradicionais que explicam os
métodos meditativos e alguns fenômenos que os perpassam quando nos colocamos a
praticá-los.
Agora,
imagine que todos esses fenômenos vivenciados internamente pelo praticante
possam no máximo demonstrar externamente através de instrumentos de medição que
ocorrerá a diminuição das frequências cerebrais de beta para alfa, assim como a
diminuição da frequência cardíaca, à ativação ou não de determinadas áreas
neurais, assim como a constatação que determinadas áreas do cérebro foram
estimuladas ou não. Bem, podemos entender que essas constatações físicas e
neurais são capazes de traduzir tudo aquilo que esse sujeito vivenciou em seu
laboratório de práticas introspectivas? Se a resposta a essa pergunta for um
sim, sou obrigado a dizer que além de ser uma resposta reducionista da própria
experiência humana, essa resposta reduz a própria experiência subjetiva do
sujeito em mensurações ou medições de escalas, restringindo a experiência
vivenciada empiricamente ao que é possível de ser captado por um instrumento
tecnológico com as quais até o momento a gente conseguiu aferir sobre a realidade
a nossa volta, mas que em hipótese alguma, poderíamos entender como uma
realidade que encerra às possibilidades de traduzir as experiências internas do
humano com respostas externas captadas pelas máquinas.
Gosto
sempre de lembrar que até bem pouco tempo, não conhecíamos a corrente elétrica
e tão pouco conhecemos o eletromagnetismo nos tempos de hoje, ou seja, se
pensarmos nas implicações do que está por vir não só com os avanços das
ciências naturais, mas também nas distintas epistemologias científicas que
estão construindo pontes de interface entre a consciência e o mundo
físico-objetivo, teremos nas próximas décadas novas abordagens e modelos
teóricos cada vez mais robustos, para podermos contemplar o quanto é ampla a
investigação que está envolvida a pesquisa da consciência-mente por detrás das
experiências subjetivas vivenciadas pelo ser humano. No livro: “Dimensões Ocultas: A unificação de física e
consciência”, Wallace, escreve um capítulo intitulado: “Uma teoria especial da relatividade ontológica”, aonde nesse
capítulo, ele apresenta vários modelos teóricos sobre o entendimento do mundo
objetivo ou a ideia de matéria propriamente dita, e o que seria o mundo
subjacente, unitivo (um domínio anterior ao mundo físico-objetivo) apresentando
as visões de mundo desde os clássicos como Demócrito, Pitágoras, Platão e
Spinoza até às contribuições de físicos, psicólogos e filósofos modernos e
contemporâneos como Wolfang Pauli, Carl Jung, David Bohm, Gerard´t Hooft,
Leonard Susskind, George Ellis e Roger Penrose (aprofundarei sobre esses novos
modelos teóricos no próximo capítulo).
Além de reducionista, quando damos uma
afirmativa dizendo que os instrumentos de medição, são os únicos marcadores
confiáveis para aferirmos o que é um fato científico ou não, entendo que além
de intelectualmente desonesto, nesse caso, temos aqui a legitimação de um
princípio hegemônico de se colocar a visão epistémica das ciências naturais
sobre as demais possibilidades epistémicas, como no caso, de bases epistémicas
humanas-fenomenológicas, que levam em consideração, outros elementos, para se
investigar a realidade ou até mesmo a natureza da mente. Não pensar que existe
mais coisas por detrás dessas experiências vivenciadas e metodologicamente
registradas em variadas práticas introspectivas orientais que nos apontam
conhecimentos e sabedorias a serem desveladas através das nossas práticas
introspectivas, é no mínimo uma atitude negligente em relação a outros olhares
possíveis para se investigar determinados fenômenos, como no caso, das
manifestações da mente.
Aspiro
que encontremos da forma mais esclarecida e reproduzível possível, as pistas
para entendermos os métodos científicos e como esses chegam até os seus
resultados, porém, é importante que tenhamos uma maior abertura para
contemplarmos que algumas formas epistémicas de investigar a realidade de
determinados objetos, como no caso da mente, são insuficientes, quando a única
via epistémica que se usa para tal investigação são as das ciências naturais. A
investigação do “objeto” consciência-mente, não acredito que será devidamente
compreendida e explorada em seu amplo espectro de possibilidades de análise, se
nos utilizarmos apenas das teorias comportamentais, psicanalíticas, cognitivas,
biomédicas, das neurociências, ou das áreas humanas, fenomenológicas,
existenciais, ou de qualquer proposta que olhe para a subjetividade humana
apenas dentro dos limites do exercício intelectual, precisamos também
acrescentar a investigação das interfaces entre física e consciência através da
mecânica quântica aliadas à introspecção meditativa como parte desse espectro
ferramental de abordagens possíveis para se investigar a consciência-mente.
Na
matéria médica da medicina tradicional chinesa, essa ao longo dos seus mais de
5 mil anos de práticas e experiências clínicas através do uso das plantas
medicinais, compilou uma imensa farmacopeia quanto ao uso dessas plantas
através da prática empírica, das quais se constatou ao longo do tempo e uso
destas plantas os seus benefícios, porém, mesmo que muitos dos seus mecanismos
de funcionamento não são possíveis de serem explicados pela via do raciocínio
físico-químico, isso não é uma garantia que aquele saber deveria ser relegado
ao desuso por não sabermos explica-lo uma vez que esse apresenta resultados
clínicos “misteriosos” que talvez atuem em vias que a nossa epistemologia
médica não consegue explicar por suas bases paradigmáticas, mas porém, quando
nos utilizamos de outras racionalidades como por exemplo a da teoria dos
“Jing-luo” ou o que chamamos de meridianos e colaterais, aonde se entende o
mapa ou a “geografia energética” do corpo físico como um todo, passamos a
entender por outra racionalidade epistémica médica, o porque de determinada
planta, ou mesmo do uso da manipulação em determinadas partes do corpo, seja
com o uso da acupuntura ou da massagem (Shiatsu e Tuina), podem funcionar,
mesmo que por uma via biomédica não faria sentido algum tal intervenção. Gosto
de dar esse exemplo, para contemplarmos que quando acrescentamos outros
saberes, podemos enxergar outras vias para investigar o nosso objeto de
pesquisa, e no caso da introspecção, essa nos traz outras vias para
investigarmos a natureza da mente que até então, não foram exploradas pelas
nossas psicologias e pela própria medicina moderna.
@professormichelalves
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