
Em termos de “Materialismo Espiritual” ou de coisificar
as práticas e métodos meditativos espirituais em meras técnicas terapêuticas
para aplacar ou ao menos apaziguar os sofrimentos físicos e psicológicos nas
sociedades contemporâneas, não se entende o verdadeiro potencial que essas
práticas milenares e seus métodos carregam em si, mas pelo contrário, essas são
reduzidas a simplismos, conveniências intelectuais desonestas, aonde
apropria-se apenas de parte dessas técnicas que convém aos nossos paradigmas ou
aos nossos “modus operandis” de como pensamos, lidamos e tratamos o sofrimento
e as doenças humanas. Assim como extraímos um princípio ativo de uma planta
fixando-nos apenas em seus efeitos isolados para compreendermos como aquele
princípio ativo atua, em função disso, por outro lado, como consequência
deixamos de compreender a sua relação com o todo das inter-relações desses
princípios isolados com os outros princípios ativos presentes nas propriedades
químicas daquela mesma planta, nisso incorremos numa descoberta parcial, porém,
empalidecida do real potencial daquela planta, e o mesmo fazemos com as
epistemologias e métodos contemplativos de meditação, quando atribuímos
créditos a uma parte desses, reduzindo ou isolando-os apenas a técnicas que nos
convém, para utilizarmos dessas para atingirmos algum tipo de relaxamento com
objetivos e benefícios físicos e psicológicos.
Na
velocidade e liquidez da contemporaneidade, transformamos a resolução de nossos
problemas em práticas de “apertar botões”, aonde tudo têm que ser simples,
funcional e prático, é “natural” e esperado que quando entramos em contato com
métodos contemplativos como no caso das meditações, fiquemos tentados a
reduzi-los fazendo com que esses métodos tornem-se mais próximos ao hábito de
apertar botões, assim, como fazemos com tudo a nossa volta! com a
espiritualidade e com a meditação obviamente não faríamos diferente não é
mesmo? pois infelizmente, nessa forma de lidar com as coisas, aspira-se por um
maior equilíbrio físico e mental a mesma maneira que aspira-se matar a fome com
o consumo de fast-foods ou alimentos de caloria-vazia que camuflam a nossa
saciedade por alimentos verdadeiramente nutritivos para o nosso corpo, o mesmo
poderíamos pensar sobre os métodos e práticas meditativo-espirituais, aonde se
têm as práticas e modismos que têm apenas o alcance de ir a superfície de nossa
saciedade interna por saber o que realmente somos e temos as práticas e métodos
(mais trabalhosos) porém, que conseguem alcançar o âmago de nossas questões.
A
palavra contemplação deriva do latim contemplatio, que corresponde ao grego
theoria. Alan Wallace a esse respeito disso diz: “Ambos os termos se referem a
um total zelo por revelar, esclarecer e tornar manifesta a natureza da
realidade. Hoje em dia, “contemplação” geralmente significa pensar (refletir)
sobre alguma coisa. Mas os sentidos originais de “contemplação” e “teoria”
estavam relacionados a uma percepção direta da realidade, não pelos cinco
sentidos físicos ou pelo pensamento, mas pela percepção mental”.
A
ideia de percepção mental aqui colocada pelo autor citado, é entendermos que
pela perspectiva Budista assim como de outras linhas de conhecimento como de
algumas tradições Iogues Indianas, a mente, é compreendida como um veículo não
físico (extra-físico) aonde essa é entendida como mais um dos nossos sentidos,
no caso, um sentido mental, assim como temos o sentido de tato, olfato,
paladar, visual, auditivo, espacial e etc; entende-se que também portamos um
sentido mental. Quando nos utilizamos desse nosso “sentido mental” podemos
observar os nossos pensamentos, imagens mentais, sonhos e etc; o que através
das práticas contemplativas isso pode ir se aprofundando no sentido de
investigarmos a nós mesmos a partir dessa percepção mental da qual utilizamos
como um veículo (um instrumento) para compreendermos a nós mesmos e à realidade
a nossa volta.
Ao lidarmos com a meditação como uma forma de
investigarmos a nós mesmos, essa prática ganha uma conotação diferenciada da
ideia e objetivos de esta ser apenas um recurso para trazer benefícios físicos
e psicológicos, pois agora, ao entendermos como uma forma de auto investigação
da condição do próprio sujeito que prática a meditação, passamos então a olhar
para essa como uma maneira de cultivarmos um ambiente de práticas aonde
passaremos a olhar para a nossa própria humanidade, e para isso, teremos o
silêncio como veículo a nos conduzir em tal jornada.
Acho
importante pensarmos no aquietar do corpo físico ao sentarmos para meditar e no
silêncio como um veículo de nós conduzir a uma compreensão ampliada de nós
mesmos, por essa não ser uma via de apreensão da realidade e de buscas de
conhecimento, pela nossa forma mais utilizada através do exercício da
intelectualidade. Olhando de uma forma superficial, principalmente para aqueles
(as) que nunca praticaram sistematicamente a meditação, talvez possa parecer e
de certa forma soa estranho, pensarmos que o silêncio e tudo que implica nesse
como a própria diminuição dos estímulos sensoriais e cognitivos frequentes nas
práticas (pratyhara), ou o não fazer absolutamente nada, a não ser continuar
sentado repousado sobre o silêncio e a respiração, que práticas como essas,
frente a toda a nossa complexidade metodológica de estudos, epistemologias,
conhecimentos adquiridos e de nossa eloquência em falar sobre esses, poderiam,
se comparar a essas formas de apreensão do conhecimento e da interpretação da
realidade, mas por mais estranho que isso pareça, nada mais que alguns meses de
práticas bem orientadas, e vamos descobrindo e ficando verdadeiramente
convencidos, dos efeitos de clareza, lucidez e sabedoria que a simples prática
do parar o corpo e silenciarmos a mente, vai trazendo um enorme potencial de
descobertas sobre a nossa própria natureza e o nosso papel enquanto seres nesse
planeta.
Mas
de onde partirmos para compreendermos que o silêncio e o ato de parar o corpo
físico em meditação, poderiam transforma-se em formas de aprendermos sobre nós
mesmos e sobre a realidade que nos cerca? Essa talvez seja uma das respostas
mais difíceis de serem dadas, através da linguagem escrita e intelectual, e com
certeza, a melhor maneira de responder a isso, seria não através de teorias mas
sim através da própria prática, pelo fato da prática ser a própria
pesquisa-ação para compreendermos o que a meditação é capaz de nos causar,
porém, tentando explicar um pouco, entende-se nas bases epistemológicas de
variadas tradições de contempladores ocidentais e orientais, que já existe essa
“inteligência” ou essa “sabedoria” inerente e intrínseca em todos nós, porém, a
principal causa de não termos acesso a isso, se repousa do nosso simples ato de
nunca pararmos. Por estarmos habituados a pensar, a ficar fazendo coisas e
flutuar com nossos comportamentos e hábitos mentais de sempre estar indo de um
lugar ao outro nesse incessante e frenético perambular cognitivo, nunca abrimos
espaço, para a contemplação de uma esfera do não mental, da não cognição, esse
lugar de “aparente” vazio que acessamos através das práticas meditativas, mas
que é portador de uma sabedoria natural que nos é inerente. Os métodos de
variadas tradições contemplativas de meditação, nada mais vão fazer que nos
ensinar e permitir a abrirmos esses espaços ocupados pela nossa incessante e
frenética movimentação entre um pensamento e outro, para descobrirmos que em
seus hiatos ou nos espaços vazios entre esses, existe também uma forma de
inteligência que comumente não acessamos quando ficamos restritos apenas pelo
modo e habito do pensar e do fazer sem essas pausas que a prática meditativa e
o silêncio nos ensina a contemplar.
Nas
epistemologias Budistas e de algumas tradições Iogues, entende-se que por
detrás desses nossos entendimentos aonde se diz que existe uma natureza
anterior a natureza mais evidente aos nossos processos cognitivos, essa área de
“não cognição” é apenas acessada através do silenciar desses fluxos de
pensamentos ou como chamam também de “desoperacionalizar” os processos mentais
aonde incessantemente nos colocamos a conceituar tudo aquilo que perpassa pelos
nossos sentidos e pela nossa mente. É a partir dessa natureza de práticas
contemplativas silenciosas, é que vamos construindo e cultivando uma base
fértil para praticarmos a meditação e os profundos métodos de investigação da
consciência humana como proposto pelos Iogues Budistas e hinduístas. A esse
respeito desse processo Alan Wallace diz: “A palavra sânscrita bhavana
corresponde à nossa palavra “meditação” e significa literalmente “cultivo”.
Meditar significa cultivar uma compreensão da realidade, um senso de genuíno
bem-estar e virtude. Assim, meditação é um processo gradual de treinamento da
mente e leva ao objetivo da contemplação, onde se ganha discernimento sobre a
natureza da realidade”.
Por motivos óbvios, entendemos que nas sociedades
contemporâneas aonde seus “planos de consistência” ou formas de visão e
relacionamentos são arquitetados pelo consumo e no culto aos bens e serviços, é
natural que nesse “espírito de tempo” quando somos apresentados às práticas
contemplativas de meditação, nós a transformemos em um produto e esse só de
fato vingará, se estivermos assegurados que este de alguma maneira tenha um bom
custo benefício. Nesse sentido, apresentar uma prática simples, aonde você pode
se dedicar apenas alguns poucos minutinhos ao dia e que esse terá o potencial de
reduzir o seu stress ou talvez até te levar a redução parcial ou total do uso
contínuo de medicamentos, isso por si só, já é uma boa e atraente moeda de
troca, porém, quando se abri o jogo e se fala os verdadeiros propósitos e fins,
porém não práticos do que está por trás das práticas meditativas, isso não
parece interessante para o ser humano inserido nas sociedades contemporâneas
que estejam viciados em apertar botões e ter suas necessidades saciadas
imediatamente ao menor click. Se um professor (a) de meditação disser que os
verdadeiros propósitos dessa prática, mesmo que praticados durante várias horas
por dia durante toda uma vida e que mesmo assim, não há nenhuma garantia que se
realize seu real potencial e traga os benefícios tão almejados de se encontrar
algum nível de paz e compreensão mais profunda sobre si mesmo e as questões que
nos perpassam interna e externamente, que sujeito nos tempos de hoje, toparia
tal empreitada duvidosa ou com nenhuma garantia? Para uma mente acostumada em
apetar botões e ter o hábito de saciar suas necessidades instantaneamente, esse
tipo de proposta é totalmente sem sentido para os tempos de hoje. Essa talvez
seja uma forma simples de ilustrarmos o porque os profundos métodos e práticas
de meditação são até hoje, não acessíveis para a maioria das pessoas, não por
que hoje, não temos acesso a essas práticas e métodos profundos como já
ocorrerá nos séculos anteriores, pelo contrário, mas sim, pela forma como nós
nos relacionamos com as coisas. Em nosso tempo, além de sermos severamente
bombardeados pelas informações em excesso que tanto nos aliena e nos distancia
de reservarmos tempo para o cultivo do silêncio meditativo, é infelizmente
“natural” que pela forma como estamos nos conduzindo em termos de hábitos de
vida, que não tenhamos um mínimo de resiliência, paciência e perseverança para
criarmos um terreno fértil para adentrarmos nessas formas mais ideais e
profundas de prática meditativa e acabemos que por tocar apenas na superfície
de suas potencialidades.
A respeito da prática da meditação ter em sua essência
uma proposta mais profunda de práticas e ao mesmo tempo a forma como nos
ocidentais encontramos para adaptar essas práticas às nossas necessidades não
indo ao âmago da proposta das quais esses métodos fundamentaram-se, no livro
intitulado “A ciência da Meditação” de Daniel Goleman e Richard J. Davidson, os
autores, fazem um quadro de níveis da forma como hoje a prática da meditação
vem sendo veiculada e dizem a esse respeito o seguinte:
“A mindfulness, parte de
uma antiga tradição meditativa, não se destinava a ser nenhum tipo de cura; só
recentemente o método foi adaptado como um bálsamo para nossas modernas formas
de angústia. O objetivo original, seguido em alguns círculos de hoje,
concentra-se numa exploração da mente visando a uma alteração profunda do
próprio ser. Há desse modo, dois caminhos: o profundo e o amplo. Os dois são
muitas vezes confundidos, embora suas diferenças sejam enormes. Percebemos o
caminho profundo representado em dois níveis: em sua forma pura, por exemplo,
nas antigas linhagens do budismo teravada tal como praticado no Sudeste
Asiático ou entre os iogues tibetanos. Chamamos esse tipo de prática mais
intensiva de Nível 1. No Nível 2, essas tradições se distanciaram de seu papel
como parte de um estilo de vida pleno – monástico ou iogue, por exemplo – e
foram adaptadas a formas mais palatáveis para o Ocidente. No Nível 2, a
meditação aparece em formas que deixam para trás partes da fonte asiática
original, que talvez não consigam fazer a travessia de uma cultura para a outra
com facilidade. Depois há as abordagens amplas. No Nível 3, um novo
distanciamento tira essas mesmas práticas meditativas de seu contexto
espiritual e as difunde ainda mais amplamente – como no caso da Redução do
Estresse baseada em Mindfulness, ensinada atualmente em milhares de clínicas e
centros médicos, e muito além. Ou a Meditação transcendental (MT), que oferece
mantras sânscritos clássicos para o mundo moderno num formato acessível. As
formas de meditação ainda mais amplamente acessíveis no Nível 4 são,
necessariamente, as mais diluídas, de modo a se tornarem mais acessíveis para
um maior número de pessoas. Atuais modismos, como a mindfulness-at-your-desck
[mindfulness à mesa de trabalho], ou os aplicativos de meditação por alguns
minutos, exemplificam esse nível. Prevemos também um Nível 5, que no momento
existe apenas de forma fragmentária, mas que com o tempo pode muito bem crescer
em quantidade de praticantes e alcance. No Nível 5, as lições que os cientistas
aprenderam estudando todos os demais níveis levarão inovações e adaptações que
podem ser de vasto benefício”.
O ponto principal que quero chamar atenção nesse texto é:
a meditação sempre teve como objetivo ser um veículo de aprendermos a
investigar a nossa própria natureza em sua essência e não ser apenas um recurso
e um fim em aliviar os nossos sofrimentos físicos e psicológicos sem com que
adentremos em suas reais causas. Não é meu objetivo aqui, reproduzir alguma
forma de narrativa saudosista e hegemônica como se só uma forma de prática de
meditação deveria existir, pelo contrário, é compreensivo nos tempos de hoje,
assim como todo conhecimento que quando chegado em determinado contexto
cultural e em seu momento histórico, esse torna-se renovado pelos próprios
contextos dos quais se inserem, porém, quando se perdi de vista os motivos
principais pelos quais os Iogues Indus e Budistas meditavam e a amplidão e
profundidade de seus métodos, aonde se confunde tais práticas com as
modificações que surgem com as necessidades de nosso tempo e cultura, percebo
que perdemos um grande tesouros de aprendizados a ser investigados como ainda
em nossa maioria, não o fizemos, por muitas vezes estarmos praticando a
meditação, apenas com fins adaptativos às nossas necessidades mais imediatas,
transformando essa prática apenas em um remédio para aliviar os nossos
sintomas, mas não adentrando em suas reais causas.
Quando
falamos da contemplação meditativa como uma forma ou veículo que nos ajudará a
compreender a natureza humana, precisamos entender que por muitos grupos e
religiões, essa construção muitas vezes se tornou dogmática e alicerçadas em
crenças não passíveis de serem questionadas o que se configura um dogma
irrefutável, porém, quando compreendemos a prática da meditação como um método
assim como os utilizados em ciências naturais e ciências humanas, aonde estes
são baseados em hipóteses a serem testadas empiricamente, compreenderemos então
às metodologias por exemplo dos budistas tibetanos que ensinam como
aprofundarem nessas práticas, aonde a partir dessas podemos construir um corpo
de questionamentos acerca de seus efeitos e a partir do momento em que vamos
adentrando nesses métodos de práticas deixados por esses ensinamentos
milenares, passamos a nos relacionarmos com esses, como métodos, mas não como
uma crença religiosa inquestionável e não refutável, pois, por se tratar de
métodos interiores para serem praticados em nosso laboratório meditativo, esses
métodos tornam-se uma verdade empiracamente verificável a partir do momento em
que vamos comparando nossas práticas com o que esses ensinamentos diziam ser
possível de se alcançar a partir do laboratório de práticas de mestres e
mestras do passado.
Aqui
temos um ponto crucial a se debater e refletir também: imaginemos que eu
pratique por um tempo uma determinada técnica de meditação aonde se diz que em
seu ápice, nós conseguiríamos manter a nossa mente a um tal ponto de
concentração que chegaríamos a instância de ficarmos sem nenhum tipo de
flutuação mental ou entradas de pensamentos no campo de nossa consciência, é
como se ficássemos sem pensar em nada e que isso fosse o objetivo da prática,
do método, porém, você praticou durante muitos anos e nunca se quer, esbarrou
nem de perto dessa experiência meditativa. Nesse caso, isso significaria então
que esse método está equivocado? ou poderia eu então, somente a partir das
minhas próprias experiências dizer que o método não funciona por eu não ter
alcançado o seu objetivo? e mesmo que uma centena ou até milhares de outros
(as) praticantes que tentaram praticar o mesmo método do esvaziar mental e pelo
fato de todos por não obterem os resultados relatados no método meditativo,
poderíamos então afirmar que como a nossa e a experiência da maioria não foram
exitosas, então podemos afirmar que esse método não funciona, que não passa de
uma falácia, ou que é apenas uma teoria especulativa? essa postura, seria de
fato honesta intelectualmente falando?
Respondendo
a essas perguntas acima, eu diria que sim e que não, pois depende do contexto,
pelo fato de verdadeiramente existir métodos e práticas que funcionam mas que
são muito difíceis de alcançar pelos hábitos e “modus operandis” de vida que
praticamos hoje (principalmente em nosso contexto social e histórico na
contemporaneidade, aonde não temos tempo para nos dedicar como já aconteceu em
outros contextos políticos, sociais e históricos da humanidade, aonde o terreno
era mais fértil que nos tempos de hoje para tais empreitadas contemplativas) e
por isso muitas vezes poucos a conseguem. Também é fato, que existem métodos
puramente especulativos (e na contemporaneidade, estão cheio deles) que
verdadeiramente não funcionam, fazendo com que seus experimentadores na
realidade percam demasiadamente o seu próprio tempo, dinheiro e energia,
dedicando a esses, infelizmente, a falta de honestidade e ética também existe
em meios espirituais e religiosos que propõem métodos de especulativos da
própria investigação da natureza humana, mas que na realidade não foram
devidamente testados e experimentados pelos seus propositores, o que configura
em palavras simples, em um autêntico caso de charlatanismos, desonestidades
intelectuais e espirituais.
Ampliando
mais um pouco, sobre as perguntas acima, quanto ao fato de sabermos se as
práticas são autênticas ou não, se pensarmos essas questões dentro de um olhar
em se fazer ciência aos moldes das chamadas ciências naturais, aonde temos como
premissa averiguar o comportamento, funcionamento ou a mecânica de um
determinado fenômeno e comprovando que esse é apenas um autêntico fato
científico quando for passível de ser reproduzido por todos que os reproduzirem
nas mesmas condições e com os mesmos protocolos, como por exemplo: sabemos aqui
e em qualquer lugar do mundo que quando se toma uma substância x, essa gera
vasodilatação arterial e como consequência a pressão arterial é abaixada
(levando em consideração que também a exceções nesse modelos), se pensarmos que
só assim, poderemos verificar fatos científicos, e a não verificação por muitos
experimentadores do método de meditação que têm como consequência o não pensar
em nada, está fadado ao fracasso e à “comprovação” de que esse de fato não
funciona pela maioria dos praticantes não terem conseguido reproduzi-lo,
enceraremos o debate e entenderemos que essa prática de fato, não é uma verdade
ou um fato científico a ser constatado e como consequência não iremos mais
explorá-la, pondo um fim nessa história.
Entendo
que muito disso ocorrera ao longo de nossa história com relação ao crescimento
e espaço que a racionalidade das ciências naturais foram alcançando devido aos
seus resultados pragmáticos, o que conferiu ao discurso científico aos moldes
das ciências naturais nos tempos de hoje, a narrativa dominante, aonde se
entendi como a mais autêntica e confiável a ser seguida, assim como um dia já
foi a narrativa religiosa, porém, da mesma forma como no passado tivemos
problemas com as narrativas religiosas dogmáticas, nos tempos de hoje, também
estamos tendo problemas semelhantes aonde devido a uma forma enrijecida de se
entender a investigação científica, com paradigmas, epistemologias e métodos de
investigação da realidade que não conseguem olhar para outras possibilidades e
formas de se investigar a realidade, fazendo com que em detrimento de uma única
forma de narrativa, surja o rompimento com setores de estudos que promovem
interseções com objetos comuns que também são investigados pelas ciências naturais
como por exemplo: a mente, a pisque, a consciência e por serem também objetos
de estudos e investigação dentro das práticas religiosas e espirituais não
dogmáticas, fazem verdadeiras e honestas pesquisas sobre tais temas, porém, em
detrimento de uma única narrativa de como se deve investigar a ciência,
infelizmente, estas outras possibilidades de narrativas acabam sendo dadas ao
ridículo, ao descrédito e o pior, a morte das suas outras formas de olhar,
fazendo com que essas outras narrativas tornem-se invisíveis e esquecidas ao
longo do tempo.
Ao
meu entender, compreendo primeiro que a discussão acima, se trata de uma ferida
histórica em relação às práticas dogmáticas alicerçadas em crenças
inquestionáveis dentro das religiões sectárias e segundo, por uma não
sensibilidade e olhar amplo com relação à investigação dos fenômenos subjetivos
quando temos como objeto de estudo o fenômeno humano, entendendo-o não ao modo
materialista das ciências naturais, mas a esse em outras instâncias e com
outras leis (paradigmas) envolvidas em seu estudo, porém, se olhar para essa mesma situação de
um ponto de vista de uma outra narrativa em se fazer ciência, que não a mesma
das ciências naturais, mas sim em uma perspectiva que leva em consideração a
subjetividades que atravessam o humano, como olhada em várias abordagens
psicológicas nas ciência humanas que questionam o modos operandi das ciências
naturais quando está se coloca como uma única narrativa possível em relação a
comprovar fatos científicos, podemos questionar então, a partir de um outro
corpo de perguntas sobre o experimento do método meditativo aonde se tem como
objetivo o estado de não flutuação mental ou não pensar em nada: de todos que
experimentaram, mesmo que uma minoria ou apenas uma pessoa, alguém atingiu tão
objetivo? Se sim, o que diferenciou a prática dessa pessoa? Teria algum
elemento característico nessa personalidade que a diferenciou dos outros? Esse
praticante tinha mais tempo de treinamento? Seu treinamento era igual ao dos
outros? Suas condições psicossociais tiveram alguma interferência?
Analogamente
as questões acima, poderíamos pensar o seguinte: todos sabemos que qualquer um
em suas condições físicas e cognitivas preservadas poderia sentar-se em frente
a um piano e começar a aprender a tocar, porém, por vários fatores, sabemos que
não temos garantia de que todos ou até mesmo uma das pessoas que fazerem essa
empreitada de fato chegará ao ponto de um dia poder falar que realmente se sabe
tocar piano, assim é o mesmo com as metodologias meditativas e espirituais, que
devido a sua profundidade e dedicação, não se têm nenhuma garantia de que, se
alguém empreender os esforços para tal, um dia irá conseguir, pois a muitos
fatores envolvidos nesses resultados, por mais que os métodos sejam claros, a nossa
relação humana e subjetiva com esses perpassam por questões muito individuais
(específicas), ao mesmo tempo, isso não significa que só porque alguém, ou até
mesmo todos que, em um determinado espaço de tempo que não conseguiram, podem
afirmar que tais métodos não funcionem. Imagem quantas pessoas no mundo, já
puderam de fato sentar em um piano e executar uma sonata de Bethoven? ou
aprenderam a tocar qualquer outro tipo de instrumento com grandes habilidades?
Particularmente,
não compreendo às metodologias espirituais, assim como a meditação,
reduzindo-as a uma forma de método rígido e alicerçado em um tipo de discurso
em busca de progresso ou evolução, aos moldes das racionalidades que regem o
mundo capitalista com sua distorcida ideia sobre o que se entende acerca do que
é progresso humano. Não me vinculo a essa forma de narrativa de
progresso-evolução para se pensar a meditação, as Yogas, os Budismos e a
espiritualidade como um todo, e até mesmo para refletir sobre a eficácia de
seus métodos. O intuito maior acima, é questionar uma forma dominante de
narrativa científica, que por estar presa a determinados modelos, não consegue
abranger seu olhar para outras formas e possibilidades de se investigar,
constatar, experimentar e vivenciar a realidade que nos cerca.
Dezenas
de outras perguntas poderiam ser colocadas aqui, porém, o ponto que considero
mais importante a ser ressaltado é que, quando elegemos a prática da meditação
como nosso objeto de pesquisa científica e os métodos por detrás dessas práticas,
somado ao fato de serem feitos por sujeitos humanos repletos e atravessados por
suas histórias e subjetividades únicas, fica difícil, para não dizer
impossível, enquadrarmos esse objeto de pesquisa em um reducionismo a tal ponto
que o transformaremos em um versão inadequada para que ele caiba aos moldes das
ciências naturais, exatas e materialistas, porém, o resultado disso, é nada
mais que a redução em relação às potencialidades de um objeto de amplas
possibilidades de investigação como é o caso da meditação.
De
um ponto de vista materialista, o que podemos construir a esse respeito, seria
fazermos observações físicas, neurofisiológicas como as neurociências com seu
arsenal tecnológico vem realizando, ao criar experimentos aonde grandes
meditadores, meditadores medianos, iniciantes e não meditadores ao serem
monitorados por esses aparelhos, podem-se então, observar as diferenças dos
efeitos em suas fisiologias relacionado à profundidade das práticas de seus
meditadores, nesse sentido, essa é uma forma de se fazer ciência aos moldes das
ciências naturais com relação a meditação tendo esse como objeto de estudo a
ser investigado, porém, quando falamos de métodos empíricos de práticas
meditativas realizada por humanos, aonde o resultado dessas práticas estão
relacionados diretamente as subjetividades (a sua história, o que esse carrega
consigo) do próprio sujeito, nesse caso, não conseguimos construir um corpo de
conhecimento e verificação científica, aos moldes das ciências naturais. Não há
essa exatidão nesses métodos! Eles são demasiadamente humanos para serem
encaixotados em tantos limites. Isso não significa que não podemos construir
uma forma e uma narrativa de se fazer ciência para se verificar empiricamente
esses métodos deixados pelas tradições espirituais antigas. Mas então fica a
pergunta que não quer calar: como faremos para verificar um método de meditação
como a técnica de chegar ao ponto de não pensarmos em nada, sem com que eu
tenha que ACREDITAR na boa fé e na idoneidade do meu professor(a) que diz que
tal método é verdade, que funciona, que funcionou com ele e com os mestres (as)
dele, que é um fato, mas que eu apenas preciso praticar?
Aspiro
não estar sendo simplista na forma como vou responder a essa pergunta, mas
entendo que a resposta poderia ser construída assim: Esse método meditativo que
diz que têm como objetivo o sujeito conseguir não pensar em nada, eu pratiquei
durante muitas horas e não objetive esse resultado e todos aqui a minha volta
não obtiveram, porém, alguém obteve? Se sim quem são essas pessoas? O que
fizeram para conseguir? Como conseguiram? A partir destas perguntas, e a
procura de respostas, vou lhes adiantando, que vamos descobrindo que muitas
pessoas conseguiram tais feitos e por isso, como que de forma estatística, mesmo
que seu percentual seja muito baixo ao ponto de chegar até mesmo a uma exceção,
mas por existir alguém, fazem com que percebamos que existe a possibilidade da
realização de tal método de meditação, partindo então, da perspectiva que
outros também já não só o atingiram como sabem claramente falar sobre esses.
Apenas e só quando, nos deparamos com um determinado caso, aonde não
encontramos nenhum precedente de praticantes que realizaram os objetivos
esperados de tais práticas, é que realmente podemos afirmar que tal método não
funcione. Acho importante ressaltar aqui, que tudo isso deve ser feito com o
critério e rigor como fazemos com as ciências naturais, mesmo que o nosso
modelo epistemológico para a investigação científica, seja atravessado por
outras perspectivas das quais lidam com outras variáveis devido às suas amplas
possibilidades de fenômenos internos e subjetivos inerentes ao sujeito humano
que vai empiricamente testar os métodos de meditações antigos. Isso de fato,
nos dá uma maior margem e nos torna mais frágeis em incorremos em erros de
constatações do que nas ciências naturais e materialistas que tem em seus
experimentos um maior controle, pelas suas variáveis serem mais facilmente
isoladas do que os experimentos e práticas científicas quando envolvem às
subjetividades humanas.
O
primeiro instrutor do Buda histórico se chamava Alara Kalama, era dito que o
tipo de meditação que Kalama ensinava, levava ao conhecimento direto e
confiável de vidas passadas, porém, a existência das vidas passadas não era um
dogma imposto aos meditadores, mas sim que os meditadores avançados através de
suas próprias práticas compreendiam essa como um verdade verificável. Entendo
que é justamente nesse ponto, o que chamamos de “conhecimento direto” é que
estremecem os debates entre os que realizam uma forma de se fazer ciência
verificável externamente por meio de marcadores biológicos ou laboratoriais
passíveis de serem reproduzidos, para os que adotam essa outra forma que
investigam-se as subjetividades no humano, aonde a experiência vivenciada fica
restrita a subjetividade do sujeito que a vivencia.
Por
meio dos recursos da estatística podemos também aferir as experiências
subjetivas dos sujeitos relatando o que eles de fato vivenciaram como
conhecimento direto através de suas práticas meditativas e a partir disso,
chegamos a um denominador comum dessas práticas. Porém, se o problema é esse,
de fato quando entendemos essas práticas (me refiro aqui especificamente às de
meditação ligados as tradições budistas tibetanas), essas já tiveram seus
milhares de anos de práticas para terem sido colocadas a prova por
contemplativos de há mais de 20 gerações, assim como se faz até os dias atuais,
que testando os métodos do senhor Buda, chegaram a conclusões semelhantes a ele
através de seu próprio laboratório de práticas meditativas. A respeito disso Alan Wallace em seu livro,
Mente em Equilíbrio diz: “Entre os grandes mestres religiosos de toda a
história, o Buda é o único que desencoraja a crença de que algo é verdadeiro
simplesmente porque muita gente diz que é ou porque está baseado numa tradição
de longa data, na autoridade das escrituras, na voz corrente, na especulação ou
na reverência por um mestre. Sem dúvida a pessoa deve, procurando fazer o
melhor possível, testar através de sua própria experiência o que os outros
defendem e julgar por si mesma.
O
Buda histórico em seu tempo, foi conhecido como o “Grande Médico”, esse título
conferido a ele, diz respeito ao fato dele ter alcançado a percepção da
natureza fundamental da consciência aonde através dessa encontrou um supremo
estado de paz, beatitude, conquistando um discernimento através da contemplação
sobre a natureza da realidade e então passou o resto da sua vida a se dedicar a
ensinar outras pessoas a alcançarem esse estado de liberdade que ele mesmo
alcançara. Em verdade, meu intuito aqui, como já falando em outros momentos dos
escritos anteriores, não é convence-los se o Buda histórico alcançou ou não a
compreensão da natureza da realidade e a partir disso, se tornou um ser
desperto “Iluminado”, meu maior interesse aqui, é compreendermos que a prática
sistemática da contemplação meditativa diariamente em nossas vidas, está para
além dos modismos e utilitarismos da contemporaneidade, aonde transforma-se
tudo em bens e serviços utilitaristas para nos distrair, nos entreter ou no
máximo gerar um alívio superficial, porém, sem um compreensão mais profunda com
relação aos nossos sofrimentos, semelhantes aos medicamentes antidepressivos e
anti-ansiolíticos que nos anuviam de um determinado sofrimento, mas porém, não
nos traz consciência para lidarmos e enfrentarmos psiquicamente com as suas
causas, suas raízes. Essa não é a motivação principal das práticas meditativas,
elas não são realizadas para o fim de nos entorpecer, nos alienar de nossa
condição ou para nos trazer algum tipo de alívio imediato, mas pelo contrário,
elas tem como fim, a profunda investigação da nossa verdadeira natureza e das
reais causas daquilo que nos traz sofrimento, nos impedindo de enxergamos o que
de fato estamos sendo e somos enquanto seres em sua dimensão ampla.
Por
questões do “espirito do nosso tempo” na contemporaneidade, é compreensível que
a grande maioria das pessoas, não irão se auto-investigarem através das
práticas meditativas com a mesma dedicação aos moldes dos monastérios e templos
antigos, pelo fato, que nos dias de hoje, a grande maioria de nós, não termos
esse tempo disponível nos sobrando para tamanha empreitada e dedicação, nesse
sentido, é importante que contemplemos que formas mais superficiais de práticas
sejam ensinadas mas que possam também de alguma maneira trazer benefícios, não
há nada de errado nisso, porém, se nos implicarmos na prática da meditação por
mais simples e menos tempo que tenhamos, porém, fazendo essa com o espírito de
apenas aliviarmos aquilo que está nos incomodando, mantendo-nos apenas na
superfície dos fatos, estaremos infelizmente diante de uma prática muito
reduzida de seus reais benefícios se comparada com a potencialidade que essa
nos reserva em praticarmos a meditação com a motivação de através dessa,
investigarmos a natureza humana (de quem somos nós), com o espírito sincero,
encorajado, livre e intelectualmente honesto, para empreender tal jornada.
@professormichelalves