quinta-feira, 27 de julho de 2023

A introspecção-meditativa enquanto método epistemológico para investigar a natureza da mente, vive a condição de um método marginal e negligenciado por uma parte da comunidade científica


 

Alan Wallace diz:

Durante o século passado, o fato de os cientistas cognitivos não terem conseguido conceber nenhum meio rigoroso de observar diretamente realidades mentais levou-os à conclusão similar de que a introspecção não pode ser usada como método científico de investigação. Essa crença, que continua a ser amplamente sustentada por psicólogos e neurocientistas, ainda justifica a exploração da mente por meio de comportamento e atividade cerebral. Mas ao minar o valor da introspecção, ela implicitamente apoia a suposição de que os processos mentais realmente nada mais são que processos cerebrais encarados de uma perspectiva subjetiva. A implicação é que processos cerebrais são reais, mas processos mentais são ilusórios”.

 

Esse é um dos pontos centrais que discutimos até aqui. Se os neurocientistas, psicólogos, psiquiatras ou os cientistas de modo geral, não são versados na prática da introspecção, não a realizaram de maneira suficiente e satisfatória, assim como o fizeram os Iogues, como eles podem afirmar que tal método para investigar a natureza da mente (a introspeção) não funciona ou não está em conformidade aos rigores de uma pesquisa científica sobre a mente?

Não sendo versados no assunto da introspecção e sendo meros amadores sobre o mesmo, afirmar que a introspecção não pode ser usada enquanto uma alternativa metodológica e epistemológica na investigação científica da mente, é além de uma desonestidade intelectual, uma escolha imatura, ansiosa e negligente com relação a estes métodos que não são familiares a essa comunidade científica que exclui tais possibilidades epistémicas enquanto abordagens possíveis para se explicar o fenômeno mental.

 De um ponto de vista lógico, colocamos em desuso, métodos que sabemos não funcionar pela prática que acumulamos com estes, aonde então poderemos afirmar que tal método não deve ser utilizado, uma vez que esse se mostrou ineficaz ao longo das investigações científicas. Se pensarmos na própria história da ciência, é importante que saibamos não só com relação aos modelos epistemológicos que trouxeram contribuições com relação a avanços na investigação científica, mas também que estudemos os métodos que não funcionaram, para que assim, possamos não repetir erros do passado, ou mesmo “reinventar rodas”, no sentido de trazermos uma proposta que nos parece inovadora, mas que devido a nossa falta de pesquisa, incorremos em apresentar propostas que já foram investigadas e na pior das possibilidades, métodos que se mostraram ineficientes com relação a trazer novas contribuições para o objeto estudado. Isso sim, seria um erro grosseiro!

 Mas quando o assunto é a introspecção-meditativa, será que de fato, nós ocidentais esgotamos esse assunto em nossos laboratórios de psicologia e de neurociências? A resposta em mais alto e bom tom é que: mal começamos as investigações nesse campo! Nossos psicólogos e neurocientistas em sua maioria “raras exceções” nem começaram a se quer a praticar métodos introspectivos em primeira pessoa para experimentalmente contemplarem os fenômenos mentais enquanto observadores da própria mente! O desconhecimento geral das comunidades científicas quanto aos métodos que foram prescritos pelas ciências espirituais antigas acerca da natureza da mente é um mundo completo e desconhecido para a maioria dos cientistas de hoje que se colocam a investigar a mente.  

Essa postura negligente por parte da comunidade científica com a relação à introspecção e essa enquanto uma abordagem epistemológica possível para investigar os fenômenos mentais, têm precedentes em outras áreas do conhecimento, como por exemplo, ao vermos uma parte da comunidade psicanalítica afirmar que métodos de hipnose não funcionam tão bem quanto a livre associação Freudiana, pelo fato do próprio Freud ter abandonado a hipnose. Tal afirmação além de uma reflexão superficial e simplista, não me parece muito inteligente do ponto de vista reflexivo, se pensarmos que um método, no caso, a hipnose não foi tão profundamente investigado por Freud, pois ele não se dedicou muitos anos a tal natureza de métodos e ainda sim, afirmarmos que a livre associação é mais funcional comparado a hipnose, quando não se têm um honesto e longo aprofundamento no último.

Como podemos comparar com aquilo que não sabemos profundamente? Freud esgotou o assunto chamado Hipnose? Além dele, quantos mais exploraram profundamente tal assunto, a ponto de esse ter sido colocado por um tempo e até hoje, pela maioria se não de toda a comunidade psicanalítica como uma abordagem relegada ao descrédito e a não funcionalidade terapêutica?

Entre outros exemplos que poderíamos elencar aqui, o quanto perdemos décadas e até séculos, quando somos tomados por conclusões precipitadas, a priori e que não foram devidamente e exaustivamente investigadas, quando simplesmente toda uma comunidade vai aderindo a essa natureza de opiniões simplistas, mas que de alguma forma, manipulam o curso da história delimitando quais narrativas científicas deverão ser creditadas ou não. Infelizmente, assim foi com a introspecção-meditativa que até os dias de hoje, é assunto restrito aos pesquisadores outsiders, heterodoxos e os que até então tinham algum prestígio acadêmico, passam potencialmente a estarem elencados ao time dos pesquisadores marginais que perdem uma grande parte da possibilidade dos recursos direcionados a suas pesquisas não bem vistas.

                                                                                                                          @professormichelalves

Nas narrativas do materialismo espiritual onde a meditação se torna um produto do bem-estar, às práticas introspectivas que visam se aprofundar na natureza do ser, como outrora foi orientada pelos Iogues, se torna precária em nossos tempos dos quais consumimos produtos espirituais ao invés de nos investirmos de forma despretensiosa em uma honesta prática espiritual


Alan Wallace diz:

Os cientistas cognitivos nunca conceberam quaisquer meios sofisticados para examinar os próprios eventos mentais. Deixam tais observações para pessoas pagas (geralmente estudantes ainda não formados) que não têm formação profissional na observação ou descrição de processos mentais. Deixando a introspecção na mão de amadores, os cientistas fazem com que a observação direta da mente continue no nível da psicologia folclórica. Com relação a isso, coloquemos a ciência cognitiva no contexto das outras ciências naturais. Físicos experimentais são profissionalmente treinados para observar processos físicos e biólogos são profissionalmente treinados para observar processos biológicos. Os cientistas cognitivos assumiram o desafio de compreender os processos mentais, mas ao contrário de todos os outros cientistas naturais não recebem formação profissional na observação das realidade que compreendem sua área de pesquisa. Isso significa que as ciências cognitivas não tenham aprendido muito sobre a mente. De fato, psicólogos e neurocientistas aprenderam muito sobre uma ampla gama de processos mentais (alguns deles inacessíveis à introspecção) e seus correspondentes estados cerebrais. E têm havido muitas aplicações valiosas de seu conhecimento no diagnóstico e tratamento das doenças mentais. Os neurocientistas têm substituído medidas objetivas do cérebro por reflexões sobre seus correspondentes processos mentais subjetivos. Essa abordagem tem produzido grandes insights sobre as bases neurais da mente, mas muito pouca compreensão sobre a verdadeira natureza e origens da consciência e de todos os outros processos mentais subjetivos”.

A consequência das falas supracitadas por Wallace, ocorrem por enviesarem-se às pesquisas da mente voltando-as quase que exclusivamente às ciências naturais e suas respectivas epistemologias que se encerram em paradigmas biológico-materialistas. O levantamento de fenomenologias seja por meios estatísticos para mapear dados subjetivos ou com o uso de metodologias e práticas epistémicas que vão na direção das ciências humanas através de métodos introspectivos dos quais se propõem à investigar os fenômenos mentais em primeira pessoa, como é o caso dos métodos orientais de meditação, não são do interesse para os distintos paradigmas naturais e materialistas vigentes, pelo fato da maior parte das pesquisas científicas em nosso tempo, estarem atreladas as ciências naturais e essas por questões óbvias responderem mais satisfatoriamente aos interesses econômicos capitalistas, dos quais aspiram transformar os achados científicos em um tipo de produto ou necessidade a se consumir, fazendo com que tais métodos epistémicos sejam mais valorizados e como consequência alvo de recursos e investimentos para tais fins.

Pesquisas e esforços que não interessam a essa visão capital por trás do fazer científico como é o caso da introspecção-meditativa, quando essa é destinada à investigação de fenômenos subjetivos, humanos e existências como outrora era proposto pelos Iogues e Mestres das práticas meditativas, são desinteressantes e portanto, tendem a ser marginalizadas frente as principais fontes de recursos voltados à pesquisa científica. Na contemporaneidade por exemplo, as práticas meditativas estão sendo atreladas a narrativa do bem-estar aonde se reduz rebuscadas visões epistémicas, teórico-filosóficas ou mesmo metodologias práticas de profundo rigor científico como vemos nas práticas meditativas budistas, em produtos do bem-estar, despersonalizando quase que por inteiro estes arrojados métodos Iogues que visavam uma profunda investigação do ser humano, dando-lhes uma roupagem moderna, aonde narrasse os propósitos da meditação atrelados a um discurso biomédico-mecanicista do bem-estar físico-biológico.

Para tal fim, o discurso Iogue espiritual-fenomenológico-existencial e humano basais aos métodos meditativos antigos, passam então, a serem substituídos por um discurso técnico-científico-biológico-material, redirecionando a proposta inicial onde o indivíduo se enveredaria em um caminho de investigação da sua própria natureza primordial, para um caminho mecanicista-utilitarista, semelhante a um remédio, aonde o único propósito seria aplacar os sintomas ou os mau estares que lhe afligem, sem compreender as verdadeiras causas dos mesmos. 

O que estamos refletindo aqui, encontra-se no velho e desgastado debate entre as distintas formas de visão de mundo das epistemologias a base das ciências naturais-materialistas e das ciências humanas com o adendo em nosso contexto, ao uso da introspecção-meditativa. Porém, se o debate e as complexidades desse estivessem só atreladas a essas visões distintas acerca da realidade, creio eu, que teríamos uma maior abertura aos diálogos e às propostas interdisciplinares aonde paradigmas mesmo que conflitantes, fenômeno esse comum se pensarmos nas diferentes disciplinas científicas, encontrariam áreas de interseções para pensarmos novas possibilidades de abordagens. Um exemplo que estamos sendo espectadores nesse instante dentro das neurociências, é o fato de estarem surgindo um corpo de pesquisadores que mesmo tendo como alicerce epistemológico às ciências naturais, encontram-se abertos a discutirem outras possibilidades de investigação com relação aos fenômenos mentais que não apenas restritos aos reflexos neurais evidenciados pelo cérebro. Isso não é maravilhoso, quando dentro da ciência, vemos distintos paradigmas e visões epistémicas dialogando?

Assim, como também foi maravilhoso, quando começamos a compreender que muitas coisas que atribuímos ao invisível ou espiritual, tivemos a flexibilização de rever nossas visões distorcidas e com os dados coletados, compreendemos o universo microscópico dos vírus por exemplo, e entendemos que muitas doenças que achávamos ser proveniente do sutil, na realidade era de um mundo tão objetivo quanto ao nosso, porém, que apenas não enxergávamos!

Porém e infelizmente, se esse fosse apenas o nosso problema, acredito que já estaríamos bem mais adiantados com relação ao estudo da natureza da mente humana! O principal obstáculo que temos por detrás de potenciais e frutíferos debates dentro das ciências, entendo não ser as visões díspares sobre a realidade, mas sim, os interesses econômicos das grandes corporações mundiais, que direcionam a inteligência humana, injetando economicamente naquilo que trará mais recursos e poder para esses seletos grupos de investidores que usam da ciência e do discurso científico para legitimar as suas ações e obras gananciosas. Para piorar, como diria Pierre Bourdieu: “os cientistas do capital”, estes não são como os cientistas tradicionais que estão interessados na verdade científica por si só, mas sim, em encontrar uma forma de discurso para que usem desse enquanto instrumento de poder e para manter-se nele.

 Novamente e de forma canônica, nossa história se repeti, onde em outros tempos, “falsos religiosos” ou falsos praticantes da espiritualidade, utilizavam-se das instituições religiosas enquanto forma de chegar a algum tipo de poder, cumprindo assim, às normas destas instituições tendo nestas um tipo de carreira hierárquica a ser edificada. Pensando em nosso contexto de hoje, tendo agora enquanto narrativa hegemônica a instituição científica, assim como outrora era a instituição religiosa, como maior forma de legitimar o discurso da verdade em nosso tempo e tendo a verdade institucionalmente ao seu lado, essa carreira do “cientista acadêmico”, passa a ser alvo da cobiça, em muitos casos, por pessoas que não estão verdadeiramente interessadas em produzir ciência e sim, na conquista por um lugar de poder que por detrás possa fincar um posto nessa natureza de instituições!

Quando o neurocientista Brasileiro Miguel Nicolelis diz em um artigo intitulado: “Albert Einstein não seria pesquisador A1 do CNPQ”, a crítica aqui, é um claro apontamento aos mecanismos burocráticos dentro das instituições de ciência para que os pesquisadores destinam-se mais às suas motivações científicas na direção de produzirem em quantidade de publicações do que em detrimento da qualidade ou do impacto dessas na sociedade, em outras palavras, quanto mais uma instituição exige dentro da produção cientifica um “modus operandi” industrial em se fazer ciência, estaremos reproduzindo a mesma lógica do discurso capitalista, da qual a ciência não deveria obedecer em hipótese alguma, por se tratar de uma lógica de produção industrial atrelada aos interesses econômicos e em vez disso, entendo que o “modus operandi” na produção de um cientista deveria ao invés disso, apenas se comprometer em ir na direção de uma lógica impelida pelo espírito curioso em desvendar os fenômenos da realidade e nada mais do que isso! 

Essa lógica industrial imputada dentro da ciência, está fadada a desumanização e a perda da sensibilidade com a relação ao saber e a própria vida como um todo se pensarmos no fazer científico enquanto uma forma de irmos ao encontro de compreensões cada vez mais amplas com relação a natureza dos fenômenos observados a nossa volta. É nesse sentido que se aponta a crítica de Nicoleles, pois Einstein, não foi um cientista do volume, ou o típico cientista do modos de produção em série. Ele simplesmente deixou brotar aquilo que dentro de si era genuíno que fosse externalizado e mesmo diante de um aparente pouco volume de suas publicações, deixou obsoleto bibliotecas mais bibliotecas de quinquilharias e de excessos especulativos. A ciência e o cientista, ao meu entender, não deveria estar limitado a estes modos de produção em série, pois isso, além de matar o cientista, empobrece a potência do seu fazer.

                                                                                                               @professormichelalves

 

Estamos em uma encruzilhada quanto a investigação da natureza da mente, o beco sem saída as ciências cognitivas já nos mostrou, agora é a ora de experimentarmos a introspecção-meditativa


Alan Wallace diz:

Os psicólogos continuam a estudar a mente indiretamente, questionando pessoas conscientes e observando seu comportamento. Desse modo, investigam diretamente os efeitos físicos de processos mentais. E os neurocientistas estudam a mente indiretamente, explorando as bases neurais da experiência subjetiva. Dessa maneira, investigam diretamente os correlatos físicos de eventos mentais, que podem ser causas ou efeitos. As disciplinas combinadas da psicologia e da neurociência são agora conhecidas como ciência cognitiva. Se os pesquisadores deste campo limitassem suas pesquisas ao estudo do comportamento e do cérebro, não teriam sequer ideia da existência da experiência subjetiva. O único meio de os experimentadores poderem ter certeza de que existem estados mentais é experimenta-los em si mesmos. Isso prova o valor da insistência de William James de que a introspecção seja plenamente incorporada ao estudo científico da mente”.

 

Novamente aqui, reforçamos a ideia de que o único meio de termos certeza de que existem distintos estados mentais é experimentando-os na primeira pessoa através da introspecção. Estamos chegando ao meu entender, em uma encruzilhada no sentido, de quais caminhos trilharemos com as ciências que se propõem a investigar a natureza da mente. Um caminho já conhecemos, esse no qual a mente e seus estados, são compreendidos de um ponto de vista biológico-neural e detectável por instrumentos de medição ou interpretando os fenômenos mentais subjetivos através da análise do comportamento reduzindo-os a esse, em outras palavras, é como se a mente não existisse e os comportamentos fossem a evidência da sua não existência, não aceitando a possibilidade do contrário, aonde os comportamentos são meros reflexos da expressão da mente, assim como as imagens refletidas na superfície d´água é uma expressão da própria água.

O que não temos como afirmar, é se a mente e suas fenomenologias são de fato provenientes de uma base neural e comportamental! Esse é um caminho científico em curso e conhecido por nós e que do ponto de vista cognitivo, tem os seus benefícios, porém, não encerra a questão do que de fato é a mente em seu sentido fundamental. Pois explicando aspectos biológicos-neurais e comportamentais acerca da mente, até então, continuamos a não encontrar as suas causas, as suas propriedades elementares, e os nexos-causais dos quais explicam a sua origem!  

Investigando a natureza da mente pela perspectiva introspectiva, podemos entender que a maior parte das pessoas, salvo algumas exceções com relação a pacientes psicóticos os pré-psicóticos, aonde nestes casos, a meditação não é em total desencorajada, porém, deve-se ter alguns cuidados específicos devido à grande fragilidade da estrutura de ego desses pacientes, as pessoas em geral com adequada orientação de um mestre ou legítimo professor, pode vir a apreender através de seu próprio laboratório de práticas pessoais, variadas teorias e técnicas meditativas a partir de métodos testados que já foram colocados empiricamente a prova de fogo por centenas de anos por seus praticantes segundo as literaturas Indus e Budistas, como é o caso das práticas de Shamata e de Vipassana supracitadas.  

O praticante de introspecção meditativa ao longo dos anos, empreenderá uma longa jornada de pesquisas sobre a natureza da própria mente contemplando em primeira pessoa, pois a mente enquanto um fenômeno, sabemos ser uma fonte manifesta permanente e inesgotável de estímulos, pois assim a percebemos operando noite e dia em nossas vidas. Além de muitas técnicas aonde se busca estabilizar a própria natureza incessante dos fluxos mentais, como é o caso das práticas de Shamatas. Existem também, as práticas onde o meditante irá investigar os próprios fenômenos mentais compreendendo como ele internamente se relaciona com tais fenômenos e mesmo as investigações mais profundas sobre as origens dos fenômenos mentais que emergem na superfície da consciência, investigando minuciosamente a sua natureza, como é prescrito nas práticas meditativas de Vipassana, Prajana-paramita, Maha-mudra e do Dzochen.  

Utilizarmos a introspecção-meditativa como uma outra alternativa, pensando a nível de um honesto e razoável exercício intelectual, nada mais é do que praticar um distinto caminho epistemológico como forma de investigação da mente humana, não é mesmo? Não, anulando obviamente o caminho tomado pelas ciências cognitivas, devido as suas evidentes contribuições que vem sendo adquiridas se mostrando enquanto um sólido paradigma na condição de ciência comum (KUHN, 1950) e nessa condição acumulando muitas descobertas; mas por qual motivo deixaríamos de enveredar pela introspecção-meditativa enquanto uma outra alternativa epistemológica?

Que o óbvio seja dito, mas nada nos impede de tomar uma segunda via, pelo contrário, é uma promissora abordagem epistémica para a investigação da mente humana, que em detrimento das centenas de anos acumulados por distintos métodos e textos a respeito das práticas introspectivas de meditação, fazem desses um grande campo a ser investigado tanto do ponto de vista teórico quanto de suas implicações práticas se pensarmos em desdobramentos científicos, psicológicos, sociais, educacionais e na saúde.

 Tendo a introspecção enquanto um instrumento a fazer com que o sujeito se enverede pela prática, sendo essa uma alternativa da qual ele possa compreender profundamente a sua própria mente, pensando essa enquanto um ente tão íntimo e óbvio do ponto de vista existencial por convivemos com essa incessantemente, porque deixaríamos de enveredar por um caminho tão promissor e com tantos acúmulos de informações que hoje, felizmente temos acesso?

Ao meu entender, seria novamente um grande desperdício a nível de pesquisa científica e para a humanidade como um todo, continuarmos a dar voltas ou passos tímidos em direção a uma investigação mais objetiva e direta com relação a natureza da mente humana e não adotarmos a introspecção meditativa enquanto uma outra abordagem epistémica para tal fim. Perpetuarmos à investigação da natureza da mente, só a partir de paradigmas materialistas que entendam o cérebro e seu funcionamento neural como progenitor das fenomenologias mentais, mesmo não as comprovando, como é o caso dos pensamentos, imaginação, emoções, entre outros, ou das pesquisas ligadas à análise do comportamento que negligenciam a possibilidade da existência da mente, enquanto um ente real ou anterior a própria manifestação dos comportamentos, nada mais é ao meu entender, que uma condição de cristalização de um determinado paradigma, não permitindo que o mesmo sofra revoluções das quais poderiam romper suas premissas e como consequência reconfigurar uma nova condição de ciência comum (KUHN, 1950).

É importante frisar, que o verdadeiro espírito científico não deveria estar a serviço da hegemonia e institucionalização de um determinado saber mediante convicções pessoais, ideológicas ou interesses particulares de determinados grupos e instituições, e sim, se comprometer com a verdade das evidências e dos fatos dos quais nos deparamos ao longo de nossos investigações, mesmo que essas venham a ruir tudo aquilo que entendíamos ou que de alguma forma poderia nos comprometer a nível particular, como por exemplo, não fazer mais sentido persistir em algo do qual nos devotamos toda a nossa vida, mas que em determinado momento, cheguemos à conclusão que tal empreendimento não merece mais os nossos esforços devido as evidências que nos são apresentadas.

                                                                                                                 @professormichelalves

 

Não temos como provar que fenômenos mentais em sua origem são derivados de fenômenos neurais, mas apenas que fenômenos neurais específicos apontam para possíveis fenômenos mentais específicos


Alan Wallace diz:

Muitos neurocientistas acreditam que os processos mentais se originam no cérebro como propriedades emergentes. Uma propriedade emergente surge de uma grande configuração de componentes, mas não está presente em nenhuma dessas partes individualmente. Por exemplo, uma molécula individual de H2O em temperatura ambiente não é fluida. Mas um grande conjunto de moléculas de água mostra a propriedade da fluidez. A fluidez é uma propriedade física bem-compreendida, que é facilmente medida com os instrumentos da tecnologia. Da mesma maneira, muitas propriedades emergentes de entidades físicas são elas próprias físicas e podem ser medidas, como fluxo sanguíneo e mudanças elétricas e químicas dentro do cérebro. Os processos mentais, ao contrário, não possuem propriedades físicas e não podem ser, sob qualquer forma, objetivamente medidos. Já que são radicalmente diferentes de quaisquer outras propriedades emergentes que surgem no mundo físico, parece haver pouca justificativa para encará-los como propriedades emergentes de qualquer entidade física. Alguns neurocientistas, contudo, negligenciam esses problemas e talvez inadvertidamente deixem a questão obscura ao declarar simplesmente que os processos mentais são a mesma coisa que suas bases neurais. É uma hipótese plausível, mas nunca foi demonstrada de modo científico. Portanto, é intelectualmente desonesto defender isto como conclusão científica; no presente não é nada mais que uma opinião não verificada. Existe aqui um perigo de verdadeira degeneração da ciência em pseudociência. Uma das características da pseudociência é que ela tenta provar que uma hipótese é verdadeira, em vez de investigar se é verdadeira. A pressuposição de que a hipótese é verdadeira e só precisa ser posta à prova substitui a abertura mental que caracteriza o método científico. Assim, muitos neurocientistas adotaram exatamente essa abordagem pseudocientífica tentando provar que, as experiências subjetivas podem ser plenamente compreendidas sob a ótica de processos físicos dentro do cérebro. Lembremos que, na Europa do século XVII, era crença generalizada que a alma tinha atributos tanto sobrenaturais quanto naturais. Em sua insistência em compreender a mente humana como uma entidade puramente natural, os cientistas a trataram como se ela devesse ser física, embora ela não apresente atributos físicos e não possa ser detectada por qualquer instrumento físico. É um problema central para todo o estudo científico da mente, que ainda tem de ser resolvido”.

Lembro-me quando estudando na graduação em psicologia, na disciplina de Neuropsicologia, um professor afirmara através de alguns estudos, aonde mostrando correlatos entre pensamentos e respostas neurais a esses em determinadas áreas do cérebro, afirmando então que tais achados tratavam-se de um autêntico caso que comprovava que a manifestação de fenômenos mentais como pensamentos, emoções e imaginação, eram na realidade causados por fenômenos biológicos, portanto, entendendo os fenômenos mentais como biológicos!

Olhando para aqueles gráficos e planos cartesianos com dados mostrando as correlações neurais entre o cérebro e os fenômenos mentais como emoções e sentimentos que se relacionavam as áreas cerebrais estimuladas, eu ficava me perguntando: Como esses dados, podem ser considerados enquanto algum tipo de indício que através destes, explicaríamos a mente e suas instâncias fenomenológicas? Como seriam possíveis que redes neurais muito bem observadas e constatadas, por terem sido observadas os seus correlatos com fenômenos mentais, nos garantiria afirmar que estamos diante da gênese das manifestações mentais como o pensamento e a imaginação? Também me ocorria, o porque os neurocientistas não estavam se perguntando se talvez a partir de uma intenção da mente como por exemplo: o ato de pensar sobre algo; entendendo então, que essa intenção mental talvez não poderia ser uma instância fenomênica anterior a qualquer tipo de correlato neural ou mesmo fisiológico e então, aquilo que conseguimos observar no cérebro seria apenas a consequência do que nada mais que a tradução “grosseira” fisiológica, dessas intenções mentais anteriores? 

Da mesma forma que não temos como afirmar, embora existam neurocientistas que ousam dizer que os correlatos neurais são a prova material, física, para os nossos pensamentos, o que temos de factual e o máximo que podemos dizer por enquanto, é que quando pensamos, determinadas regiões neurais são ativadas, porém, também não podemos afirmar que a mente é anterior a manifestação física e portanto, se trata aqui de um ente não biológica aonde todos fenômenos da mente, acontecem primeiro, nesse lugar “anterior” que só depois será traduzido em processos neurais dos quais poderemos identificar com os nossos instrumentos de medição. Nesse impasse, é que a Neurofenomenologia através de Varella, vai questionar as correlações interdependentes entre os fenômenos mentais e os biológicos, entendendo essas duas instâncias não como separadas e excludentes, mas sim como fenômenos correlatos.

Tentando sermos o mais intelectualmente honesto possível, assim como os neurocientistas ou os materialistas não duais podem ter fortes inclinações a se convencerem que a mente é algo da ordem biológica no cérebro, os mentalistas dualistas também podem ter fortes inclinações para conjecturarem que a mente não é da ordem física e portanto anterior aos processos neurais. Se ambos os lados permitem-se dialogar, temos uma prática honesta do exercício intelectual científico e não estamos aferindo afirmações que não conseguimos sustentar com comprovações, ou seja, não praticamos atos de pseudociência assim como muitos mentalistas ou espiritualistas o fazem, ao afirmarem que os fenômenos mentais são fenômenos inquestionavelmente não físicos ou seja, espirituais, enquanto que os neurocientistas assim como psicólogos o fazem ao afirmar, que a ativação de determinadas redes neurais é a prova cabal de que os pensamentos, a imaginação entre outros fenomenologias mentais, são da ordem natural.

No entanto, existe aqui um ponto que entendo que deveríamos refletir com mais atenção: Quando afirmo que assim como os cientistas materialistas não duais não terem como afirmar que as origens da natureza da mente são as redes neurais que eles identificam nos cérebros observados através de imagens, pois isso é obviamente um indício insuficiente para tal afirmação e que do contrário, quando os mentalistas-dualistas afirmam que a mente é algo não material e ponto, temos aqui, um empasse, aonde ambos não podem provar de fato a origem e a natureza da mente, se essa é de ordem material-biológica ou se essa é de ordem não biológica, portanto não-física, imaterial ou espiritual.

 

Um impasse epistemológico para se investigar a natureza da mente

Quando proponho olharmos para esse dilema, também não o entendo como uma questão encerrada, pelo fato de que para explicar o nosso objeto de investigação “a mente e suas fenomenologias” em ambas as análises defrontamo-nos com a incapacidade de afirmar se ela é física ou não, quando nesse caso, estamos alicerçados em bases epistemológicas naturais como referência para termos a comprovação da materialidade enquanto forma de encerrar a chamada “questão difícil da consciência”, mas o ponto é: se a mente for de origem material e para aferirmos como material tudo aquilo que tem massa e densidade e que portanto ocupa lugar no espaço , teríamos que ter como sustentação esse paradigma da física clássica Newtoniana, porém, a própria noção de matéria a luz da mecânica quântica não compreende esse fenômeno aos mesmos moldes paradigmáticos, nesse sentido, se um tipo de narrativa epistémica confina a noção de matéria em algo que ocupa esse espaço e a mente ser um tipo de manifestação dessa forma de se entender matéria, apenas ainda não descobrimos enquanto tal, pelo fato de não termos detectado a “matéria-mente” com nossos instrumentos de aferir a realidade.

No entanto, se assim ela for, tudo é uma questão de tempo, não é mesmo! No passado, não sabíamos da existência das bactérias e dos vírus por exemplo, porém, se o fenômeno mental de fato não for um fenômeno físico, então, nunca a encontraríamos tentando medir algo que não pode ser medido. Diante desse impasse, como iremos então, provar aos moldes de epistemologias e paradigmas que alicerçam a sua investigação da realidade em provas e fatos materiais newtonianos se seu objeto de investigação não forem dessa natureza?

Teríamos aqui alguma possibilidade de encerrar essa questão? E já respondo, obviamente que não, pois entramos em uma contradição: Como iremos provar fisicamente, algo que talvez em sua origem não seja físico, impossível! Diante destas questões e dessa contradição evidente, penso que os cientistas e psicólogos que se coloquem a investigar a natureza da mente por uma base epistémica aonde leva em consideração uma instância não material da vida como talvez seja a mente, reduzindo-a apenas a fenômenos materiais como uma única forma possível de existência, é o mesmo que comprarmos uma blusa para uma criança de 2 anos querendo que essa blusa, sirva a um adulto de 20 anos, isso não faz sentido algum, não serve!

Devido a estas premissas e reduções constitutivas as ciências que deveriam estar estudando a mente ou o psiquismo como é o caso das psicologias, exceto em casos isolados como Carl Gustav Jung que compreende o psiquismo como uma ordem de funcionamento e evolução por caminhos distintos ou complementares ao curso de evolução biológica dos organismos aonde ele fundamenta em seu conceito de inconsciente coletivo, ou William James que entendia a psicologia como a ciência da vida mental e que para isso, deveríamos estudar a nós mesmos para entende-la; casos estes a parte, em sua grande maioria, as psicologias e as neurociências reduzem fenômenos mentais a fenômenos químicos, físicos, biológicos ou quando restrito às áreas humanas, reduzem-nos às idiossincrasias manifestas pelos indivíduos diante de suas contingências sociais, culturais, históricas e etecetera.

Quando uma base epistemológica passa a ser subserviente a uma outra base epistemológica onde as duas partem de premissas paradigmáticas distintas, porém não refutáveis, incorremo-nos em um explícito exemplo de legitimação de narrativas que por algum motivo são colocadas como hegemônicas. A título de exemplo, a maneira como as ciências humanas, as ciências naturais e as ciências introspectivas Iogues irão investigar a natureza da mente, nos mostram que estas distintas epistemológicas não iram investigar o “objeto mente” da mesma forma, assim como as suas incursões sobre o mesmo, trará caminhos investigativos e olhares particulares que ao final, poderão ou não ter semelhanças ou comprovações em comum. Fato, é que o lugar comum e o incomum a partir de bases epistémicas distintas tenderão a ocorrer ao longo de suas respectivas investigações.

Nesse sentido, penso que se estas distintas bases epistémicas, aonde uma destas venha a tornar-se uma espécie de vigia ou balizadora sobre a outra, o que teremos ao longo das investigações científicas de um determinado objeto, será sempre alguma forma de censura, não deixando que olhemos para o objeto de investigação, mesmo que comum a estas distintas epistemologias, a partir do seu próprio prisma, pois nesse caso, o olhar estará sempre enviesado. Fenômeno esse que é muito comum nas áreas da saúde, aonde o discurso biomédico comumente é visto como principal e mais relevante para se compreender os fenômenos da saúde e da doença, seja ela do ponto de vista físico ou psicológico quando pensamos no saber psicopatológico se sobrepondo a narrativas humanas, fenomenológicas, existenciais, psicanalíticas, das abordagens integrativas entre outras.  

De modo geral e dominante, quero ressaltar que as ciências naturais não estão olhando para determinados objetos de nossa investigação comum, como no caso da natureza da mente, a partir de outros modelos explicativos e saberes epistémicos distintos às suas abordagens científicas dominantes. É justamente nesse ponto, que volto a trazer o conflito e a castração que existe quando chegamos na contradição onde os cientistas que investigam a natureza da mente a partir de epistemologias introspectivas ou fenomenológicas entendem que a um caminho possível a investiga-la que não seja reduzindo-a a fenômenos biológicos, porém, quando para isso, são obrigados a construir provas físicas do que para eles entende-se tratar de um fenômeno não físico, são simplesmente renegados há um tipo de empreitada perdida e sem futuro. Intelectualmente, isso não faz sentido algum!

Não estamos em pé de igualdade com as ciências do físico, que precisam provar o físico, pois estas têm a chance de provar ou não, porém, se tratando de uma base epistemológica que contempla a realidade de alguns fenômenos como por exemplo o da mente, entendendo-os como algo talvez de ordem não física, ou seja, fenomenológico- espiritual-energético, não se têm esse espaço dentro das ciências para falarmos de algo que não é possível de ser quantificável e mensurável, por entender-se que nas ciências naturais ou qualquer base epistemológica materialista, tornar-se a completamente intolerável qualquer tipo de discussão que seja de ordem do não físico ou do espiritual-energético, pois tal condição nos coloca impotentes diante do fato de não conseguirmos mensura-las.

Comumente, as tentativas de se debater sobre entes não físicas ou espirituais dentro do campo das neurociências e das psicologias tendem a tornarem-se marginais e quando são em caso excepcionais a tais ideias, limitam-nas, deixando a cabo dos estudos da filosofia ou da pesquisa de estudo filosófico comparado entre as religiões, porém, raros são os esforços das investigações introspectivas em primeira pessoa entre os cientistas naturais, filósofos e psicólogos ocidentais. Até mesmo quando Edmund Husserl traz o conceito de “redução fenomenológica” como uma forma de atitude psíquica aonde o sujeito se coloca a observar os fenômenos da realidade a partir de um lugar não enviesado por seus pré-conceitos ou construções sobre o objeto que se esteja contemplando, para então, a partir dessa atitude de redução fenomenológica poder-se alcançar um estado mais “natural” de compreensão das coisas, não fora entendido ao meu ver, pelos seus sucessores, principalmente na psicologia, que utilizaram-se das ideias de Husserl para fundamentarem preceitos da psicologia fenomenológica, porém, deixando de lado um conceito tão importante como o da redução fenomenológica do ponto de vista introspectivo-contemplativo.

Ao meu entender, a redução fenomenológica de Husserl, não foi epistemologicamente assimilada pelos seus sucessores dentro das diferentes vertentes das psicologias fenomenológicas que se seguiram, assim como pelas ciências naturais, pelo fato de que tal ideia, abriria precedentes para a investigação introspectiva em primeira pessoa, semelhante a proposta de James, assim como tradicionalmente praticada pelos Iogues orientais.    

A boa notícia que temos, é que felizmente parte das ciências Iogues orientais e em algumas também de matriz ocidental, conservaram-se suas práticas e bases epistémicas distintas no que diz respeito à investigação da natureza da mente ou de realidades não quantificáveis e mesuráveis materialmente falando, mas sim, interiormente através de seus métodos meditativos que colocam a observação in loco da própria mente através de métodos de introspectivos como as técnicas meditativas budistas de Shamata que tem como objetivo alcançar a estabilidade dos fluxos mentais que ocorrem incessantemente em nossa mente ou campo da consciência e os de  Vipassana entre outros, que tem como objetivo investigar a própria natureza dos fenômenos mentais a partir desse observador em primeira pessoa.

Felizmente, todos esses métodos, seguem permanecendo acessíveis a nós a milhares de anos, mesmo que em vários e diferentes momentos históricos, foram severamente combativos, ora por governos autoritários que temiam a amplitude de consciência que tais métodos despertam em seus praticantes, como podemos ver no Holocausto Tibetano na década de 50 pela governo popular Chinês de Mao Tsé-Tung, seja pelas violências epistemológicas que as ciências e metodologias espirituais vem sofrendo desde o nascimento e consolidação hegemônica das ciências materialistas naturais no imaginário das pessoas principalmente no mundo ocidental.

Tais métodos, permanecem até hoje, mesmo diante de todos esses impactos, como uma possibilidade de nos aprofundarmos em seus estudos e práticas, tendo comumente resultados óbvios e evidentes com relação ao impacto que tais conhecimentos promovem em seus praticantes, cultura, sociedades, história e todo impacto positivo que tais métodos causaram em seus povos. Me refiro aqui especificamente, a sociedades aonde a Meditação como no caso da Tibetana, após a chegada do Budismo em seu país, tais métodos tiveram enorme influência na construção de uma sociedade aonde seus indivíduos em grande parte viviam suas vidas em harmonia com a natureza e de forma virtuosa, espiritual e eticamente falando, incomparáveis a qualquer precedente nas sociedades antigas e capitalistas contemporâneas.  

Não sei se existem estudos comparativos, pois desconheço algum dessa natureza, que compare os impactos nos sujeitos que se submetem a um treinamento formal como os de monges budistas para se tornarem lamas (professores do Dharma) e o de estudantes de psicologias com suas respectivas psicoterapias em curso, e vermos o resultado em termos de compreensão de si ou autoconhecimento, no que diz respeito, a forma como essas populações de monges e psicólogos, lidam de forma madura ou não com suas próprias questões existenciais, e mesmo a forma como lidam com as próprias adversidades da vida. Porém, acredito que teríamos boas surpresas em compararmos essas duas populações em termos humanos, éticos e do sujeito compreender a si próprio e seu papel no mundo, aonde um estudante de Psicologia se tornando Psicólogo e um Monge budista se tornando Lama.

Qual das populações se tornaria mais madura e sábia em termos internos, humanos e psicologicamente falando? Qual dessas populações, teriam mais sucesso em relação a ajudar os seus praticantes a desenvolveram uma maior capacidade de se compreenderem enquanto seres no mundo e todas as complexidades existenciais, humanas e fenomenológicas que lhes atravessam? Deixo aqui, apontamentos, para essa possível investigação de cunho social, psicológico, humano, existencial, fenomenológico, histórico, antropológico, cultural, político e espiritual que tais investigações podem implicar.

Para além, dessa provocação investigativa de cunho psicológico-social entre populações de psicólogos ocidentais e de Iogues contemplativos que investigam enquanto objeto comum, a natureza da mente ou do psiquismo e suas contingências, o que mais me chama atenção, é pensarmos que essas outras bases epistémicas das ciências Iogues que pesquisam a mente a partir de uma base fenomenológica, não material, não física e por estarem a milhares de anos em andamento, nos conferem um boa fortuna em termos de acumulo de práticas devido ao campo amostral enorme e sem precedentes comparados aos métodos psicoterápicos e investigativos quanto a mente e o que essa vem a ser.

Considero ser importante para que possamos também abrir nossas mentes a entender de fato, o que estas outras formas de epistemologias tem a nos ensinar, seja em relação aos seus métodos, abordagens, teorias, práticas e o que de fato estas possam compreender sobre os fenômenos comuns dos quais ocidente e oriente veem investigando de maneiras tão opostas, como é o caso da natureza da mente. Penso, que os Iogues e os contemplativos de um modo geral, tem muito a nos ensinar!

                                                                                                                   @professormichelalves

 

A mente precisa ser investigada por epistemologias que contemplem os fenômenos mentais em primeira pessoa


Alan Wallace diz:

Em 1960, as limitações de ignorar os processos mentais estavam se tornando cada vez mais nítidas para os psicólogos acadêmicos. O novo campo da psicologia cognitiva começou a encarar a experiência subjetiva com maior seriedade e, desde a ascensão da neurociência cognitiva nas últimas décadas do século XX, muitas atenção tem sido dada aos processos cerebrais relacionados com a experiência subjetiva. Foi feito grande progresso na identificação de partes e funções específicas do cérebro que são necessárias para a visão, para os demais sentidos físicos e para processos mentais específicos, como a memória, a emoção e a imaginação. Trata-se de um meio perfeitamente legítimo de investigar a experiência mental indiretamente, pois se apoia no vigor de quatrocentos anos de pesquisa científica sobre as realidades físicas. Mas a verdadeira natureza dos processos mentais em si permanece tão misteriosa quanto antes. Que ligação existe entre processos mentais e cerebrais – entre nossas experiências subjetivas e nosso “hardware” físico? É puramente causal, com os processos cerebrais gerando experiência subjetiva? Ou os processos mentais e neurais são realmente a mesma coisa, observada do interior e do exterior? Christof Koch, que trabalha com pesquisa de ponta sobre correlatos neurais da consciência, comenta a questão: “As características dos estados cerebrais e dos estados fenomenais parecem muito diferentes para serem completamente redutíveis uma à outra. Desconfio que a conexão é mais complexa do que tradicionalmente se imagina. Por ora, é melhor manter a mente aberta com relação a este assunto e se concentrar em identificar os correlatos da consciência no cérebro”(WALLACE, 2009). 

A Fala de Christof Koch é uma fala intelectualmente honesta e ponderada, do ponto de vista científico, ao afirmar que as características dos estados cerebrais e dos estados mentais parecem ser distintas para serem redutíveis uma à outra, ao mesmo tempo que se situa por hora para não nos precipitarmos em concluir o assunto por um viés materialista-mecanicista ou enviesando-o a um sentido mentalista-espiritualista. Entendo que do ponto de vista das ciências naturais, ainda nós resta concentrar em identificar os correlatos neurais da consciência no cérebro, mas em hipótese alguma, encerrando o assunto com afirmações reducionistas que os fenômenos da mente como pensamentos, sentimentos, emoções entre outros, só por causa de terem sido identificadas essas experiências com seus respectivos correlatos neurais, nos de a prerrogativa de estarmos diante de uma comprovação cabal, para afirmarmos que estas fenomenologias são subprodutos do cérebro, ou seja, que a sua gênese se dá apenas e somente por correlações neurais dentro do cérebro.

O debate é enfadonho, mas ele se resume em uma questão: O cérebro (hardware) é o gerador das fenomenologias mentais da psique ou não? Se sim, como isso é possível? Como é possível que a carne gere processos de mente extremamente sofisticados como os pensamentos e a imaginação? Ou é a mente, uma espécie de hardware sutil não detectável aos nossos instrumentos de medição e que imputa informacionais ao cérebro físico e esse, por ser uma “máquina” biológica, responde aos inputs informacionais da mente, traduzindo-os na matéria biológica através de movimentos neuroquímicos viajando por redes neurais específicas dentro do nosso cérebro?

Christof Koch enquanto neurocientista com experiência profissional, obviamente ele se apoia naquilo que pratica, a saber, o estudo da neurociência, porém Wallace diz:

Mas nunca se aprendeu nada sobre a verdadeira natureza da experiência subjetiva estudando apenas o cérebro. Quando observamos objetivamente estados cerebrais, eles não exibem nenhuma das características dos estados mentais, e quando observamos subjetivamente estados mentais, eles não exibem nenhuma das características de atividade cerebral” (WALLACE 2009).

Esse ponto levantado por Alan Wallace é importante a ser pensado, quando estivermos falando sobre a introspecção meditativa como método epistémico de investigar a natureza da mente. Quando ele diz que nunca se aprendeu nada sobre a verdadeira natureza da experiência subjetiva estudando o cérebro, podemos entender que tal apontamento, apenas reforça que os nossos cientistas ou neurocientistas, em sua maioria, não praticam a investigação sistemática de sua própria mente através do exercício da introspecção meditativa (discuto esse assunto com mais profundidade no artigo: “Os médicos, psicólogos, psicoterapeutas, terapeutas e os cientistas também deveriam praticar a introspecção meditativa”) enquanto o único exercício que empreendem em investigar a mente humana esteja voltado a olhar para o cérebro a partir de um ponto de vista físico-biológico, em outras palavras, é como se quiséssemos aprender música ou tocar um instrumento apenas acreditando que ler sobre o assunto fosse o suficiente para que a inteligência musical penetrasse para dentro dos nossos cérebros e das nossas habilidades motoras ou vocais conseguindo isso mediante nenhum tipo de treinamento.

Uma ideia tão absurda como essa, pode parecer estranha quando o assunto é algo trivial e corriqueiro como aprender a tocar um instrumento, mas nem tão trivial é o assunto quando o objeto de nossa investigação é a própria mente humana, porque para boa parte da população humana, incluindo a comunidade científica, a prática da introspecção meditativa não é prática rotineira e área de total desconhecimento epistémico-teórico e técnico, no sentido do último, experimental e prático da coisa.  Podemos afirmar até certo ponto, que a grande maioria das pessoas são leigas no que diz respeito a vivenciar em si mesmas a partir desse auto laboratório introspectivo de investigação da mente e seus fenômenos através do olhar introspectivo em primeira pessoa que é praticado na rotina de um meditante.

Nessa perspectiva, estamos diante novamente da contradição explicita entre materialistas não duais, duais mentalistas e a não dualidade neurofenomenológia, onde o primeiro investiga a mente como algo material através de veículos materiais como é o caso da análise dos dados que podem se identificar a partir das expressões neurais do cérebro ligadas a fenômenos da consciência vivenciados pelo indivíduo, os dualistas-mentalistas que investigam a natureza da mente por um viés fenomenológico-humano, vivenciando tais fenômenos na primeira pessoa através da prática introspectiva, como é o caso das distintas tradições Iogues Budistas e a não dualidade neurofenomenológica que compreende que mente e cérebro são instâncias fenomenológicas que não se reduzem uma a outro, ou seja, uma é produto da outra, mas que ao mesmo tempo, manifestam-se de forma correlacionada não podendo ser explicadas em sua totalidade uma vez por se tratar de fenômenos conjugados.

O que estou defendendo aqui e que o praticante e pesquisador Alan Wallace defende também é que, se a natureza da mente for de origem não material e portanto essa ter como instrumento mais apropriado para a investigação de si, o próprio sujeito humano que vivencia as fenomenologias da mente em sua própria interioridade, no que diz respeito aos distintos fenômenos da mente-psique-espírito como é o caso dos pensamentos, da imaginação, dos sentimentos, das emoções, dos estados de humor, ou seja, os fenômenos mentais como um todo, onde para isso, a única coisa que estamos empreendendo a investigar são apenas os enviesados e reduzidos modelos epistemológicos que procuram entender os fenômenos mentais pelo cérebro a partir de paradigmas materialista-biológicos e não fazemos nenhum esforço a partir da introspecção que vivencia em loco a natureza da mente em primeira pessoa, deixando de lado, portanto, a possibilidade de também contemplarmos os fenômenos mentais a partir da introspecção-meditativa.

Enquanto James e Wallace diz que a única coisa que estamos fazendo é não investigar a natureza da mente, por não estarmos utilizando da introspecção para tais fins, Pierre Weill diz o seguinte em seu livro; A consciência cósmica: “Quando se chega ao nível de área fora do tempo-espaço, verificamos que o único instrumento existente da ciência atual, não se situa externo ao homem e sim, dentro dele próprio. A investigação fora da dimensão tempo-espaço, só pode ser feita a partir de função ou funções existentes no homem”.

 Parece cómico, mas é isso mesmo, enquanto a física investiga os elementos físicos da natureza, a biologia os elementos biológicos, a química os elementos químicos, a neurociência investiga fenômenos biológicos e a psicologia quando tem como objeto de investigação os fenômenos mentais, querem investiga-los reduzindo-os também a entes biológicos. Isso além de incoerente, é no mínimo estranho! Porque continuamos reduzindo fenômenos mentais a ídolos biológicos? Acredito que nesse caso, se trate aqui, apenas de uma questão institucional-científica por sabermos dentro da história das ciências (KUHN, 1950) que infelizmente as comunidades científicas além de arbitrárias e providas de uma pseudoneutralidade, institucionalizam o saber científico enviesando-o dentro de paradigmas e epistemologias que melhor lhe convenham às suas interpretações sobre os fenômenos da realidade. Enquanto o saber científico permanecer restrito a grupos e instituições que dependam da manutenção das estruturas de narrativas para conseguirem se manter enquanto instituições de poder, dificilmente o saber científico, encontrará terreno fértil para se expressar livremente (BORDIEU, 2003).

  Em nossos tempos, entende-se estar estudando a mente a partir da investigação de fenômenos biológicos identificados no cérebro através de correlatos neurais, porém, se contemplarmos a possibilidade dos fenômenos mentais serem anteriores-causais ou interdependentes ao fenômenos biológicos, o objeto em realidade que os neurocientistas   estão estudando, é apenas o cérebro e as correlações desse com contingências psíquicas: emoções, estados de humor e etc; assim como as psicologias como é no caso dos behavioristas que reduz toda a subjetividade das fenomenologias humanas em questões ligadas ao comportamento, podemos pensar que na área onde se deveria estudar a mente humana ou a psique, como é o caso da Psicologia, essa além de não ser investigada, foi desviada a sua atenção para outras coisas, de fato importantes, porém, que não é o estudo da mente em si.

As neurociências e as psicologias que devotam os seus esforços a investigar a chamada: “questão difícil da consciência”, o faz apenas como uma ciência fronteiriça de seu objeto de pesquisa, pois não investigam a mente em si, mas os reflexos dessa em um aparato biológico, o cérebro. Se pensarmos a partir do ponto de vista de James, aonde a psicologia seria a área da ciência que deveria investigar a vida mental, nossa psicologia ainda hoje, quando seu objeto de investigação é o fenômeno mental, se contenta mais em olha-los pelo prisma biológico do que verdadeiramente pelo prisma do observador em primeira pessoa, que contempla a própria mente.

Até mesmo o inconsciente Freudiano, não se aventura à adentrar no debate sobre o que é a natureza da mente, enquanto uma entidade física ou não física, onde passa a investigar essa, se pode dizer aqui, se tratar de fato de uma investigação da mente, pois entendo ser um caso mais de se investigar a fenomenologia do discurso, do que outra coisa, onde se desloca a atenção desse discurso para uma zona de não consciência, “o inconsciente” fruto das nossas autocensuras e auto repressões das nossas pulsões ou desejos recalcados dos quais não podemos socialmente verbaliza-los. Mas olhando bem para esse inconsciente, podemos ver que a investigação dele, é bastante distinta no que diz respeito a investigar a natureza da mente como é proposta William James e pelos Iogues Budistas, através da introspecção contemplativa sobre os próprios fenômenos ligados a nossa mente, pois no segundo caso, nossa atenção não está voltada para o discurso verbal e os fenômenos advindos desse, mas sim, para o silêncio que seria uma instância anterior ao próprio discurso e através desse adentrarmos à contemplação dos fenômenos mentais.  

Podemos dizer que a psicanálise traz uma grande contribuição para a análise do discurso humano, jogando luz a essas regiões “ocultas” ao consciente e aos nossos comportamentos, mas não vai diretamente questionar a fonte da questão sobre o que é de fato a mente humana e suas fenomenologias, nesse sentido, entendo que os Psicanalistas, os Behavioristas e a maior parte dos Neurocientistas, exceto abordagens heterodoxas dentro da psicologia como é o caso da transpessoal ou mesmo alguns estudiosos isolados da neurociência contemplativa, que continuam a investigar a mente humana sobre prismas comportamentais e materialistas, que reduzindo-os a fenômenos estritamente biofísicos, ora não tendo qualquer tipo de interesse em investigar ou se posicionar sobre a questão difícil da consciência ora combatendo qualquer tipo de possibilidade teórico ou mesmo de proposta epistemológica que vá ao encontro da investigação da natureza da mente por vieses não físicos, mas sim fenomenológicos, como é o caso da introspecção meditativa praticada pelos Iogues e da própria neurofenomenologia.

A Psicanálise, assim como as diferentes abordagens dentro das psicologias fenomenológica-existencialista-humanista, não enxergam o homem apenas de um perspectiva físico-biológico, pois consideram a natureza da subjetividade humana como um mundo interior, fértil, criativo e a ser investigado, porém, quando o assunto é ir ao âmago da investigação sobre a natureza da mente humana, é como se as psicologias não se colocassem como James apontava sobre serem a “Ciência da Vida Mental” e ao invés disso, transformamos no que seria uma ciência da vida mental para uma ciência da vida biológica e humana, se pensarmos que quando se estuda a mente pelo viés cognitivo, comportamental e neuro-científico os fenômenos mentais serão interpretados através de fenômenos físico-biológicos e no caso das ciências humanas, terá como principal objetivo compreender as contingências das manifestações da psique dentro de um contexto político-histórico-social-antropológico-cultural e do próprio inconsciente, porém, sem adentrar a natureza das causas da mente em si, nesse sentido, a introspecção-meditativa sob um ponto de vista fenomenológico, poderia trazer grandes contribuições nessa direção.

 Questionar sobre qual é a natureza da mente, assim, como questionar se essa é da ordem da matéria física ou da não matéria física ainda é uma questão que nos compete, porém, para essa crise no paradigma e potencial revolução paradigmática (KUHN, 1950) que está em curso desde o início do século XX com o nascimento da mecânica quântica, caberá a nós se deixaremos protagonizar distintas maneiras epistémicas que temos a disposição para se investigar a natureza da mente e seus  fenômenos correlacionados, ou se do contrário, manteremos uma pálida inquisição epistemológica que assiste apenas a uma ou poucos narrativas que possam protagonizar sobre o assunto.

Fato é que os nossos precedentes históricos desastrosos sobre o uso religioso e dogmático da fé de maneira irreflexiva há base de crenças não experimentadas ou mesmo por métodos espirituais falsos, aonde a sustentação de ideias sobre o mundo espiritual ou sutil era de tamanha desonestidade intelectual e de falta de fundamentação empírica-experimental e científica, que estamos até os dias de hoje, com estas velhas feridas de mais de quatro séculos, aonde por motivos justos de não queremos errar os mesmos erros do passado, tudo aquilo dentro do espectro da ciência, que ouse investigar a realidade a partir de perspectivas espirituais, é má visto e não aprovado, em outras palavras, nos meios acadêmicos e na comunidade científica, o assunto da espiritualidade e de tudo aquilo que soa ser algo no campo do imaterial, é visto como um tabu, algo que não mereça o crédito por parte da comunidade científica. Talvez sejam esses os motivos pelos quais a psicologias que deveria ser a área do saber que iria investigar a mente humana in loco, continua a dar voltas ao redor do tema e a dar passos tímidos, procrastinando o máximo que pode a investigar o que deveria ser investigado.

 

                                                                                                                             @professormichelalves

 

quarta-feira, 26 de julho de 2023

A Contemplação meditativa como forma de nós conduzir à realidade de nossa natureza fundamental e não apenas como um alívio para os nossos sofrimentos físicos e psicológicos


 

               Em termos de “Materialismo Espiritual” ou de coisificar as práticas e métodos meditativos espirituais em meras técnicas terapêuticas para aplacar ou ao menos apaziguar os sofrimentos físicos e psicológicos nas sociedades contemporâneas, não se entende o verdadeiro potencial que essas práticas milenares e seus métodos carregam em si, mas pelo contrário, essas são reduzidas a simplismos, conveniências intelectuais desonestas, aonde apropria-se apenas de parte dessas técnicas que convém aos nossos paradigmas ou aos nossos “modus operandis” de como pensamos, lidamos e tratamos o sofrimento e as doenças humanas. Assim como extraímos um princípio ativo de uma planta fixando-nos apenas em seus efeitos isolados para compreendermos como aquele princípio ativo atua, em função disso, por outro lado, como consequência deixamos de compreender a sua relação com o todo das inter-relações desses princípios isolados com os outros princípios ativos presentes nas propriedades químicas daquela mesma planta, nisso incorremos numa descoberta parcial, porém, empalidecida do real potencial daquela planta, e o mesmo fazemos com as epistemologias e métodos contemplativos de meditação, quando atribuímos créditos a uma parte desses, reduzindo ou isolando-os apenas a técnicas que nos convém, para utilizarmos dessas para atingirmos algum tipo de relaxamento com objetivos e benefícios físicos e psicológicos.

Na velocidade e liquidez da contemporaneidade, transformamos a resolução de nossos problemas em práticas de “apertar botões”, aonde tudo têm que ser simples, funcional e prático, é “natural” e esperado que quando entramos em contato com métodos contemplativos como no caso das meditações, fiquemos tentados a reduzi-los fazendo com que esses métodos tornem-se mais próximos ao hábito de apertar botões, assim, como fazemos com tudo a nossa volta! com a espiritualidade e com a meditação obviamente não faríamos diferente não é mesmo? pois infelizmente, nessa forma de lidar com as coisas, aspira-se por um maior equilíbrio físico e mental a mesma maneira que aspira-se matar a fome com o consumo de fast-foods ou alimentos de caloria-vazia que camuflam a nossa saciedade por alimentos verdadeiramente nutritivos para o nosso corpo, o mesmo poderíamos pensar sobre os métodos e práticas meditativo-espirituais, aonde se têm as práticas e modismos que têm apenas o alcance de ir a superfície de nossa saciedade interna por saber o que realmente somos e temos as práticas e métodos (mais trabalhosos) porém, que conseguem alcançar o âmago de nossas questões.  

A palavra contemplação deriva do latim contemplatio, que corresponde ao grego theoria. Alan Wallace a esse respeito disso diz: “Ambos os termos se referem a um total zelo por revelar, esclarecer e tornar manifesta a natureza da realidade. Hoje em dia, “contemplação” geralmente significa pensar (refletir) sobre alguma coisa. Mas os sentidos originais de “contemplação” e “teoria” estavam relacionados a uma percepção direta da realidade, não pelos cinco sentidos físicos ou pelo pensamento, mas pela percepção mental”.

A ideia de percepção mental aqui colocada pelo autor citado, é entendermos que pela perspectiva Budista assim como de outras linhas de conhecimento como de algumas tradições Iogues Indianas, a mente, é compreendida como um veículo não físico (extra-físico) aonde essa é entendida como mais um dos nossos sentidos, no caso, um sentido mental, assim como temos o sentido de tato, olfato, paladar, visual, auditivo, espacial e etc; entende-se que também portamos um sentido mental. Quando nos utilizamos desse nosso “sentido mental” podemos observar os nossos pensamentos, imagens mentais, sonhos e etc; o que através das práticas contemplativas isso pode ir se aprofundando no sentido de investigarmos a nós mesmos a partir dessa percepção mental da qual utilizamos como um veículo (um instrumento) para compreendermos a nós mesmos e à realidade a nossa volta.

            Ao lidarmos com a meditação como uma forma de investigarmos a nós mesmos, essa prática ganha uma conotação diferenciada da ideia e objetivos de esta ser apenas um recurso para trazer benefícios físicos e psicológicos, pois agora, ao entendermos como uma forma de auto investigação da condição do próprio sujeito que prática a meditação, passamos então a olhar para essa como uma maneira de cultivarmos um ambiente de práticas aonde passaremos a olhar para a nossa própria humanidade, e para isso, teremos o silêncio como veículo a nos conduzir em tal jornada.

Acho importante pensarmos no aquietar do corpo físico ao sentarmos para meditar e no silêncio como um veículo de nós conduzir a uma compreensão ampliada de nós mesmos, por essa não ser uma via de apreensão da realidade e de buscas de conhecimento, pela nossa forma mais utilizada através do exercício da intelectualidade. Olhando de uma forma superficial, principalmente para aqueles (as) que nunca praticaram sistematicamente a meditação, talvez possa parecer e de certa forma soa estranho, pensarmos que o silêncio e tudo que implica nesse como a própria diminuição dos estímulos sensoriais e cognitivos frequentes nas práticas (pratyhara), ou o não fazer absolutamente nada, a não ser continuar sentado repousado sobre o silêncio e a respiração, que práticas como essas, frente a toda a nossa complexidade metodológica de estudos, epistemologias, conhecimentos adquiridos e de nossa eloquência em falar sobre esses, poderiam, se comparar a essas formas de apreensão do conhecimento e da interpretação da realidade, mas por mais estranho que isso pareça, nada mais que alguns meses de práticas bem orientadas, e vamos descobrindo e ficando verdadeiramente convencidos, dos efeitos de clareza, lucidez e sabedoria que a simples prática do parar o corpo e silenciarmos a mente, vai trazendo um enorme potencial de descobertas sobre a nossa própria natureza e o nosso papel enquanto seres nesse planeta.

Mas de onde partirmos para compreendermos que o silêncio e o ato de parar o corpo físico em meditação, poderiam transforma-se em formas de aprendermos sobre nós mesmos e sobre a realidade que nos cerca? Essa talvez seja uma das respostas mais difíceis de serem dadas, através da linguagem escrita e intelectual, e com certeza, a melhor maneira de responder a isso, seria não através de teorias mas sim através da própria prática, pelo fato da prática ser a própria pesquisa-ação para compreendermos o que a meditação é capaz de nos causar, porém, tentando explicar um pouco, entende-se nas bases epistemológicas de variadas tradições de contempladores ocidentais e orientais, que já existe essa “inteligência” ou essa “sabedoria” inerente e intrínseca em todos nós, porém, a principal causa de não termos acesso a isso, se repousa do nosso simples ato de nunca pararmos. Por estarmos habituados a pensar, a ficar fazendo coisas e flutuar com nossos comportamentos e hábitos mentais de sempre estar indo de um lugar ao outro nesse incessante e frenético perambular cognitivo, nunca abrimos espaço, para a contemplação de uma esfera do não mental, da não cognição, esse lugar de “aparente” vazio que acessamos através das práticas meditativas, mas que é portador de uma sabedoria natural que nos é inerente. Os métodos de variadas tradições contemplativas de meditação, nada mais vão fazer que nos ensinar e permitir a abrirmos esses espaços ocupados pela nossa incessante e frenética movimentação entre um pensamento e outro, para descobrirmos que em seus hiatos ou nos espaços vazios entre esses, existe também uma forma de inteligência que comumente não acessamos quando ficamos restritos apenas pelo modo e habito do pensar e do fazer sem essas pausas que a prática meditativa e o silêncio nos ensina a contemplar.

Nas epistemologias Budistas e de algumas tradições Iogues, entende-se que por detrás desses nossos entendimentos aonde se diz que existe uma natureza anterior a natureza mais evidente aos nossos processos cognitivos, essa área de “não cognição” é apenas acessada através do silenciar desses fluxos de pensamentos ou como chamam também de “desoperacionalizar” os processos mentais aonde incessantemente nos colocamos a conceituar tudo aquilo que perpassa pelos nossos sentidos e pela nossa mente. É a partir dessa natureza de práticas contemplativas silenciosas, é que vamos construindo e cultivando uma base fértil para praticarmos a meditação e os profundos métodos de investigação da consciência humana como proposto pelos Iogues Budistas e hinduístas. A esse respeito desse processo Alan Wallace diz: “A palavra sânscrita bhavana corresponde à nossa palavra “meditação” e significa literalmente “cultivo”. Meditar significa cultivar uma compreensão da realidade, um senso de genuíno bem-estar e virtude. Assim, meditação é um processo gradual de treinamento da mente e leva ao objetivo da contemplação, onde se ganha discernimento sobre a natureza da realidade”.

            Por motivos óbvios, entendemos que nas sociedades contemporâneas aonde seus “planos de consistência” ou formas de visão e relacionamentos são arquitetados pelo consumo e no culto aos bens e serviços, é natural que nesse “espírito de tempo” quando somos apresentados às práticas contemplativas de meditação, nós a transformemos em um produto e esse só de fato vingará, se estivermos assegurados que este de alguma maneira tenha um bom custo benefício. Nesse sentido, apresentar uma prática simples, aonde você pode se dedicar apenas alguns poucos minutinhos ao dia e que esse terá o potencial de reduzir o seu stress ou talvez até te levar a redução parcial ou total do uso contínuo de medicamentos, isso por si só, já é uma boa e atraente moeda de troca, porém, quando se abri o jogo e se fala os verdadeiros propósitos e fins, porém não práticos do que está por trás das práticas meditativas, isso não parece interessante para o ser humano inserido nas sociedades contemporâneas que estejam viciados em apertar botões e ter suas necessidades saciadas imediatamente ao menor click. Se um professor (a) de meditação disser que os verdadeiros propósitos dessa prática, mesmo que praticados durante várias horas por dia durante toda uma vida e que mesmo assim, não há nenhuma garantia que se realize seu real potencial e traga os benefícios tão almejados de se encontrar algum nível de paz e compreensão mais profunda sobre si mesmo e as questões que nos perpassam interna e externamente, que sujeito nos tempos de hoje, toparia tal empreitada duvidosa ou com nenhuma garantia? Para uma mente acostumada em apetar botões e ter o hábito de saciar suas necessidades instantaneamente, esse tipo de proposta é totalmente sem sentido para os tempos de hoje. Essa talvez seja uma forma simples de ilustrarmos o porque os profundos métodos e práticas de meditação são até hoje, não acessíveis para a maioria das pessoas, não por que hoje, não temos acesso a essas práticas e métodos profundos como já ocorrerá nos séculos anteriores, pelo contrário, mas sim, pela forma como nós nos relacionamos com as coisas. Em nosso tempo, além de sermos severamente bombardeados pelas informações em excesso que tanto nos aliena e nos distancia de reservarmos tempo para o cultivo do silêncio meditativo, é infelizmente “natural” que pela forma como estamos nos conduzindo em termos de hábitos de vida, que não tenhamos um mínimo de resiliência, paciência e perseverança para criarmos um terreno fértil para adentrarmos nessas formas mais ideais e profundas de prática meditativa e acabemos que por tocar apenas na superfície de suas potencialidades.

            A respeito da prática da meditação ter em sua essência uma proposta mais profunda de práticas e ao mesmo tempo a forma como nos ocidentais encontramos para adaptar essas práticas às nossas necessidades não indo ao âmago da proposta das quais esses métodos fundamentaram-se, no livro intitulado “A ciência da Meditação” de Daniel Goleman e Richard J. Davidson, os autores, fazem um quadro de níveis da forma como hoje a prática da meditação vem sendo veiculada e dizem a esse respeito o seguinte:

“A mindfulness, parte de uma antiga tradição meditativa, não se destinava a ser nenhum tipo de cura; só recentemente o método foi adaptado como um bálsamo para nossas modernas formas de angústia. O objetivo original, seguido em alguns círculos de hoje, concentra-se numa exploração da mente visando a uma alteração profunda do próprio ser. Há desse modo, dois caminhos: o profundo e o amplo. Os dois são muitas vezes confundidos, embora suas diferenças sejam enormes. Percebemos o caminho profundo representado em dois níveis: em sua forma pura, por exemplo, nas antigas linhagens do budismo teravada tal como praticado no Sudeste Asiático ou entre os iogues tibetanos. Chamamos esse tipo de prática mais intensiva de Nível 1. No Nível 2, essas tradições se distanciaram de seu papel como parte de um estilo de vida pleno – monástico ou iogue, por exemplo – e foram adaptadas a formas mais palatáveis para o Ocidente. No Nível 2, a meditação aparece em formas que deixam para trás partes da fonte asiática original, que talvez não consigam fazer a travessia de uma cultura para a outra com facilidade. Depois há as abordagens amplas. No Nível 3, um novo distanciamento tira essas mesmas práticas meditativas de seu contexto espiritual e as difunde ainda mais amplamente – como no caso da Redução do Estresse baseada em Mindfulness, ensinada atualmente em milhares de clínicas e centros médicos, e muito além. Ou a Meditação transcendental (MT), que oferece mantras sânscritos clássicos para o mundo moderno num formato acessível. As formas de meditação ainda mais amplamente acessíveis no Nível 4 são, necessariamente, as mais diluídas, de modo a se tornarem mais acessíveis para um maior número de pessoas. Atuais modismos, como a mindfulness-at-your-desck [mindfulness à mesa de trabalho], ou os aplicativos de meditação por alguns minutos, exemplificam esse nível. Prevemos também um Nível 5, que no momento existe apenas de forma fragmentária, mas que com o tempo pode muito bem crescer em quantidade de praticantes e alcance. No Nível 5, as lições que os cientistas aprenderam estudando todos os demais níveis levarão inovações e adaptações que podem ser de vasto benefício”.

            O ponto principal que quero chamar atenção nesse texto é: a meditação sempre teve como objetivo ser um veículo de aprendermos a investigar a nossa própria natureza em sua essência e não ser apenas um recurso e um fim em aliviar os nossos sofrimentos físicos e psicológicos sem com que adentremos em suas reais causas. Não é meu objetivo aqui, reproduzir alguma forma de narrativa saudosista e hegemônica como se só uma forma de prática de meditação deveria existir, pelo contrário, é compreensivo nos tempos de hoje, assim como todo conhecimento que quando chegado em determinado contexto cultural e em seu momento histórico, esse torna-se renovado pelos próprios contextos dos quais se inserem, porém, quando se perdi de vista os motivos principais pelos quais os Iogues Indus e Budistas meditavam e a amplidão e profundidade de seus métodos, aonde se confunde tais práticas com as modificações que surgem com as necessidades de nosso tempo e cultura, percebo que perdemos um grande tesouros de aprendizados a ser investigados como ainda em nossa maioria, não o fizemos, por muitas vezes estarmos praticando a meditação, apenas com fins adaptativos às nossas necessidades mais imediatas, transformando essa prática apenas em um remédio para aliviar os nossos sintomas, mas não adentrando em suas reais causas. 

Quando falamos da contemplação meditativa como uma forma ou veículo que nos ajudará a compreender a natureza humana, precisamos entender que por muitos grupos e religiões, essa construção muitas vezes se tornou dogmática e alicerçadas em crenças não passíveis de serem questionadas o que se configura um dogma irrefutável, porém, quando compreendemos a prática da meditação como um método assim como os utilizados em ciências naturais e ciências humanas, aonde estes são baseados em hipóteses a serem testadas empiricamente, compreenderemos então às metodologias por exemplo dos budistas tibetanos que ensinam como aprofundarem nessas práticas, aonde a partir dessas podemos construir um corpo de questionamentos acerca de seus efeitos e a partir do momento em que vamos adentrando nesses métodos de práticas deixados por esses ensinamentos milenares, passamos a nos relacionarmos com esses, como métodos, mas não como uma crença religiosa inquestionável e não refutável, pois, por se tratar de métodos interiores para serem praticados em nosso laboratório meditativo, esses métodos tornam-se uma verdade empiracamente verificável a partir do momento em que vamos comparando nossas práticas com o que esses ensinamentos diziam ser possível de se alcançar a partir do laboratório de práticas de mestres e mestras do passado.

Aqui temos um ponto crucial a se debater e refletir também: imaginemos que eu pratique por um tempo uma determinada técnica de meditação aonde se diz que em seu ápice, nós conseguiríamos manter a nossa mente a um tal ponto de concentração que chegaríamos a instância de ficarmos sem nenhum tipo de flutuação mental ou entradas de pensamentos no campo de nossa consciência, é como se ficássemos sem pensar em nada e que isso fosse o objetivo da prática, do método, porém, você praticou durante muitos anos e nunca se quer, esbarrou nem de perto dessa experiência meditativa. Nesse caso, isso significaria então que esse método está equivocado? ou poderia eu então, somente a partir das minhas próprias experiências dizer que o método não funciona por eu não ter alcançado o seu objetivo? e mesmo que uma centena ou até milhares de outros (as) praticantes que tentaram praticar o mesmo método do esvaziar mental e pelo fato de todos por não obterem os resultados relatados no método meditativo, poderíamos então afirmar que como a nossa e a experiência da maioria não foram exitosas, então podemos afirmar que esse método não funciona, que não passa de uma falácia, ou que é apenas uma teoria especulativa? essa postura, seria de fato honesta intelectualmente falando?

Respondendo a essas perguntas acima, eu diria que sim e que não, pois depende do contexto, pelo fato de verdadeiramente existir métodos e práticas que funcionam mas que são muito difíceis de alcançar pelos hábitos e “modus operandis” de vida que praticamos hoje (principalmente em nosso contexto social e histórico na contemporaneidade, aonde não temos tempo para nos dedicar como já aconteceu em outros contextos políticos, sociais e históricos da humanidade, aonde o terreno era mais fértil que nos tempos de hoje para tais empreitadas contemplativas) e por isso muitas vezes poucos a conseguem. Também é fato, que existem métodos puramente especulativos (e na contemporaneidade, estão cheio deles) que verdadeiramente não funcionam, fazendo com que seus experimentadores na realidade percam demasiadamente o seu próprio tempo, dinheiro e energia, dedicando a esses, infelizmente, a falta de honestidade e ética também existe em meios espirituais e religiosos que propõem métodos de especulativos da própria investigação da natureza humana, mas que na realidade não foram devidamente testados e experimentados pelos seus propositores, o que configura em palavras simples, em um autêntico caso de charlatanismos, desonestidades intelectuais e espirituais.

Ampliando mais um pouco, sobre as perguntas acima, quanto ao fato de sabermos se as práticas são autênticas ou não, se pensarmos essas questões dentro de um olhar em se fazer ciência aos moldes das chamadas ciências naturais, aonde temos como premissa averiguar o comportamento, funcionamento ou a mecânica de um determinado fenômeno e comprovando que esse é apenas um autêntico fato científico quando for passível de ser reproduzido por todos que os reproduzirem nas mesmas condições e com os mesmos protocolos, como por exemplo: sabemos aqui e em qualquer lugar do mundo que quando se toma uma substância x, essa gera vasodilatação arterial e como consequência a pressão arterial é abaixada (levando em consideração que também a exceções nesse modelos), se pensarmos que só assim, poderemos verificar fatos científicos, e a não verificação por muitos experimentadores do método de meditação que têm como consequência o não pensar em nada, está fadado ao fracasso e à “comprovação” de que esse de fato não funciona pela maioria dos praticantes não terem conseguido reproduzi-lo, enceraremos o debate e entenderemos que essa prática de fato, não é uma verdade ou um fato científico a ser constatado e como consequência não iremos mais explorá-la, pondo um fim nessa história.

Entendo que muito disso ocorrera ao longo de nossa história com relação ao crescimento e espaço que a racionalidade das ciências naturais foram alcançando devido aos seus resultados pragmáticos, o que conferiu ao discurso científico aos moldes das ciências naturais nos tempos de hoje, a narrativa dominante, aonde se entendi como a mais autêntica e confiável a ser seguida, assim como um dia já foi a narrativa religiosa, porém, da mesma forma como no passado tivemos problemas com as narrativas religiosas dogmáticas, nos tempos de hoje, também estamos tendo problemas semelhantes aonde devido a uma forma enrijecida de se entender a investigação científica, com paradigmas, epistemologias e métodos de investigação da realidade que não conseguem olhar para outras possibilidades e formas de se investigar a realidade, fazendo com que em detrimento de uma única forma de narrativa, surja o rompimento com setores de estudos que promovem interseções com objetos comuns que também são investigados pelas ciências naturais como por exemplo: a mente, a pisque, a consciência e por serem também objetos de estudos e investigação dentro das práticas religiosas e espirituais não dogmáticas, fazem verdadeiras e honestas pesquisas sobre tais temas, porém, em detrimento de uma única narrativa de como se deve investigar a ciência, infelizmente, estas outras possibilidades de narrativas acabam sendo dadas ao ridículo, ao descrédito e o pior, a morte das suas outras formas de olhar, fazendo com que essas outras narrativas tornem-se invisíveis e esquecidas ao longo do tempo.

Ao meu entender, compreendo primeiro que a discussão acima, se trata de uma ferida histórica em relação às práticas dogmáticas alicerçadas em crenças inquestionáveis dentro das religiões sectárias e segundo, por uma não sensibilidade e olhar amplo com relação à investigação dos fenômenos subjetivos quando temos como objeto de estudo o fenômeno humano, entendendo-o não ao modo materialista das ciências naturais, mas a esse em outras instâncias e com outras leis (paradigmas) envolvidas em seu estudo,  porém, se olhar para essa mesma situação de um ponto de vista de uma outra narrativa em se fazer ciência, que não a mesma das ciências naturais, mas sim em uma perspectiva que leva em consideração a subjetividades que atravessam o humano, como olhada em várias abordagens psicológicas nas ciência humanas que questionam o modos operandi das ciências naturais quando está se coloca como uma única narrativa possível em relação a comprovar fatos científicos, podemos questionar então, a partir de um outro corpo de perguntas sobre o experimento do método meditativo aonde se tem como objetivo o estado de não flutuação mental ou não pensar em nada: de todos que experimentaram, mesmo que uma minoria ou apenas uma pessoa, alguém atingiu tão objetivo? Se sim, o que diferenciou a prática dessa pessoa? Teria algum elemento característico nessa personalidade que a diferenciou dos outros? Esse praticante tinha mais tempo de treinamento? Seu treinamento era igual ao dos outros? Suas condições psicossociais tiveram alguma interferência?

Analogamente as questões acima, poderíamos pensar o seguinte: todos sabemos que qualquer um em suas condições físicas e cognitivas preservadas poderia sentar-se em frente a um piano e começar a aprender a tocar, porém, por vários fatores, sabemos que não temos garantia de que todos ou até mesmo uma das pessoas que fazerem essa empreitada de fato chegará ao ponto de um dia poder falar que realmente se sabe tocar piano, assim é o mesmo com as metodologias meditativas e espirituais, que devido a sua profundidade e dedicação, não se têm nenhuma garantia de que, se alguém empreender os esforços para tal, um dia irá conseguir, pois a muitos fatores envolvidos nesses resultados, por mais que os métodos sejam claros, a nossa relação humana e subjetiva com esses perpassam por questões muito individuais (específicas), ao mesmo tempo, isso não significa que só porque alguém, ou até mesmo todos que, em um determinado espaço de tempo que não conseguiram, podem afirmar que tais métodos não funcionem. Imagem quantas pessoas no mundo, já puderam de fato sentar em um piano e executar uma sonata de Bethoven? ou aprenderam a tocar qualquer outro tipo de instrumento com grandes habilidades?

Particularmente, não compreendo às metodologias espirituais, assim como a meditação, reduzindo-as a uma forma de método rígido e alicerçado em um tipo de discurso em busca de progresso ou evolução, aos moldes das racionalidades que regem o mundo capitalista com sua distorcida ideia sobre o que se entende acerca do que é progresso humano. Não me vinculo a essa forma de narrativa de progresso-evolução para se pensar a meditação, as Yogas, os Budismos e a espiritualidade como um todo, e até mesmo para refletir sobre a eficácia de seus métodos. O intuito maior acima, é questionar uma forma dominante de narrativa científica, que por estar presa a determinados modelos, não consegue abranger seu olhar para outras formas e possibilidades de se investigar, constatar, experimentar e vivenciar a realidade que nos cerca.

            Dezenas de outras perguntas poderiam ser colocadas aqui, porém, o ponto que considero mais importante a ser ressaltado é que, quando elegemos a prática da meditação como nosso objeto de pesquisa científica e os métodos por detrás dessas práticas, somado ao fato de serem feitos por sujeitos humanos repletos e atravessados por suas histórias e subjetividades únicas, fica difícil, para não dizer impossível, enquadrarmos esse objeto de pesquisa em um reducionismo a tal ponto que o transformaremos em um versão inadequada para que ele caiba aos moldes das ciências naturais, exatas e materialistas, porém, o resultado disso, é nada mais que a redução em relação às potencialidades de um objeto de amplas possibilidades de investigação como é o caso da meditação.

De um ponto de vista materialista, o que podemos construir a esse respeito, seria fazermos observações físicas, neurofisiológicas como as neurociências com seu arsenal tecnológico vem realizando, ao criar experimentos aonde grandes meditadores, meditadores medianos, iniciantes e não meditadores ao serem monitorados por esses aparelhos, podem-se então, observar as diferenças dos efeitos em suas fisiologias relacionado à profundidade das práticas de seus meditadores, nesse sentido, essa é uma forma de se fazer ciência aos moldes das ciências naturais com relação a meditação tendo esse como objeto de estudo a ser investigado, porém, quando falamos de métodos empíricos de práticas meditativas realizada por humanos, aonde o resultado dessas práticas estão relacionados diretamente as subjetividades (a sua história, o que esse carrega consigo) do próprio sujeito, nesse caso, não conseguimos construir um corpo de conhecimento e verificação científica, aos moldes das ciências naturais. Não há essa exatidão nesses métodos! Eles são demasiadamente humanos para serem encaixotados em tantos limites. Isso não significa que não podemos construir uma forma e uma narrativa de se fazer ciência para se verificar empiricamente esses métodos deixados pelas tradições espirituais antigas. Mas então fica a pergunta que não quer calar: como faremos para verificar um método de meditação como a técnica de chegar ao ponto de não pensarmos em nada, sem com que eu tenha que ACREDITAR na boa fé e na idoneidade do meu professor(a) que diz que tal método é verdade, que funciona, que funcionou com ele e com os mestres (as) dele, que é um fato, mas que eu apenas preciso praticar?

Aspiro não estar sendo simplista na forma como vou responder a essa pergunta, mas entendo que a resposta poderia ser construída assim: Esse método meditativo que diz que têm como objetivo o sujeito conseguir não pensar em nada, eu pratiquei durante muitas horas e não objetive esse resultado e todos aqui a minha volta não obtiveram, porém, alguém obteve? Se sim quem são essas pessoas? O que fizeram para conseguir? Como conseguiram? A partir destas perguntas, e a procura de respostas, vou lhes adiantando, que vamos descobrindo que muitas pessoas conseguiram tais feitos e por isso, como que de forma estatística, mesmo que seu percentual seja muito baixo ao ponto de chegar até mesmo a uma exceção, mas por existir alguém, fazem com que percebamos que existe a possibilidade da realização de tal método de meditação, partindo então, da perspectiva que outros também já não só o atingiram como sabem claramente falar sobre esses. Apenas e só quando, nos deparamos com um determinado caso, aonde não encontramos nenhum precedente de praticantes que realizaram os objetivos esperados de tais práticas, é que realmente podemos afirmar que tal método não funcione. Acho importante ressaltar aqui, que tudo isso deve ser feito com o critério e rigor como fazemos com as ciências naturais, mesmo que o nosso modelo epistemológico para a investigação científica, seja atravessado por outras perspectivas das quais lidam com outras variáveis devido às suas amplas possibilidades de fenômenos internos e subjetivos inerentes ao sujeito humano que vai empiricamente testar os métodos de meditações antigos. Isso de fato, nos dá uma maior margem e nos torna mais frágeis em incorremos em erros de constatações do que nas ciências naturais e materialistas que tem em seus experimentos um maior controle, pelas suas variáveis serem mais facilmente isoladas do que os experimentos e práticas científicas quando envolvem às subjetividades humanas. 

O primeiro instrutor do Buda histórico se chamava Alara Kalama, era dito que o tipo de meditação que Kalama ensinava, levava ao conhecimento direto e confiável de vidas passadas, porém, a existência das vidas passadas não era um dogma imposto aos meditadores, mas sim que os meditadores avançados através de suas próprias práticas compreendiam essa como um verdade verificável. Entendo que é justamente nesse ponto, o que chamamos de “conhecimento direto” é que estremecem os debates entre os que realizam uma forma de se fazer ciência verificável externamente por meio de marcadores biológicos ou laboratoriais passíveis de serem reproduzidos, para os que adotam essa outra forma que investigam-se as subjetividades no humano, aonde a experiência vivenciada fica restrita a subjetividade do sujeito que a vivencia.

Por meio dos recursos da estatística podemos também aferir as experiências subjetivas dos sujeitos relatando o que eles de fato vivenciaram como conhecimento direto através de suas práticas meditativas e a partir disso, chegamos a um denominador comum dessas práticas. Porém, se o problema é esse, de fato quando entendemos essas práticas (me refiro aqui especificamente às de meditação ligados as tradições budistas tibetanas), essas já tiveram seus milhares de anos de práticas para terem sido colocadas a prova por contemplativos de há mais de 20 gerações, assim como se faz até os dias atuais, que testando os métodos do senhor Buda, chegaram a conclusões semelhantes a ele através de seu próprio laboratório de práticas meditativas.  A respeito disso Alan Wallace em seu livro, Mente em Equilíbrio diz: “Entre os grandes mestres religiosos de toda a história, o Buda é o único que desencoraja a crença de que algo é verdadeiro simplesmente porque muita gente diz que é ou porque está baseado numa tradição de longa data, na autoridade das escrituras, na voz corrente, na especulação ou na reverência por um mestre. Sem dúvida a pessoa deve, procurando fazer o melhor possível, testar através de sua própria experiência o que os outros defendem e julgar por si mesma.

O Buda histórico em seu tempo, foi conhecido como o “Grande Médico”, esse título conferido a ele, diz respeito ao fato dele ter alcançado a percepção da natureza fundamental da consciência aonde através dessa encontrou um supremo estado de paz, beatitude, conquistando um discernimento através da contemplação sobre a natureza da realidade e então passou o resto da sua vida a se dedicar a ensinar outras pessoas a alcançarem esse estado de liberdade que ele mesmo alcançara. Em verdade, meu intuito aqui, como já falando em outros momentos dos escritos anteriores, não é convence-los se o Buda histórico alcançou ou não a compreensão da natureza da realidade e a partir disso, se tornou um ser desperto “Iluminado”, meu maior interesse aqui, é compreendermos que a prática sistemática da contemplação meditativa diariamente em nossas vidas, está para além dos modismos e utilitarismos da contemporaneidade, aonde transforma-se tudo em bens e serviços utilitaristas para nos distrair, nos entreter ou no máximo gerar um alívio superficial, porém, sem um compreensão mais profunda com relação aos nossos sofrimentos, semelhantes aos medicamentes antidepressivos e anti-ansiolíticos que nos anuviam de um determinado sofrimento, mas porém, não nos traz consciência para lidarmos e enfrentarmos psiquicamente com as suas causas, suas raízes. Essa não é a motivação principal das práticas meditativas, elas não são realizadas para o fim de nos entorpecer, nos alienar de nossa condição ou para nos trazer algum tipo de alívio imediato, mas pelo contrário, elas tem como fim, a profunda investigação da nossa verdadeira natureza e das reais causas daquilo que nos traz sofrimento, nos impedindo de enxergamos o que de fato estamos sendo e somos enquanto seres em sua dimensão ampla. 

Por questões do “espirito do nosso tempo” na contemporaneidade, é compreensível que a grande maioria das pessoas, não irão se auto-investigarem através das práticas meditativas com a mesma dedicação aos moldes dos monastérios e templos antigos, pelo fato, que nos dias de hoje, a grande maioria de nós, não termos esse tempo disponível nos sobrando para tamanha empreitada e dedicação, nesse sentido, é importante que contemplemos que formas mais superficiais de práticas sejam ensinadas mas que possam também de alguma maneira trazer benefícios, não há nada de errado nisso, porém, se nos implicarmos na prática da meditação por mais simples e menos tempo que tenhamos, porém, fazendo essa com o espírito de apenas aliviarmos aquilo que está nos incomodando, mantendo-nos apenas na superfície dos fatos, estaremos infelizmente diante de uma prática muito reduzida de seus reais benefícios se comparada com a potencialidade que essa nos reserva em praticarmos a meditação com a motivação de através dessa, investigarmos a natureza humana (de quem somos nós), com o espírito sincero, encorajado, livre e intelectualmente honesto, para empreender tal jornada.

                                                                                                                 @professormichelalves

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