quinta-feira, 27 de julho de 2023

A mente precisa ser investigada por epistemologias que contemplem os fenômenos mentais em primeira pessoa


Alan Wallace diz:

Em 1960, as limitações de ignorar os processos mentais estavam se tornando cada vez mais nítidas para os psicólogos acadêmicos. O novo campo da psicologia cognitiva começou a encarar a experiência subjetiva com maior seriedade e, desde a ascensão da neurociência cognitiva nas últimas décadas do século XX, muitas atenção tem sido dada aos processos cerebrais relacionados com a experiência subjetiva. Foi feito grande progresso na identificação de partes e funções específicas do cérebro que são necessárias para a visão, para os demais sentidos físicos e para processos mentais específicos, como a memória, a emoção e a imaginação. Trata-se de um meio perfeitamente legítimo de investigar a experiência mental indiretamente, pois se apoia no vigor de quatrocentos anos de pesquisa científica sobre as realidades físicas. Mas a verdadeira natureza dos processos mentais em si permanece tão misteriosa quanto antes. Que ligação existe entre processos mentais e cerebrais – entre nossas experiências subjetivas e nosso “hardware” físico? É puramente causal, com os processos cerebrais gerando experiência subjetiva? Ou os processos mentais e neurais são realmente a mesma coisa, observada do interior e do exterior? Christof Koch, que trabalha com pesquisa de ponta sobre correlatos neurais da consciência, comenta a questão: “As características dos estados cerebrais e dos estados fenomenais parecem muito diferentes para serem completamente redutíveis uma à outra. Desconfio que a conexão é mais complexa do que tradicionalmente se imagina. Por ora, é melhor manter a mente aberta com relação a este assunto e se concentrar em identificar os correlatos da consciência no cérebro”(WALLACE, 2009). 

A Fala de Christof Koch é uma fala intelectualmente honesta e ponderada, do ponto de vista científico, ao afirmar que as características dos estados cerebrais e dos estados mentais parecem ser distintas para serem redutíveis uma à outra, ao mesmo tempo que se situa por hora para não nos precipitarmos em concluir o assunto por um viés materialista-mecanicista ou enviesando-o a um sentido mentalista-espiritualista. Entendo que do ponto de vista das ciências naturais, ainda nós resta concentrar em identificar os correlatos neurais da consciência no cérebro, mas em hipótese alguma, encerrando o assunto com afirmações reducionistas que os fenômenos da mente como pensamentos, sentimentos, emoções entre outros, só por causa de terem sido identificadas essas experiências com seus respectivos correlatos neurais, nos de a prerrogativa de estarmos diante de uma comprovação cabal, para afirmarmos que estas fenomenologias são subprodutos do cérebro, ou seja, que a sua gênese se dá apenas e somente por correlações neurais dentro do cérebro.

O debate é enfadonho, mas ele se resume em uma questão: O cérebro (hardware) é o gerador das fenomenologias mentais da psique ou não? Se sim, como isso é possível? Como é possível que a carne gere processos de mente extremamente sofisticados como os pensamentos e a imaginação? Ou é a mente, uma espécie de hardware sutil não detectável aos nossos instrumentos de medição e que imputa informacionais ao cérebro físico e esse, por ser uma “máquina” biológica, responde aos inputs informacionais da mente, traduzindo-os na matéria biológica através de movimentos neuroquímicos viajando por redes neurais específicas dentro do nosso cérebro?

Christof Koch enquanto neurocientista com experiência profissional, obviamente ele se apoia naquilo que pratica, a saber, o estudo da neurociência, porém Wallace diz:

Mas nunca se aprendeu nada sobre a verdadeira natureza da experiência subjetiva estudando apenas o cérebro. Quando observamos objetivamente estados cerebrais, eles não exibem nenhuma das características dos estados mentais, e quando observamos subjetivamente estados mentais, eles não exibem nenhuma das características de atividade cerebral” (WALLACE 2009).

Esse ponto levantado por Alan Wallace é importante a ser pensado, quando estivermos falando sobre a introspecção meditativa como método epistémico de investigar a natureza da mente. Quando ele diz que nunca se aprendeu nada sobre a verdadeira natureza da experiência subjetiva estudando o cérebro, podemos entender que tal apontamento, apenas reforça que os nossos cientistas ou neurocientistas, em sua maioria, não praticam a investigação sistemática de sua própria mente através do exercício da introspecção meditativa (discuto esse assunto com mais profundidade no artigo: “Os médicos, psicólogos, psicoterapeutas, terapeutas e os cientistas também deveriam praticar a introspecção meditativa”) enquanto o único exercício que empreendem em investigar a mente humana esteja voltado a olhar para o cérebro a partir de um ponto de vista físico-biológico, em outras palavras, é como se quiséssemos aprender música ou tocar um instrumento apenas acreditando que ler sobre o assunto fosse o suficiente para que a inteligência musical penetrasse para dentro dos nossos cérebros e das nossas habilidades motoras ou vocais conseguindo isso mediante nenhum tipo de treinamento.

Uma ideia tão absurda como essa, pode parecer estranha quando o assunto é algo trivial e corriqueiro como aprender a tocar um instrumento, mas nem tão trivial é o assunto quando o objeto de nossa investigação é a própria mente humana, porque para boa parte da população humana, incluindo a comunidade científica, a prática da introspecção meditativa não é prática rotineira e área de total desconhecimento epistémico-teórico e técnico, no sentido do último, experimental e prático da coisa.  Podemos afirmar até certo ponto, que a grande maioria das pessoas são leigas no que diz respeito a vivenciar em si mesmas a partir desse auto laboratório introspectivo de investigação da mente e seus fenômenos através do olhar introspectivo em primeira pessoa que é praticado na rotina de um meditante.

Nessa perspectiva, estamos diante novamente da contradição explicita entre materialistas não duais, duais mentalistas e a não dualidade neurofenomenológia, onde o primeiro investiga a mente como algo material através de veículos materiais como é o caso da análise dos dados que podem se identificar a partir das expressões neurais do cérebro ligadas a fenômenos da consciência vivenciados pelo indivíduo, os dualistas-mentalistas que investigam a natureza da mente por um viés fenomenológico-humano, vivenciando tais fenômenos na primeira pessoa através da prática introspectiva, como é o caso das distintas tradições Iogues Budistas e a não dualidade neurofenomenológica que compreende que mente e cérebro são instâncias fenomenológicas que não se reduzem uma a outro, ou seja, uma é produto da outra, mas que ao mesmo tempo, manifestam-se de forma correlacionada não podendo ser explicadas em sua totalidade uma vez por se tratar de fenômenos conjugados.

O que estou defendendo aqui e que o praticante e pesquisador Alan Wallace defende também é que, se a natureza da mente for de origem não material e portanto essa ter como instrumento mais apropriado para a investigação de si, o próprio sujeito humano que vivencia as fenomenologias da mente em sua própria interioridade, no que diz respeito aos distintos fenômenos da mente-psique-espírito como é o caso dos pensamentos, da imaginação, dos sentimentos, das emoções, dos estados de humor, ou seja, os fenômenos mentais como um todo, onde para isso, a única coisa que estamos empreendendo a investigar são apenas os enviesados e reduzidos modelos epistemológicos que procuram entender os fenômenos mentais pelo cérebro a partir de paradigmas materialista-biológicos e não fazemos nenhum esforço a partir da introspecção que vivencia em loco a natureza da mente em primeira pessoa, deixando de lado, portanto, a possibilidade de também contemplarmos os fenômenos mentais a partir da introspecção-meditativa.

Enquanto James e Wallace diz que a única coisa que estamos fazendo é não investigar a natureza da mente, por não estarmos utilizando da introspecção para tais fins, Pierre Weill diz o seguinte em seu livro; A consciência cósmica: “Quando se chega ao nível de área fora do tempo-espaço, verificamos que o único instrumento existente da ciência atual, não se situa externo ao homem e sim, dentro dele próprio. A investigação fora da dimensão tempo-espaço, só pode ser feita a partir de função ou funções existentes no homem”.

 Parece cómico, mas é isso mesmo, enquanto a física investiga os elementos físicos da natureza, a biologia os elementos biológicos, a química os elementos químicos, a neurociência investiga fenômenos biológicos e a psicologia quando tem como objeto de investigação os fenômenos mentais, querem investiga-los reduzindo-os também a entes biológicos. Isso além de incoerente, é no mínimo estranho! Porque continuamos reduzindo fenômenos mentais a ídolos biológicos? Acredito que nesse caso, se trate aqui, apenas de uma questão institucional-científica por sabermos dentro da história das ciências (KUHN, 1950) que infelizmente as comunidades científicas além de arbitrárias e providas de uma pseudoneutralidade, institucionalizam o saber científico enviesando-o dentro de paradigmas e epistemologias que melhor lhe convenham às suas interpretações sobre os fenômenos da realidade. Enquanto o saber científico permanecer restrito a grupos e instituições que dependam da manutenção das estruturas de narrativas para conseguirem se manter enquanto instituições de poder, dificilmente o saber científico, encontrará terreno fértil para se expressar livremente (BORDIEU, 2003).

  Em nossos tempos, entende-se estar estudando a mente a partir da investigação de fenômenos biológicos identificados no cérebro através de correlatos neurais, porém, se contemplarmos a possibilidade dos fenômenos mentais serem anteriores-causais ou interdependentes ao fenômenos biológicos, o objeto em realidade que os neurocientistas   estão estudando, é apenas o cérebro e as correlações desse com contingências psíquicas: emoções, estados de humor e etc; assim como as psicologias como é no caso dos behavioristas que reduz toda a subjetividade das fenomenologias humanas em questões ligadas ao comportamento, podemos pensar que na área onde se deveria estudar a mente humana ou a psique, como é o caso da Psicologia, essa além de não ser investigada, foi desviada a sua atenção para outras coisas, de fato importantes, porém, que não é o estudo da mente em si.

As neurociências e as psicologias que devotam os seus esforços a investigar a chamada: “questão difícil da consciência”, o faz apenas como uma ciência fronteiriça de seu objeto de pesquisa, pois não investigam a mente em si, mas os reflexos dessa em um aparato biológico, o cérebro. Se pensarmos a partir do ponto de vista de James, aonde a psicologia seria a área da ciência que deveria investigar a vida mental, nossa psicologia ainda hoje, quando seu objeto de investigação é o fenômeno mental, se contenta mais em olha-los pelo prisma biológico do que verdadeiramente pelo prisma do observador em primeira pessoa, que contempla a própria mente.

Até mesmo o inconsciente Freudiano, não se aventura à adentrar no debate sobre o que é a natureza da mente, enquanto uma entidade física ou não física, onde passa a investigar essa, se pode dizer aqui, se tratar de fato de uma investigação da mente, pois entendo ser um caso mais de se investigar a fenomenologia do discurso, do que outra coisa, onde se desloca a atenção desse discurso para uma zona de não consciência, “o inconsciente” fruto das nossas autocensuras e auto repressões das nossas pulsões ou desejos recalcados dos quais não podemos socialmente verbaliza-los. Mas olhando bem para esse inconsciente, podemos ver que a investigação dele, é bastante distinta no que diz respeito a investigar a natureza da mente como é proposta William James e pelos Iogues Budistas, através da introspecção contemplativa sobre os próprios fenômenos ligados a nossa mente, pois no segundo caso, nossa atenção não está voltada para o discurso verbal e os fenômenos advindos desse, mas sim, para o silêncio que seria uma instância anterior ao próprio discurso e através desse adentrarmos à contemplação dos fenômenos mentais.  

Podemos dizer que a psicanálise traz uma grande contribuição para a análise do discurso humano, jogando luz a essas regiões “ocultas” ao consciente e aos nossos comportamentos, mas não vai diretamente questionar a fonte da questão sobre o que é de fato a mente humana e suas fenomenologias, nesse sentido, entendo que os Psicanalistas, os Behavioristas e a maior parte dos Neurocientistas, exceto abordagens heterodoxas dentro da psicologia como é o caso da transpessoal ou mesmo alguns estudiosos isolados da neurociência contemplativa, que continuam a investigar a mente humana sobre prismas comportamentais e materialistas, que reduzindo-os a fenômenos estritamente biofísicos, ora não tendo qualquer tipo de interesse em investigar ou se posicionar sobre a questão difícil da consciência ora combatendo qualquer tipo de possibilidade teórico ou mesmo de proposta epistemológica que vá ao encontro da investigação da natureza da mente por vieses não físicos, mas sim fenomenológicos, como é o caso da introspecção meditativa praticada pelos Iogues e da própria neurofenomenologia.

A Psicanálise, assim como as diferentes abordagens dentro das psicologias fenomenológica-existencialista-humanista, não enxergam o homem apenas de um perspectiva físico-biológico, pois consideram a natureza da subjetividade humana como um mundo interior, fértil, criativo e a ser investigado, porém, quando o assunto é ir ao âmago da investigação sobre a natureza da mente humana, é como se as psicologias não se colocassem como James apontava sobre serem a “Ciência da Vida Mental” e ao invés disso, transformamos no que seria uma ciência da vida mental para uma ciência da vida biológica e humana, se pensarmos que quando se estuda a mente pelo viés cognitivo, comportamental e neuro-científico os fenômenos mentais serão interpretados através de fenômenos físico-biológicos e no caso das ciências humanas, terá como principal objetivo compreender as contingências das manifestações da psique dentro de um contexto político-histórico-social-antropológico-cultural e do próprio inconsciente, porém, sem adentrar a natureza das causas da mente em si, nesse sentido, a introspecção-meditativa sob um ponto de vista fenomenológico, poderia trazer grandes contribuições nessa direção.

 Questionar sobre qual é a natureza da mente, assim, como questionar se essa é da ordem da matéria física ou da não matéria física ainda é uma questão que nos compete, porém, para essa crise no paradigma e potencial revolução paradigmática (KUHN, 1950) que está em curso desde o início do século XX com o nascimento da mecânica quântica, caberá a nós se deixaremos protagonizar distintas maneiras epistémicas que temos a disposição para se investigar a natureza da mente e seus  fenômenos correlacionados, ou se do contrário, manteremos uma pálida inquisição epistemológica que assiste apenas a uma ou poucos narrativas que possam protagonizar sobre o assunto.

Fato é que os nossos precedentes históricos desastrosos sobre o uso religioso e dogmático da fé de maneira irreflexiva há base de crenças não experimentadas ou mesmo por métodos espirituais falsos, aonde a sustentação de ideias sobre o mundo espiritual ou sutil era de tamanha desonestidade intelectual e de falta de fundamentação empírica-experimental e científica, que estamos até os dias de hoje, com estas velhas feridas de mais de quatro séculos, aonde por motivos justos de não queremos errar os mesmos erros do passado, tudo aquilo dentro do espectro da ciência, que ouse investigar a realidade a partir de perspectivas espirituais, é má visto e não aprovado, em outras palavras, nos meios acadêmicos e na comunidade científica, o assunto da espiritualidade e de tudo aquilo que soa ser algo no campo do imaterial, é visto como um tabu, algo que não mereça o crédito por parte da comunidade científica. Talvez sejam esses os motivos pelos quais a psicologias que deveria ser a área do saber que iria investigar a mente humana in loco, continua a dar voltas ao redor do tema e a dar passos tímidos, procrastinando o máximo que pode a investigar o que deveria ser investigado.

 

                                                                                                                             @professormichelalves

 

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