Alan Wallace diz:
Em 1960, as limitações de ignorar os
processos mentais estavam se tornando cada vez mais nítidas para os psicólogos
acadêmicos. O novo campo da psicologia cognitiva começou a encarar a
experiência subjetiva com maior seriedade e, desde a ascensão da neurociência
cognitiva nas últimas décadas do século XX, muitas atenção tem sido dada aos
processos cerebrais relacionados com a experiência subjetiva. Foi feito grande
progresso na identificação de partes e funções específicas do cérebro que são
necessárias para a visão, para os demais sentidos físicos e para processos
mentais específicos, como a memória, a emoção e a imaginação. Trata-se de um
meio perfeitamente legítimo de investigar a experiência mental indiretamente,
pois se apoia no vigor de quatrocentos anos de pesquisa científica sobre as
realidades físicas. Mas a verdadeira natureza dos processos mentais em si
permanece tão misteriosa quanto antes. Que ligação existe entre processos
mentais e cerebrais – entre nossas experiências subjetivas e nosso “hardware”
físico? É puramente causal, com os processos cerebrais gerando experiência
subjetiva? Ou os processos mentais e neurais são realmente a mesma coisa,
observada do interior e do exterior? Christof Koch, que trabalha com pesquisa
de ponta sobre correlatos neurais da consciência, comenta a questão: “As
características dos estados cerebrais e dos estados fenomenais parecem muito
diferentes para serem completamente redutíveis uma à outra. Desconfio que a
conexão é mais complexa do que tradicionalmente se imagina. Por ora, é melhor
manter a mente aberta com relação a este assunto e se concentrar em identificar
os correlatos da consciência no cérebro”(WALLACE, 2009).
A
Fala de Christof Koch é uma fala
intelectualmente honesta e ponderada, do ponto de vista científico, ao afirmar
que as características dos estados cerebrais e dos estados mentais parecem ser
distintas para serem redutíveis uma à outra, ao mesmo tempo que se situa por
hora para não nos precipitarmos em concluir o assunto por um viés materialista-mecanicista
ou enviesando-o a um sentido mentalista-espiritualista. Entendo que do ponto de
vista das ciências naturais, ainda nós resta concentrar em identificar os
correlatos neurais da consciência no cérebro, mas em hipótese alguma,
encerrando o assunto com afirmações reducionistas que os fenômenos da mente
como pensamentos, sentimentos, emoções entre outros, só por causa de terem sido
identificadas essas experiências com seus respectivos correlatos neurais, nos
de a prerrogativa de estarmos diante de uma comprovação cabal, para afirmarmos
que estas fenomenologias são subprodutos do cérebro, ou seja, que a sua gênese
se dá apenas e somente por correlações neurais dentro do cérebro.
O
debate é enfadonho, mas ele se resume em uma questão: O cérebro (hardware) é o
gerador das fenomenologias mentais da psique ou não? Se sim, como isso é
possível? Como é possível que a carne gere processos de mente extremamente
sofisticados como os pensamentos e a imaginação? Ou é a mente, uma espécie de
hardware sutil não detectável aos nossos instrumentos de medição e que imputa
informacionais ao cérebro físico e esse, por ser uma “máquina” biológica,
responde aos inputs informacionais da mente, traduzindo-os na matéria biológica
através de movimentos neuroquímicos viajando por redes neurais específicas
dentro do nosso cérebro?
Christof
Koch enquanto neurocientista com experiência profissional, obviamente ele se
apoia naquilo que pratica, a saber, o estudo da neurociência, porém Wallace
diz:
Mas nunca se aprendeu nada sobre a
verdadeira natureza da experiência subjetiva estudando apenas o cérebro. Quando
observamos objetivamente estados cerebrais, eles não exibem nenhuma das
características dos estados mentais, e quando observamos subjetivamente estados
mentais, eles não exibem nenhuma das características de atividade cerebral”
(WALLACE 2009).
Esse
ponto levantado por Alan Wallace é importante a ser pensado, quando estivermos
falando sobre a introspecção meditativa como método epistémico de investigar a
natureza da mente. Quando ele diz que nunca se aprendeu nada sobre a verdadeira
natureza da experiência subjetiva estudando o cérebro, podemos entender que tal
apontamento, apenas reforça que os nossos cientistas ou neurocientistas, em sua
maioria, não praticam a investigação sistemática de sua própria mente através
do exercício da introspecção meditativa (discuto esse assunto com mais
profundidade no artigo: “Os médicos,
psicólogos, psicoterapeutas, terapeutas e os cientistas também deveriam
praticar a introspecção meditativa”) enquanto o único exercício que
empreendem em investigar a mente humana esteja voltado a olhar para o cérebro a
partir de um ponto de vista físico-biológico, em outras palavras, é como se
quiséssemos aprender música ou tocar um instrumento apenas acreditando que ler
sobre o assunto fosse o suficiente para que a inteligência musical penetrasse
para dentro dos nossos cérebros e das nossas habilidades motoras ou vocais
conseguindo isso mediante nenhum tipo de treinamento.
Uma
ideia tão absurda como essa, pode parecer estranha quando o assunto é algo
trivial e corriqueiro como aprender a tocar um instrumento, mas nem tão trivial
é o assunto quando o objeto de nossa investigação é a própria mente humana,
porque para boa parte da população humana, incluindo a comunidade científica, a
prática da introspecção meditativa não é prática rotineira e área de total
desconhecimento epistémico-teórico e técnico, no sentido do último, experimental
e prático da coisa. Podemos afirmar até
certo ponto, que a grande maioria das pessoas são leigas no que diz respeito a
vivenciar em si mesmas a partir desse auto laboratório introspectivo de
investigação da mente e seus fenômenos através do olhar introspectivo em
primeira pessoa que é praticado na rotina de um meditante.
Nessa
perspectiva, estamos diante novamente da contradição explicita entre
materialistas não duais, duais mentalistas e a não dualidade
neurofenomenológia, onde o primeiro investiga a mente como algo material através
de veículos materiais como é o caso da análise dos dados que podem se
identificar a partir das expressões neurais do cérebro ligadas a fenômenos da
consciência vivenciados pelo indivíduo, os dualistas-mentalistas que investigam
a natureza da mente por um viés fenomenológico-humano, vivenciando tais fenômenos
na primeira pessoa através da prática introspectiva, como é o caso das
distintas tradições Iogues Budistas e a não dualidade neurofenomenológica que
compreende que mente e cérebro são instâncias fenomenológicas que não se
reduzem uma a outro, ou seja, uma é produto da outra, mas que ao mesmo tempo,
manifestam-se de forma correlacionada não podendo ser explicadas em sua
totalidade uma vez por se tratar de fenômenos conjugados.
O
que estou defendendo aqui e que o praticante e pesquisador Alan Wallace defende
também é que, se a natureza da mente for de origem não material e portanto essa
ter como instrumento mais apropriado para a investigação de si, o próprio
sujeito humano que vivencia as fenomenologias da mente em sua própria
interioridade, no que diz respeito
aos distintos fenômenos da mente-psique-espírito como é o caso dos pensamentos,
da imaginação, dos sentimentos, das emoções, dos estados de humor, ou seja, os
fenômenos mentais como um todo, onde para isso, a única coisa que estamos
empreendendo a investigar são apenas os enviesados e reduzidos modelos
epistemológicos que procuram entender os fenômenos mentais pelo cérebro a
partir de paradigmas materialista-biológicos e não fazemos nenhum esforço a
partir da introspecção que vivencia em loco a natureza da mente em primeira
pessoa, deixando de lado, portanto, a possibilidade de também contemplarmos os
fenômenos mentais a partir da introspecção-meditativa.
Enquanto James e Wallace diz que a única
coisa que estamos fazendo é não investigar a natureza da mente, por não
estarmos utilizando da introspecção para tais fins, Pierre
Weill diz o seguinte em seu livro; A
consciência cósmica: “Quando se chega ao nível de área fora do
tempo-espaço, verificamos que o único instrumento existente da ciência atual,
não se situa externo ao homem e sim, dentro dele próprio. A investigação fora
da dimensão tempo-espaço, só pode ser feita a partir de função ou funções
existentes no homem”.
Parece
cómico, mas é isso mesmo, enquanto a física investiga os elementos físicos da
natureza, a biologia os elementos biológicos, a química os elementos químicos,
a neurociência investiga fenômenos biológicos e a psicologia quando tem como
objeto de investigação os fenômenos mentais, querem investiga-los reduzindo-os
também a entes biológicos. Isso além de incoerente, é no mínimo estranho! Porque
continuamos reduzindo fenômenos mentais a ídolos biológicos? Acredito que nesse
caso, se trate aqui, apenas de uma questão institucional-científica por
sabermos dentro da história das ciências (KUHN, 1950) que infelizmente as
comunidades científicas além de arbitrárias e providas de uma
pseudoneutralidade, institucionalizam o saber científico enviesando-o dentro de
paradigmas e epistemologias que melhor lhe convenham às suas interpretações
sobre os fenômenos da realidade. Enquanto o saber científico permanecer
restrito a grupos e instituições que dependam da manutenção das estruturas de
narrativas para conseguirem se manter enquanto instituições de poder,
dificilmente o saber científico, encontrará terreno fértil para se expressar
livremente (BORDIEU, 2003).
Em
nossos tempos, entende-se estar estudando a mente a partir da investigação de
fenômenos biológicos identificados no cérebro através de correlatos neurais,
porém, se contemplarmos a possibilidade dos fenômenos mentais serem
anteriores-causais ou interdependentes ao fenômenos biológicos, o objeto em
realidade que os neurocientistas estão estudando,
é apenas o cérebro e as correlações desse com contingências psíquicas: emoções,
estados de humor e etc; assim como as psicologias como é no caso dos
behavioristas que reduz toda a subjetividade das fenomenologias humanas em
questões ligadas ao comportamento, podemos pensar que na área onde se deveria
estudar a mente humana ou a psique, como é o caso da Psicologia, essa além de
não ser investigada, foi desviada a sua atenção para outras coisas, de fato
importantes, porém, que não é o estudo da mente em si.
As neurociências e as psicologias que devotam
os seus esforços a investigar a chamada: “questão difícil da consciência”, o
faz apenas como uma ciência fronteiriça de seu objeto de pesquisa, pois não
investigam a mente em si, mas os reflexos dessa em um aparato biológico, o
cérebro. Se pensarmos a partir do ponto de vista de James, aonde a psicologia
seria a área da ciência que deveria investigar a vida mental, nossa psicologia
ainda hoje, quando seu objeto de investigação é o fenômeno mental, se contenta
mais em olha-los pelo prisma biológico do que verdadeiramente pelo prisma do observador
em primeira pessoa, que contempla a própria mente.
Até mesmo o inconsciente Freudiano, não se
aventura à adentrar no debate sobre o que é a natureza da mente, enquanto uma
entidade física ou não física, onde passa a investigar essa, se pode dizer
aqui, se tratar de fato de uma investigação da mente, pois entendo ser um caso
mais de se investigar a fenomenologia do discurso, do que outra coisa, onde se
desloca a atenção desse discurso para uma zona de não consciência, “o
inconsciente” fruto das nossas autocensuras e auto repressões das nossas
pulsões ou desejos recalcados dos quais não podemos socialmente verbaliza-los.
Mas olhando bem para esse inconsciente, podemos ver que a investigação dele, é
bastante distinta no que diz respeito a investigar a natureza da mente como é
proposta William James e pelos Iogues Budistas, através da introspecção
contemplativa sobre os próprios fenômenos ligados a nossa mente, pois no
segundo caso, nossa atenção não está voltada para o discurso verbal e os
fenômenos advindos desse, mas sim, para o silêncio que seria uma instância
anterior ao próprio discurso e através desse adentrarmos à contemplação dos
fenômenos mentais.
Podemos dizer que a psicanálise traz uma
grande contribuição para a análise do discurso humano, jogando luz a essas
regiões “ocultas” ao consciente e aos nossos comportamentos, mas não vai
diretamente questionar a fonte da questão sobre o que é de fato a mente humana
e suas fenomenologias, nesse sentido, entendo que os Psicanalistas, os
Behavioristas e a maior parte dos Neurocientistas, exceto abordagens
heterodoxas dentro da psicologia como é o caso da transpessoal ou mesmo alguns
estudiosos isolados da neurociência contemplativa, que continuam a investigar a
mente humana sobre prismas comportamentais e materialistas, que reduzindo-os a
fenômenos estritamente biofísicos, ora não tendo qualquer tipo de interesse em
investigar ou se posicionar sobre a questão difícil da consciência ora
combatendo qualquer tipo de possibilidade teórico ou mesmo de proposta
epistemológica que vá ao encontro da investigação da natureza da mente por
vieses não físicos, mas sim fenomenológicos, como é o caso da introspecção
meditativa praticada pelos Iogues e da própria neurofenomenologia.
A Psicanálise, assim como as diferentes
abordagens dentro das psicologias fenomenológica-existencialista-humanista, não
enxergam o homem apenas de um perspectiva físico-biológico, pois consideram a
natureza da subjetividade humana como um mundo interior, fértil, criativo e a
ser investigado, porém, quando o assunto é ir ao âmago da investigação sobre a
natureza da mente humana, é como se as psicologias não se colocassem como James
apontava sobre serem a “Ciência da Vida Mental”
e ao invés disso, transformamos no que seria uma ciência da vida mental para
uma ciência da vida biológica e humana, se pensarmos que quando se estuda a
mente pelo viés cognitivo, comportamental e neuro-científico os fenômenos
mentais serão interpretados através de fenômenos físico-biológicos e no caso
das ciências humanas, terá como principal objetivo compreender as contingências
das manifestações da psique dentro de um contexto
político-histórico-social-antropológico-cultural e do próprio inconsciente,
porém, sem adentrar a natureza das causas da mente em si, nesse sentido, a
introspecção-meditativa sob um ponto de vista fenomenológico, poderia trazer
grandes contribuições nessa direção.
Questionar sobre qual é a natureza da mente, assim, como questionar se essa
é da ordem da matéria física ou da não matéria física ainda é uma questão que
nos compete, porém, para essa crise no paradigma e potencial revolução
paradigmática (KUHN, 1950) que está em curso desde o início do século XX com o
nascimento da mecânica quântica, caberá a nós se deixaremos protagonizar
distintas maneiras epistémicas que temos a disposição para se investigar a
natureza da mente e seus fenômenos
correlacionados, ou se do contrário, manteremos uma pálida inquisição epistemológica
que assiste apenas a uma ou poucos narrativas que possam protagonizar sobre o
assunto.
Fato é que os nossos precedentes históricos
desastrosos sobre o uso religioso e dogmático da fé de maneira irreflexiva há
base de crenças não experimentadas ou mesmo por métodos espirituais falsos,
aonde a sustentação de ideias sobre o mundo espiritual ou sutil era de tamanha
desonestidade intelectual e de falta de fundamentação empírica-experimental e científica,
que estamos até os dias de hoje, com estas velhas feridas de mais de quatro
séculos, aonde por motivos justos de não queremos errar os mesmos erros do
passado, tudo aquilo dentro do espectro da ciência, que ouse investigar a
realidade a partir de perspectivas espirituais, é má visto e não aprovado, em
outras palavras, nos meios acadêmicos e na comunidade científica, o assunto da
espiritualidade e de tudo aquilo que soa ser algo no campo do imaterial, é
visto como um tabu, algo que não mereça o crédito por parte da comunidade
científica. Talvez sejam esses os motivos pelos quais a psicologias que deveria
ser a área do saber que iria investigar a mente humana in loco, continua a dar
voltas ao redor do tema e a dar passos tímidos, procrastinando o máximo que
pode a investigar o que deveria ser investigado.
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