quinta-feira, 27 de julho de 2023

A introspecção-meditativa enquanto método epistemológico para investigar a natureza da mente, vive a condição de um método marginal e negligenciado por uma parte da comunidade científica


 

Alan Wallace diz:

Durante o século passado, o fato de os cientistas cognitivos não terem conseguido conceber nenhum meio rigoroso de observar diretamente realidades mentais levou-os à conclusão similar de que a introspecção não pode ser usada como método científico de investigação. Essa crença, que continua a ser amplamente sustentada por psicólogos e neurocientistas, ainda justifica a exploração da mente por meio de comportamento e atividade cerebral. Mas ao minar o valor da introspecção, ela implicitamente apoia a suposição de que os processos mentais realmente nada mais são que processos cerebrais encarados de uma perspectiva subjetiva. A implicação é que processos cerebrais são reais, mas processos mentais são ilusórios”.

 

Esse é um dos pontos centrais que discutimos até aqui. Se os neurocientistas, psicólogos, psiquiatras ou os cientistas de modo geral, não são versados na prática da introspecção, não a realizaram de maneira suficiente e satisfatória, assim como o fizeram os Iogues, como eles podem afirmar que tal método para investigar a natureza da mente (a introspeção) não funciona ou não está em conformidade aos rigores de uma pesquisa científica sobre a mente?

Não sendo versados no assunto da introspecção e sendo meros amadores sobre o mesmo, afirmar que a introspecção não pode ser usada enquanto uma alternativa metodológica e epistemológica na investigação científica da mente, é além de uma desonestidade intelectual, uma escolha imatura, ansiosa e negligente com relação a estes métodos que não são familiares a essa comunidade científica que exclui tais possibilidades epistémicas enquanto abordagens possíveis para se explicar o fenômeno mental.

 De um ponto de vista lógico, colocamos em desuso, métodos que sabemos não funcionar pela prática que acumulamos com estes, aonde então poderemos afirmar que tal método não deve ser utilizado, uma vez que esse se mostrou ineficaz ao longo das investigações científicas. Se pensarmos na própria história da ciência, é importante que saibamos não só com relação aos modelos epistemológicos que trouxeram contribuições com relação a avanços na investigação científica, mas também que estudemos os métodos que não funcionaram, para que assim, possamos não repetir erros do passado, ou mesmo “reinventar rodas”, no sentido de trazermos uma proposta que nos parece inovadora, mas que devido a nossa falta de pesquisa, incorremos em apresentar propostas que já foram investigadas e na pior das possibilidades, métodos que se mostraram ineficientes com relação a trazer novas contribuições para o objeto estudado. Isso sim, seria um erro grosseiro!

 Mas quando o assunto é a introspecção-meditativa, será que de fato, nós ocidentais esgotamos esse assunto em nossos laboratórios de psicologia e de neurociências? A resposta em mais alto e bom tom é que: mal começamos as investigações nesse campo! Nossos psicólogos e neurocientistas em sua maioria “raras exceções” nem começaram a se quer a praticar métodos introspectivos em primeira pessoa para experimentalmente contemplarem os fenômenos mentais enquanto observadores da própria mente! O desconhecimento geral das comunidades científicas quanto aos métodos que foram prescritos pelas ciências espirituais antigas acerca da natureza da mente é um mundo completo e desconhecido para a maioria dos cientistas de hoje que se colocam a investigar a mente.  

Essa postura negligente por parte da comunidade científica com a relação à introspecção e essa enquanto uma abordagem epistemológica possível para investigar os fenômenos mentais, têm precedentes em outras áreas do conhecimento, como por exemplo, ao vermos uma parte da comunidade psicanalítica afirmar que métodos de hipnose não funcionam tão bem quanto a livre associação Freudiana, pelo fato do próprio Freud ter abandonado a hipnose. Tal afirmação além de uma reflexão superficial e simplista, não me parece muito inteligente do ponto de vista reflexivo, se pensarmos que um método, no caso, a hipnose não foi tão profundamente investigado por Freud, pois ele não se dedicou muitos anos a tal natureza de métodos e ainda sim, afirmarmos que a livre associação é mais funcional comparado a hipnose, quando não se têm um honesto e longo aprofundamento no último.

Como podemos comparar com aquilo que não sabemos profundamente? Freud esgotou o assunto chamado Hipnose? Além dele, quantos mais exploraram profundamente tal assunto, a ponto de esse ter sido colocado por um tempo e até hoje, pela maioria se não de toda a comunidade psicanalítica como uma abordagem relegada ao descrédito e a não funcionalidade terapêutica?

Entre outros exemplos que poderíamos elencar aqui, o quanto perdemos décadas e até séculos, quando somos tomados por conclusões precipitadas, a priori e que não foram devidamente e exaustivamente investigadas, quando simplesmente toda uma comunidade vai aderindo a essa natureza de opiniões simplistas, mas que de alguma forma, manipulam o curso da história delimitando quais narrativas científicas deverão ser creditadas ou não. Infelizmente, assim foi com a introspecção-meditativa que até os dias de hoje, é assunto restrito aos pesquisadores outsiders, heterodoxos e os que até então tinham algum prestígio acadêmico, passam potencialmente a estarem elencados ao time dos pesquisadores marginais que perdem uma grande parte da possibilidade dos recursos direcionados a suas pesquisas não bem vistas.

                                                                                                                          @professormichelalves

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