quinta-feira, 27 de julho de 2023

Estamos em uma encruzilhada quanto a investigação da natureza da mente, o beco sem saída as ciências cognitivas já nos mostrou, agora é a ora de experimentarmos a introspecção-meditativa


Alan Wallace diz:

Os psicólogos continuam a estudar a mente indiretamente, questionando pessoas conscientes e observando seu comportamento. Desse modo, investigam diretamente os efeitos físicos de processos mentais. E os neurocientistas estudam a mente indiretamente, explorando as bases neurais da experiência subjetiva. Dessa maneira, investigam diretamente os correlatos físicos de eventos mentais, que podem ser causas ou efeitos. As disciplinas combinadas da psicologia e da neurociência são agora conhecidas como ciência cognitiva. Se os pesquisadores deste campo limitassem suas pesquisas ao estudo do comportamento e do cérebro, não teriam sequer ideia da existência da experiência subjetiva. O único meio de os experimentadores poderem ter certeza de que existem estados mentais é experimenta-los em si mesmos. Isso prova o valor da insistência de William James de que a introspecção seja plenamente incorporada ao estudo científico da mente”.

 

Novamente aqui, reforçamos a ideia de que o único meio de termos certeza de que existem distintos estados mentais é experimentando-os na primeira pessoa através da introspecção. Estamos chegando ao meu entender, em uma encruzilhada no sentido, de quais caminhos trilharemos com as ciências que se propõem a investigar a natureza da mente. Um caminho já conhecemos, esse no qual a mente e seus estados, são compreendidos de um ponto de vista biológico-neural e detectável por instrumentos de medição ou interpretando os fenômenos mentais subjetivos através da análise do comportamento reduzindo-os a esse, em outras palavras, é como se a mente não existisse e os comportamentos fossem a evidência da sua não existência, não aceitando a possibilidade do contrário, aonde os comportamentos são meros reflexos da expressão da mente, assim como as imagens refletidas na superfície d´água é uma expressão da própria água.

O que não temos como afirmar, é se a mente e suas fenomenologias são de fato provenientes de uma base neural e comportamental! Esse é um caminho científico em curso e conhecido por nós e que do ponto de vista cognitivo, tem os seus benefícios, porém, não encerra a questão do que de fato é a mente em seu sentido fundamental. Pois explicando aspectos biológicos-neurais e comportamentais acerca da mente, até então, continuamos a não encontrar as suas causas, as suas propriedades elementares, e os nexos-causais dos quais explicam a sua origem!  

Investigando a natureza da mente pela perspectiva introspectiva, podemos entender que a maior parte das pessoas, salvo algumas exceções com relação a pacientes psicóticos os pré-psicóticos, aonde nestes casos, a meditação não é em total desencorajada, porém, deve-se ter alguns cuidados específicos devido à grande fragilidade da estrutura de ego desses pacientes, as pessoas em geral com adequada orientação de um mestre ou legítimo professor, pode vir a apreender através de seu próprio laboratório de práticas pessoais, variadas teorias e técnicas meditativas a partir de métodos testados que já foram colocados empiricamente a prova de fogo por centenas de anos por seus praticantes segundo as literaturas Indus e Budistas, como é o caso das práticas de Shamata e de Vipassana supracitadas.  

O praticante de introspecção meditativa ao longo dos anos, empreenderá uma longa jornada de pesquisas sobre a natureza da própria mente contemplando em primeira pessoa, pois a mente enquanto um fenômeno, sabemos ser uma fonte manifesta permanente e inesgotável de estímulos, pois assim a percebemos operando noite e dia em nossas vidas. Além de muitas técnicas aonde se busca estabilizar a própria natureza incessante dos fluxos mentais, como é o caso das práticas de Shamatas. Existem também, as práticas onde o meditante irá investigar os próprios fenômenos mentais compreendendo como ele internamente se relaciona com tais fenômenos e mesmo as investigações mais profundas sobre as origens dos fenômenos mentais que emergem na superfície da consciência, investigando minuciosamente a sua natureza, como é prescrito nas práticas meditativas de Vipassana, Prajana-paramita, Maha-mudra e do Dzochen.  

Utilizarmos a introspecção-meditativa como uma outra alternativa, pensando a nível de um honesto e razoável exercício intelectual, nada mais é do que praticar um distinto caminho epistemológico como forma de investigação da mente humana, não é mesmo? Não, anulando obviamente o caminho tomado pelas ciências cognitivas, devido as suas evidentes contribuições que vem sendo adquiridas se mostrando enquanto um sólido paradigma na condição de ciência comum (KUHN, 1950) e nessa condição acumulando muitas descobertas; mas por qual motivo deixaríamos de enveredar pela introspecção-meditativa enquanto uma outra alternativa epistemológica?

Que o óbvio seja dito, mas nada nos impede de tomar uma segunda via, pelo contrário, é uma promissora abordagem epistémica para a investigação da mente humana, que em detrimento das centenas de anos acumulados por distintos métodos e textos a respeito das práticas introspectivas de meditação, fazem desses um grande campo a ser investigado tanto do ponto de vista teórico quanto de suas implicações práticas se pensarmos em desdobramentos científicos, psicológicos, sociais, educacionais e na saúde.

 Tendo a introspecção enquanto um instrumento a fazer com que o sujeito se enverede pela prática, sendo essa uma alternativa da qual ele possa compreender profundamente a sua própria mente, pensando essa enquanto um ente tão íntimo e óbvio do ponto de vista existencial por convivemos com essa incessantemente, porque deixaríamos de enveredar por um caminho tão promissor e com tantos acúmulos de informações que hoje, felizmente temos acesso?

Ao meu entender, seria novamente um grande desperdício a nível de pesquisa científica e para a humanidade como um todo, continuarmos a dar voltas ou passos tímidos em direção a uma investigação mais objetiva e direta com relação a natureza da mente humana e não adotarmos a introspecção meditativa enquanto uma outra abordagem epistémica para tal fim. Perpetuarmos à investigação da natureza da mente, só a partir de paradigmas materialistas que entendam o cérebro e seu funcionamento neural como progenitor das fenomenologias mentais, mesmo não as comprovando, como é o caso dos pensamentos, imaginação, emoções, entre outros, ou das pesquisas ligadas à análise do comportamento que negligenciam a possibilidade da existência da mente, enquanto um ente real ou anterior a própria manifestação dos comportamentos, nada mais é ao meu entender, que uma condição de cristalização de um determinado paradigma, não permitindo que o mesmo sofra revoluções das quais poderiam romper suas premissas e como consequência reconfigurar uma nova condição de ciência comum (KUHN, 1950).

É importante frisar, que o verdadeiro espírito científico não deveria estar a serviço da hegemonia e institucionalização de um determinado saber mediante convicções pessoais, ideológicas ou interesses particulares de determinados grupos e instituições, e sim, se comprometer com a verdade das evidências e dos fatos dos quais nos deparamos ao longo de nossos investigações, mesmo que essas venham a ruir tudo aquilo que entendíamos ou que de alguma forma poderia nos comprometer a nível particular, como por exemplo, não fazer mais sentido persistir em algo do qual nos devotamos toda a nossa vida, mas que em determinado momento, cheguemos à conclusão que tal empreendimento não merece mais os nossos esforços devido as evidências que nos são apresentadas.

                                                                                                                 @professormichelalves

 

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