Onde
a linguagem e o conceito não alcançam, poderemos ser conduzidos apenas pelo
silêncio
O
nome, mata a coisa
Com
toda certeza, uma das coisas mais difíceis entre a construção de um diálogo ou
uma relação dialética entre a ciência e as práticas espirituais e me refiro
aqui mais especificamente à meditação e de quaisquer fenômenos considerados não
mensuráveis por nenhum tipo de instrumentação, são as diferenças entre as
premissas epistemológicas de se investigar a realidade. Se pensarmos de um
ponto de vista de uma ciência materialista, essa partirá da análise de qualquer
objeto que se venha a investigar, sendo eles densos (objetos materiais) ou
sutis (os pensamentos, a mente, a consciência), da premissa de se utilizar do
intelecto tendo a linguagem como uma forma de nominar as coisas, em outras
palavras, é como se nossa ciência estivesse condenada ao “verbo” no sentido de
dar nome as coisas e a “imagem” no sentido de observar o objeto que se esteja
analisando. Porém, se pensarmos na meditação e na espiritualidade como um todo,
claramente essa também até certa medida, encontra-se “condenada” aos limites do
verbo e da linguagem uma vez que também nos utilizamos da palavra e da escrita
para se referenciar a estas práticas, no entanto, e é o que tenho mais
interesse em trazer aqui, é o fato de nas próprias práticas espirituais e
meditativas essas também abarcarem um “lugar” do “não verbo” da “não imagem” ou
do não incognicível e inexprimível.
Esse
“lugar” onde a linguagem e o intelecto não alcançam, obviamente não é de
interesse de uma “forma de se produzir ciência” por essa ter como base
epistemológica ou investigativa da realidade, falar sobre a própria,
denominando-a, classificando-a, medindo-a e controlando-a. Nesse sentido,
poderíamos pensar que qualquer esforço ao investigar um objeto e chegar a um
ponto que esse é inominável, não faz sentido algum, seria o mesmo que procurar
água em um local que se sabe não ter água.
Essa
condição entre a meditação e determinadas práticas espirituais lidarem com
aquilo que foge aos limites da linguagem, da classificação, da medida e do
controle, faz com que ao meu entender, instala-se esse abismo entre a ciência e
a espiritualidade, salvo, nos experimentos científicos aonde conseguimos aferir
por meios de aparelhos tecnológicos e levantamentos estatísticos algum tipo de
informação (um fato científico) aonde criaremos uma ponte entre ambas, como é
nos casos de usarmos tecnologias para mensurar ocorrências físico-químicas
quando uma pessoa está em profundo estado de transe, meditação, ou estados
ampliados de consciência através de substâncias alucinógenas e outras formas
mais. Esse tipo de ponte é mais cabível, pois não a diferença alguma em relação
a prática científica dominante, pois assim como um dia a ciência investigou
fenômenos físicos ligados a luz (aos campos eletromagnéticos), ela pode mudar o
foco de sua investigação e olhar o que acontece com as redes neurais de um
cérebro enquanto a pessoa dona desse cérebro medita ou vivencia fenômenos
“invisíveis” no escopo de suas práticas espirituais enquanto a monitorem-na.
Em
diferentes tradições da Yoga hinduísta e de escolas Budistas é dito de forma
muito clara que essa mente que classifica e conceitua ela é limitada por si só,
pelo simples ato de conceituar. É como se ao conceituarmos um objeto,
estivéssemos limitando-o aos nossos próprios conceitos. Nos ensinamentos Iogues
de meditação do ponto de vista transcendente, ao referirem-se sobre esse
reconhecimento de nossa natureza fundamental básica inerente, é dito que essa
não é alcançada pelo estudo através dos livros ou pelos nossos processos de
intelectualidade, mas sim compreendendo que os estudos é como se fossem apenas
um caminhar que irá nos conduzir a uma porta, mas que dessa porta em diante,
não se cabe mais o intelecto e a partir daí, a prática é a única coisa que nos
resta a empreender os nossos esforços. Gosto de contemplar essa fala, pois ela nos
abre para o sentido e o convite sobre a contemplação que nem tudo está restrito
ao intelecto sendo que há coisas a se investigar sobre a natureza da nossa
mente, que só o podem através da prática auto-investigativa da mente em si.
Nesse sentido, assim como nas tradições Yogues, as tradições Budistas falando
de forma diferente, compreende que essa chamada “natureza inerente básica” ou
natureza iluminada da mente, também não pode ser completamente investigada pelo
simples intelecto, pois esse é limitado para explorar um terreno, aonde o nome
ou o “verbo” ao invés de ajudar, só nos atrapalharia a perceber aquilo que não
é acessível pelo conceito e linguagem, é como se quanto mais vamos dando nomes
para as coisas, para os objetos de nossos estudos e investigações, conceituando-os,
classificando-os, mais afastamos da experiência direta, é como é dito em um
ditado tradicional taoísta: “o nome mata a coisa”; o matar aqui, é mais no
sentido de nos afastar daquilo que estamos observando por querer restringir a
experiência da observação em classificação definida.
Quantas
possibilidades e espectros de contemplação invisibilizamos e perdemos ao
colocarmos na frente das coisas, a nossa necessidade voraz por classificação
com aquilo que nos deparamos?
É
exatamente nesse ponto que acredito ter uma grande fonte de conflitos
acalorados devido às distorções de um passado em nossa história aonde práticas
religiosas dogmáticas e sectárias utilizavam-se da narrativa de um Deus ou um
estado elevado de espírito que não era acessível a maioria dos seres humanos e
sendo esse estado, ocupado e reservado apenas a um restrito grupo de “Homens
seletos” e que estes seriam os porta-vozes do divino para os reles mortais e
então a partir daí, todos os tipos de manipulações e violências cruéis
objetivas e simbólicas foram praticadas. Acredito que esse possa ser um grande
medo por parte da comunidade científica e para as pessoas lúcidas e críticas
que ao ouvirem algum tipo de narrativa que têm como discurso, um “lugar”
inacessível ao intelecto e à investigação instrumental científica, possam-lhes
causar um entendimento de estarem lidando novamente com um retrocesso histórico
e de práticas que tão veementemente foram questionadas e refutadas ao longo de
nossa história ao combatermos com o simples uso da razão, as diferentes formas
de dogmátismos religiosos que praticavam verdadeiras manipulações cerebrais
para manterem suas instituições de poder em nome de um Deus “mas que não
passavam de interesses humanos”, assim como o fazem até os dias de hoje. Porém,
uma pergunta aqui é cabível! Será que todas as práticas espirituais e
religiosas ao redor da terra ao longo de nossa história civilizatória, tinham
como premissa essa mesma motivação suja das poderosas instituições religiosas
ávidas pelo poder a todo custo?
Pois
bem, como dito no próprio Budadharma quando narra uma passagem aonde o Buda
chega em uma cidade e resolve dar ensinamentos e então é questionado se devem
acreditar em seus ensinamentos pelo fato de outros mestres terem proposto
outros ensinamentos, Buda então diz de forma simples, que eles não precisavam
acreditar em nada e que apenas experimentassem e tirassem a conclusão por eles
mesmos e então, a partir disso, praticassem esses ensinamentos se sentissem que
estes funcionavam, do contrário não. Partindo desse ponto da
auto-experimentação, entendo que a resolução desse conflito é justamente
compreendermos que existe um “lugar de prática” e acessível apenas através
dessa, do qual não conseguimos trazer na dimensão da linguagem do “verbo” a não
ser que vivenciamos a experiência em si na prática. Aqui, podemos pensar, que a
prática Yogue (entendo eu), ela abre um convite para a ciência e para as
pessoas interessadas a descobrirem por meio da auto-investigação meditativa
esse “lugar” do inefável e inexprimível que só potencialmente acessamos através
da prática, lembrando que isso também não é uma garantia como estamos
acostumados ao reproduzirmos experimentos laboratoriais replicáveis, pois
sabemos que quando estudamos textos tradicionais como os Sutras de Patanjâli ou
mesmo textos Budistas Tibetanos como “A Iluminação da Sabedoria Primordial de
Dudjon Riponche”, fica bem claro, que nem todos os praticantes conseguem
acessar ou contemplar aquilo que se é comentando como fruto da prática desses
mestres ou de praticantes mais veteranos sobre tais ensinamentos, é como Lama
Padma Santem se referi ao dizer sobre o caráter auto-secreto por de trás dos
textos budistas, que passam a ser acessados e compreendido os seus
ensinamentos, na medida que o praticante é capaz de alcançar. Esse tipo de
fala, pode soar algo elitista ou antidemocrático, mas compreendo que não seja o
caso aqui, é como se uma pessoa que começasse a tocar piano hoje, ao receber em
mãos uma partitura de uma sonata de Bethoven, é o mais provável e óbvio que ela
não seria capaz de conseguir expressar musicalmente uma obra de grande
complexidade sem ter estudado antes, sendo a performance pianística da obra de
Beethoven, inacessível de ser reproduzida nesse exato momento e contexto, nesse
sentido é que digo ser auto-secreto, porém, se a pessoa passar a praticar o
estudo do instrumento e da leitura da partitura, nada também garante que ela um
dia conseguirá executar, assim como o praticante de meditação tentando nessa
vida realizar a iluminação espiritual, nada temos de garantia, mas pensando que
um dia conseguirá através do treinamento, a execução dessa obra ou a iluminação
espiritual não será então mais secreta para esse estudante, assim é o mesmo com
os praticantes de ensinamentos espirituais profundos aonde o resultado das
práticas das quais esses veem se empenhando, transcendem a própria linguagem
descritiva e um dia talvez, vivenciarão as instâncias para além do conceito,
pois essa é uma tendência para aonde a pratica meditativa conflui.
Compreendo
que os Yogas e os Budismos e todas as práticas que conduzem a esse “lugar
inerente e primordial” partindo do ponto vista desse lugar sempre coexistir
(vou discutir isso em outro texto), entendo, que essas práticas são um convite
para nos interiorizarmos, porém, sempre lembrando da importância de termos uma
motivação clara, do porque estamos empreendendo tais esforços, entendendo clara
aqui, não no sentido de termos o controle de tudo e sabermos exatamente os
processos nos quais estamos alquimizando interiormente através da prática, mas
sim a motivação clara de nossos votos de nossas intenções com a nossa prática.
De um ponto de vista prático e não teórico,
considero que as investigações simbólicas ou subjetivas da vida, foram mais
exitosas pelos Iogues do que pelos cientistas, médicos e psicólogos ocidentais,
pelo fato dos Iogues terem como premissa a auto investigação como base
fundamental para compreender o que se passava em sua natureza interior
(processos emocionais, psíquicos, da consciência e do espírito). Se
aprofundarmos nos conhecimentos gerados pelas “ciências Iogues” tanto das
variadas tradições Iogue-Budistas, Iogue-Taoistas
e Iogue-Induístas, veremos que estes extrapolaram a nossa própria forma de se
praticar o conhecer e o investigar quando afirmam que o próprio ato de
conceituar um fenômeno com a nossa mente e racionalidade, já é uma ato em si
limitado em sua potencialidade, pelo fato de nossa “natureza básica” não estar
limitada a mente-intelectual ao cognoscível e ao cognoscente, ao conhecedor e ao
conhecível, ao observador e ao objeto observado, indo para além da instância de
conhecer, para além de todas essas dualidades, ou polaridades que imprimem em
sua natureza a separação de nossa “natureza básica” que é inexprimível pela
linguagem. Nesse sentido, podemos dizer que através da linguagem podemos falar
sobre algo, mas o fato de falar não nos coloca habilitados a vivenciar aquilo
do que se fala, é semelhante quando nos referimos a compaixão explicando-a,
isso não faz com que ao ouvir ou ler sobre a compaixão, nos tornemos ou sentimo-nos
a compassivos. O ato de conceituar intelectualmente por si só, já é uma forma
de se experienciar a vida de “um lugar” separado. Gosto de pensar que são essas
condições inefáveis que só podem ser compreendidas pela “experiência direta”
através da prática introspectiva ou de outras formas é que são passíveis de
serem investigadas só para aquele(a)s que vivenciaram essa experiência por meio
de sua própria experiência.
No
Budismo Tibetano, há uma mensagem muita clara, onde explica que vivenciamos uma
leitura da realidade a nossa volta a partir de nossos próprios filtros internos
ou das nossas subjetividades, nesse sentido, poderíamos dizer que a realidade
que nos cerca, ela de fato não é a mesma para todos nós pois a partir dos
filtros que cada um projeta sobre a realidade, a realidade é vista e
interpretada a sua própria maneira, então passamos a entender que não existe
uma realidade sendo observada por todos nós, mas um número de realidades igual
ao número de observadores da própria realidade, nesse sentido, independente que
criemos uma convenção ou paradigma para unificarmos os nossos conceitos sobre
as coisas a nossa volta, assim como fazemos em ciência para chegarmos a
constatação de fato um científico, para que entendamos esse como um fato
perceptível comum a todos nós, mesmo que podemos constatar fatos conjuntamente,
a experiência em si é única para cada um, exemplo: eu e você lemos esse texto
ou constatamos fatos científicos de comportamentos da matéria em um
laboratório, mas em nosso íntimo, experimentamos a realidade de maneiras
diferentes devido as nossas construções ou visões internas para se interpretar
os fenômenos internos e externos da vida. Um fato científico replicável podemos
pensar até certo ponto, pois a questionamentos a esse respeito, que ele não
alterará a sua mecânica por causa de nossos diferentes visões sobre o objeto,
porém, mesmo que olhemos para uma mesma situação controlável e reproduzível
experimentalmente, nós a olhamos a partir de perspectivas diferentes, essa é a
liberdade em que a mente opera como os Budistas dizem a milhares de anos.
Conceitos
como “vacuidade” e “coemergência” utilizado na tradição Budista Tibetana,
entendo serem mais apropriados para exemplificar o que está sendo dito acima. A
vacuidade é o entendimento que todas as experiências a nossa volta tendo essas
formas físicas ou sutis como os pensamentos, emoções, sentimentos,
conceitualizações ou qualquer informação dentro do campo ou espectro de nossa
consciência, são vazios por natureza. O que isso quer dizer? Em termos práticos,
se pegarmos um vaso de barro artisticamente ornamentado, pensamos: “nossa que
vaso bonito, bem trabalhado”, ao aferirmos que o vaso é um vaso, já partimos de
uma construção conceitual “um nome dado por uma cultura através da utilização
da linguagem” onde chamamos vaso de vaso, porém, o vaso de barro, em sua
confecção poderia ter sido um quadro de barro ou qualquer outro objeto que
fosse possível de ser feito com os compostos materiais do barro, porém, o ato
de dar nome ao barro é completamente subjetivo e livre, pois esse vai ter o
nome ou ser aquilo que a mente que está por trás de quem manipulou e criou a
peça de barro quisesse que ele fosse chamado ou se tornado enquanto um objeto,
isso é vacuidade, pois a vacuidade é essa liberdade que se percebe da mente
operando sobre as coisas a sua volta e nesse sentido, entendemos que a mente é
livre para criar ou não criar, da mesma forma que ela é livre para conceituar e
analisar os comportamentos a sua volta, sejam esses fenômenos que estão sendo
conceituados “rotulados” por nossa mente no nível denso da matéria, sejam esses
no nível mais sutil dos pensamentos. Essa capacidade com que a nossa mente tem
de realizar as suas análises subjetivas é o processo de liberdade com o qual operamos
com a nossa mente.
A
coemergência é essa experiência subjetiva aonde nenhum de nós experimenta a
realidade à mesma maneira, independente de estarmos aparentemente vendo e
conceituando uma coisa da mesma forma, sob os mesmos pontos de vistas e
paradigmas, utilizando os mesmos nomes, constatando os mesmos fatos. Esse
fenômeno, traz uma amplidão para começarmos a compreender que as instâncias
simbólicas ou não objetivas ou até mesmo não mensuráveis pelos nossos sentidos
sensoriais assim como pelos aparelhos tecnológicos que também implicam-se de
limitações para se observar a realidade, nos abre para um campo de perspectiva
que talvez os nossos instrumentos de análise não consigam de fato, abarcar ou
contemplar o todo do fenômeno em si analisado, pois por mais que nós esforcemos
a nossa apreensão da realidade é limitada pelo simples fato de incessantemente
nos colocarmos a conceituar ou tecer alguma análise sobre a realidade. Sempre
que operamos com a nossa mente com o objetivo de conceituar uma experiência, um
objeto, um fenômeno já estamos o limitando e reduzindo-o ao espectro de
investigação alcançado pelas definições conceituais das quais nos utilizamos. A
experiência direta, não conceitual é mais parecido com que Pierre Weill diz
quando afirma: “Enquanto o cientista observa o elétron, o Iogue se torna o
próprio elétron”, apenas se tornando a própria coisa da qual nós observamos sem
operar de maneira separada entre observador e objeto observado é que podemos
começar a aprender o que essas “ciências Iogues” chamariam de não dualidade.
Estamos
epistemologicamente viciados nas dualidades, ou seja, se algo é real logo
deduzo que algo não é real, “aonde a fumaça a fogo” e por ai vai... assim e
dessa forma, vamos ordenando, separando, organizando e classificando tudo a
nossa volta com essa nossa limitação e frenética necessidade de conceituar
tudo, o que ao meu ver esconde por de trás o nosso medo de nós defrontarmos com
a experiência direta por detrás das coisas e por isso queremos controlar e
estar “conceitualmente” cientes de tudo, mas esse é um outro assunto.
A
compreensão de uma outra forma de se contemplar as “coisas” para além de
polaridades ou dualidades, não é uma maneira de prática ou “modus operandi”
investigativo adotado pela nossa forma de se fazer ciência no ocidente. Como
ensinado nas “ciências práticas de auto-investigação interna” das Yogas e dos
Budismos, compreendemos que até mesmo o ato de conceituar o objeto já torna-se
um processo limitador e restritivo da própria experiência entre observador e
objeto observado. Nesse sentido poderíamos dizer que as ciências da
auto-investigação chegaram a uma “outra forma de abordagem” aonde compreende-se
um outro campo de investigações dos quais nos ainda nem nos damos conta de sua
existência que seria o campo do não mental ou não intelectual, aonde nesse
campo qualquer tentativa de conceituação ou racionalização seria apenas uma frustrada tentativa de
explicar algo que é de natureza não conceitual. Porém, quando dizemos
que é inexplicável não estamos querendo dizer que tenhamos que acreditar como
uma forma de uma fé cega, arraigada em dogmas cristalizados, estamos falando
aqui de algo de natureza inefável mas que é passível de ser experimentado e
investigado através de nossos próprios recursos internos como os das práticas
de introspecção meditativas.
Esse
“lugar” que não é explicável mas é passível de ser investigado pela própria
prática meditativa, entendo ser uma forma de se promover investigações que partem
do sujeito com ele mesmo (do seu contexto, aonde ele está), só a partir daqui,
tendo vários experimentadores dessas práticas é que podemos criar um corpo
crítico de informações que surgem das subjetividades de cada praticante e a
partir delas construímos um olhar comum ou não, um fato científico reprodutivo ou
não externamente, mas reprodutivo internamente, aonde podemos dialogar através
das nossas próprias experiências. Parte dos conhecimentos edificados para não
dizer quase todos, pelas Yogas e pelos Budismos tiveram essa forma
“metodológica” de nascimento. É muito comum vermos esse tipo de situação,
quando um praticante novato de meditação vivencia uma série de fenômenos
internos e ao perguntar ao seu professor(a), esse por também já ter vivenciado
o mesmo fenômeno internamente, sabe exatamente o que se passa com seu aluno e
do que este está falando. Nesse sentido, gosto de explicar para os meus alunos
que isso se trata de um tipo de linguagem velada ou autosecreta, mas que é
passível de ser reproduzida a partir do momento que nos colocamos a praticar e
a estabelecer uma relação dialética ou de troca com aqueles que praticam e
principalmente com aqueles que já trilharam os caminhos que estamos começando a
trilhar, ou seja, um professor (a) que verdadeiramente seja um praticante
também.
Esse
tipo de abordagem é passível de construir fatos científicos pois a partir de
determinados conhecimentos compilados, construímos um percurso de informações
que levam a resultados específicos. Vou dar um exemplo: nas diferentes tradições
yogues, existe uma palavra chamada “samadhi” que pode ser entendida como um
processo de “absorção cognitiva” aonde através dessa absorção, perceba-se um
silenciar da mente, aonde identificamos a culminância desse estado através de
pequenos hiatos ou extensão de silêncios maiores entre o surgimento de um
pensamento e outro. Esse silenciar gradativo dos fluxos mentais entre um
pensamento e outro, podem ser conquistados através de práticas disciplinadas de
meditação e outras formas mais de prática, somado a todo um processo de
auto-invetigação aonde através desse, vamos descobrindo às causas das fontes de
sofrimentos que criamos para nós mesmos e para os outros e todo esse processo
sendo “iluminados” por compreensão e lucidez, em dado momento, é possível que
na prática (sadhana) de um sujeito, poderá existir a culminância dessa
experiência do silenciar total dos fluxos de informações na mente chamado de
samadhi. O samadhi também é vivenciado de maneira espontânea e natural, por
entendermos que essa condição de absorção cognitiva ser um estado intrínseco ao
sujeito, mas prefiro debruçar sobre esse assunto em um outro momento.
Quando
falamos da existência dessa experiência de culminância aonde de fato se
experiência uma forma de “não pensar em mais nada” em ficarmos absortos por um
tempo nesse silêncio mental (samadhi), sabe-se que isso é um fato consequente a
determinadas práticas. O samadhi assim como outros experiências identificadas
pelos Iogues, nos revela essa forma interior de ter acesso a um determinado
tipo de experiência que podemos entender como um fato e que podemos chamar sim
de científico por ser reprodutível por outros praticantes a partir de algumas
instruções específicas, embora, nem todos conseguirão reproduzi-la. Mesmo que
esse tipo de experiência não seja observável em laboratórios por uma questão
óbvia de seu objeto de experimento ser o próprio silêncio e o meditante que
contempla a cessação dos seus fluxos mentais que culminam em um tipo de
samadhi, esses experimentos práticos são passíveis de serem repetidos e entendo
por isso construir uma espécie de ciência interna auto persuasiva. Colocar isso
em um patamar de ciência é devido ao fato que da mesma forma como a ciência
necessita de fatos científicos para comprovar teorias e hipóteses, o praticante
de meditação e de práticas espirituais “sutis” ao seguir determinados “roteiros
de práticas” que falam de forma detalhada de seus resultados e o praticante as
consegue reproduzir em seu próprio laboratório interno de prática, esse também
passa a ter como constatação, um fato e por isso, pode-se entender tal prática
como científica também.
Existe
uma dificuldade intrínseca tanto do ponto de vista histórico e epistemológico,
de encararmos como realidade ou um fato científico uma condição não objetiva e
não investigável através do uso da linguagem e da condição natural em
conceituarmos o objeto sobre o qual estamos investigando. Essa é a problemática
em questão! Toda essa dificuldade, é natural que ela crie por parte da
comunidade científica e do público mais instruído e crítico um certo
desconforto e até mesmo um certo receio se não estaríamos adentrando numa
espécie de retrocesso por parte da ciência, ao abrirmos portas para pensarmos
nessa possibilidade de considerarmos o elencar de algo como objeto passível de investigação
científica que transcenda a linguagem e o próprio ato de conceituar, isso seria
o mesmo que investigarmos um objeto sem poder defini-lo e é justamente nessa
instância da não definição, da não conceituação, da não limitação, do não
controle que preparamos o nosso espirito para investigar a nossa mente e a
nossa consciência através das práticas meditativas.
Gostaria
de deixar explícito o entendimento que a ciência enquanto papel de investigar a
realidade e descobrir os fatos por detrás do tecido desta, inexoravelmente terá
a linguagem como forma de comunicação pois do contrário, se não fosse a
linguagem em nenhum tipo de forma e expressão, nunca escreveríamos esse próprio
texto e discutiríamos até mesmo aquilo que transcende a própria linguagem. A aparente
contradição explícita nesse artigo, é o fato de olharmos para um suposto campo
insondável pela linguagem, mas passível de ser vivenciado pela prática
meditativa ou práticas espirituais, ao mesmo tempo que nos esforçamos em
falarmos sobre isso olhando para essa instância enquanto “modus operandi” e epistemológia
em se fazer ciência. Pois bem, na realidade não existe uma contradição aqui,
pois uma coisa é a esfera da ciência e da linguagem que através da última
informará os seus achados e outra esfera é um convite aberto e honesto
intelectualmente falando de experimentarmos práticas especificas (no caso a
meditação aqui) para contemplarmos instâncias que diz respeito a nossa mente e
consciência que são limitadas as classificações intelectuais, restritas
naturalmente pela condição de precisarmos conceituar algo com um nome e
perdemos a experiência direta daquilo que vivenciamos com a práticas em si.
Entendo que em linhas gerais, é como fazermos um convite a ciência da vivência
e só depois de disso, iremos praticar a ciência da classificação através da
linguagem.
É
importante que fique claro aqui, que não estamos questionando o caráter objeto
de uma investigação no nível da matéria grosseira como observar o comportamento
de um elemento químico, mas sim dos aspectos que tange ao funcionamento da
própria mente e consciência definindo-as como nossos objetos de pesquisa. Compreendo
que essa barreira e dificuldade aconteça, por ainda não experimentarmos
devidamente a meditação como os Iogues das variadas tradições nos deixaram de
herança seus conhecimentos, porém, quanto mais o ocidente e as formas de se
investigar e experimentar o labor científico, compreenderem a possibilidade de
sondarmos o aspecto não conceitual por detrás do tecido da mente e consciência como
até então conhecemos, mais poderemos entrar em um novo tipo de terreno, que do
contrário de nossa ciência, já foi muito investigado pelos praticantes da
espiritualidade ao redor do mundo.
@professormichelalves

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