sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Aonde a linguagem e o conceito não alcançam, poderemos ser conduzidos apenas pelo silêncio


Onde a linguagem e o conceito não alcançam, poderemos ser conduzidos apenas pelo silêncio

O nome, mata a coisa

 

Com toda certeza, uma das coisas mais difíceis entre a construção de um diálogo ou uma relação dialética entre a ciência e as práticas espirituais e me refiro aqui mais especificamente à meditação e de quaisquer fenômenos considerados não mensuráveis por nenhum tipo de instrumentação, são as diferenças entre as premissas epistemológicas de se investigar a realidade. Se pensarmos de um ponto de vista de uma ciência materialista, essa partirá da análise de qualquer objeto que se venha a investigar, sendo eles densos (objetos materiais) ou sutis (os pensamentos, a mente, a consciência), da premissa de se utilizar do intelecto tendo a linguagem como uma forma de nominar as coisas, em outras palavras, é como se nossa ciência estivesse condenada ao “verbo” no sentido de dar nome as coisas e a “imagem” no sentido de observar o objeto que se esteja analisando. Porém, se pensarmos na meditação e na espiritualidade como um todo, claramente essa também até certa medida, encontra-se “condenada” aos limites do verbo e da linguagem uma vez que também nos utilizamos da palavra e da escrita para se referenciar a estas práticas, no entanto, e é o que tenho mais interesse em trazer aqui, é o fato de nas próprias práticas espirituais e meditativas essas também abarcarem um “lugar” do “não verbo” da “não imagem” ou do não incognicível e inexprimível.

Esse “lugar” onde a linguagem e o intelecto não alcançam, obviamente não é de interesse de uma “forma de se produzir ciência” por essa ter como base epistemológica ou investigativa da realidade, falar sobre a própria, denominando-a, classificando-a, medindo-a e controlando-a. Nesse sentido, poderíamos pensar que qualquer esforço ao investigar um objeto e chegar a um ponto que esse é inominável, não faz sentido algum, seria o mesmo que procurar água em um local que se sabe não ter água.

Essa condição entre a meditação e determinadas práticas espirituais lidarem com aquilo que foge aos limites da linguagem, da classificação, da medida e do controle, faz com que ao meu entender, instala-se esse abismo entre a ciência e a espiritualidade, salvo, nos experimentos científicos aonde conseguimos aferir por meios de aparelhos tecnológicos e levantamentos estatísticos algum tipo de informação (um fato científico) aonde criaremos uma ponte entre ambas, como é nos casos de usarmos tecnologias para mensurar ocorrências físico-químicas quando uma pessoa está em profundo estado de transe, meditação, ou estados ampliados de consciência através de substâncias alucinógenas e outras formas mais. Esse tipo de ponte é mais cabível, pois não a diferença alguma em relação a prática científica dominante, pois assim como um dia a ciência investigou fenômenos físicos ligados a luz (aos campos eletromagnéticos), ela pode mudar o foco de sua investigação e olhar o que acontece com as redes neurais de um cérebro enquanto a pessoa dona desse cérebro medita ou vivencia fenômenos “invisíveis” no escopo de suas práticas espirituais enquanto a monitorem-na.  

Em diferentes tradições da Yoga hinduísta e de escolas Budistas é dito de forma muito clara que essa mente que classifica e conceitua ela é limitada por si só, pelo simples ato de conceituar. É como se ao conceituarmos um objeto, estivéssemos limitando-o aos nossos próprios conceitos. Nos ensinamentos Iogues de meditação do ponto de vista transcendente, ao referirem-se sobre esse reconhecimento de nossa natureza fundamental básica inerente, é dito que essa não é alcançada pelo estudo através dos livros ou pelos nossos processos de intelectualidade, mas sim compreendendo que os estudos é como se fossem apenas um caminhar que irá nos conduzir a uma porta, mas que dessa porta em diante, não se cabe mais o intelecto e a partir daí, a prática é a única coisa que nos resta a empreender os nossos esforços. Gosto de contemplar essa fala, pois ela nos abre para o sentido e o convite sobre a contemplação que nem tudo está restrito ao intelecto sendo que há coisas a se investigar sobre a natureza da nossa mente, que só o podem através da prática auto-investigativa da mente em si. Nesse sentido, assim como nas tradições Yogues, as tradições Budistas falando de forma diferente, compreende que essa chamada “natureza inerente básica” ou natureza iluminada da mente, também não pode ser completamente investigada pelo simples intelecto, pois esse é limitado para explorar um terreno, aonde o nome ou o “verbo” ao invés de ajudar, só nos atrapalharia a perceber aquilo que não é acessível pelo conceito e linguagem, é como se quanto mais vamos dando nomes para as coisas, para os objetos de nossos estudos e investigações, conceituando-os, classificando-os, mais afastamos da experiência direta, é como é dito em um ditado tradicional taoísta: “o nome mata a coisa”; o matar aqui, é mais no sentido de nos afastar daquilo que estamos observando por querer restringir a experiência da observação em classificação definida.

Quantas possibilidades e espectros de contemplação invisibilizamos e perdemos ao colocarmos na frente das coisas, a nossa necessidade voraz por classificação com aquilo que nos deparamos? 

É exatamente nesse ponto que acredito ter uma grande fonte de conflitos acalorados devido às distorções de um passado em nossa história aonde práticas religiosas dogmáticas e sectárias utilizavam-se da narrativa de um Deus ou um estado elevado de espírito que não era acessível a maioria dos seres humanos e sendo esse estado, ocupado e reservado apenas a um restrito grupo de “Homens seletos” e que estes seriam os porta-vozes do divino para os reles mortais e então a partir daí, todos os tipos de manipulações e violências cruéis objetivas e simbólicas foram praticadas. Acredito que esse possa ser um grande medo por parte da comunidade científica e para as pessoas lúcidas e críticas que ao ouvirem algum tipo de narrativa que têm como discurso, um “lugar” inacessível ao intelecto e à investigação instrumental científica, possam-lhes causar um entendimento de estarem lidando novamente com um retrocesso histórico e de práticas que tão veementemente foram questionadas e refutadas ao longo de nossa história ao combatermos com o simples uso da razão, as diferentes formas de dogmátismos religiosos que praticavam verdadeiras manipulações cerebrais para manterem suas instituições de poder em nome de um Deus “mas que não passavam de interesses humanos”, assim como o fazem até os dias de hoje. Porém, uma pergunta aqui é cabível! Será que todas as práticas espirituais e religiosas ao redor da terra ao longo de nossa história civilizatória, tinham como premissa essa mesma motivação suja das poderosas instituições religiosas ávidas pelo poder a todo custo?

Pois bem, como dito no próprio Budadharma quando narra uma passagem aonde o Buda chega em uma cidade e resolve dar ensinamentos e então é questionado se devem acreditar em seus ensinamentos pelo fato de outros mestres terem proposto outros ensinamentos, Buda então diz de forma simples, que eles não precisavam acreditar em nada e que apenas experimentassem e tirassem a conclusão por eles mesmos e então, a partir disso, praticassem esses ensinamentos se sentissem que estes funcionavam, do contrário não. Partindo desse ponto da auto-experimentação, entendo que a resolução desse conflito é justamente compreendermos que existe um “lugar de prática” e acessível apenas através dessa, do qual não conseguimos trazer na dimensão da linguagem do “verbo” a não ser que vivenciamos a experiência em si na prática. Aqui, podemos pensar, que a prática Yogue (entendo eu), ela abre um convite para a ciência e para as pessoas interessadas a descobrirem por meio da auto-investigação meditativa esse “lugar” do inefável e inexprimível que só potencialmente acessamos através da prática, lembrando que isso também não é uma garantia como estamos acostumados ao reproduzirmos experimentos laboratoriais replicáveis, pois sabemos que quando estudamos textos tradicionais como os Sutras de Patanjâli ou mesmo textos Budistas Tibetanos como “A Iluminação da Sabedoria Primordial de Dudjon Riponche”, fica bem claro, que nem todos os praticantes conseguem acessar ou contemplar aquilo que se é comentando como fruto da prática desses mestres ou de praticantes mais veteranos sobre tais ensinamentos, é como Lama Padma Santem se referi ao dizer sobre o caráter auto-secreto por de trás dos textos budistas, que passam a ser acessados e compreendido os seus ensinamentos, na medida que o praticante é capaz de alcançar. Esse tipo de fala, pode soar algo elitista ou antidemocrático, mas compreendo que não seja o caso aqui, é como se uma pessoa que começasse a tocar piano hoje, ao receber em mãos uma partitura de uma sonata de Bethoven, é o mais provável e óbvio que ela não seria capaz de conseguir expressar musicalmente uma obra de grande complexidade sem ter estudado antes, sendo a performance pianística da obra de Beethoven, inacessível de ser reproduzida nesse exato momento e contexto, nesse sentido é que digo ser auto-secreto, porém, se a pessoa passar a praticar o estudo do instrumento e da leitura da partitura, nada também garante que ela um dia conseguirá executar, assim como o praticante de meditação tentando nessa vida realizar a iluminação espiritual, nada temos de garantia, mas pensando que um dia conseguirá através do treinamento, a execução dessa obra ou a iluminação espiritual não será então mais secreta para esse estudante, assim é o mesmo com os praticantes de ensinamentos espirituais profundos aonde o resultado das práticas das quais esses veem se empenhando, transcendem a própria linguagem descritiva e um dia talvez, vivenciarão as instâncias para além do conceito, pois essa é uma tendência para aonde a pratica meditativa conflui.

Compreendo que os Yogas e os Budismos e todas as práticas que conduzem a esse “lugar inerente e primordial” partindo do ponto vista desse lugar sempre coexistir (vou discutir isso em outro texto), entendo, que essas práticas são um convite para nos interiorizarmos, porém, sempre lembrando da importância de termos uma motivação clara, do porque estamos empreendendo tais esforços, entendendo clara aqui, não no sentido de termos o controle de tudo e sabermos exatamente os processos nos quais estamos alquimizando interiormente através da prática, mas sim a motivação clara de nossos votos de nossas intenções com a nossa prática.

De um ponto de vista prático e não teórico, considero que as investigações simbólicas ou subjetivas da vida, foram mais exitosas pelos Iogues do que pelos cientistas, médicos e psicólogos ocidentais, pelo fato dos Iogues terem como premissa a auto investigação como base fundamental para compreender o que se passava em sua natureza interior (processos emocionais, psíquicos, da consciência e do espírito). Se aprofundarmos nos conhecimentos gerados pelas “ciências Iogues” tanto das variadas tradições  Iogue-Budistas, Iogue-Taoistas e Iogue-Induístas, veremos que estes extrapolaram a nossa própria forma de se praticar o conhecer e o investigar quando afirmam que o próprio ato de conceituar um fenômeno com a nossa mente e racionalidade, já é uma ato em si limitado em sua potencialidade, pelo fato de nossa “natureza básica” não estar limitada a mente-intelectual ao cognoscível e ao cognoscente, ao conhecedor e ao conhecível, ao observador e ao objeto observado, indo para além da instância de conhecer, para além de todas essas dualidades, ou polaridades que imprimem em sua natureza a separação de nossa “natureza básica” que é inexprimível pela linguagem. Nesse sentido, podemos dizer que através da linguagem podemos falar sobre algo, mas o fato de falar não nos coloca habilitados a vivenciar aquilo do que se fala, é semelhante quando nos referimos a compaixão explicando-a, isso não faz com que ao ouvir ou ler sobre a compaixão, nos tornemos ou sentimo-nos a compassivos. O ato de conceituar intelectualmente por si só, já é uma forma de se experienciar a vida de “um lugar” separado. Gosto de pensar que são essas condições inefáveis que só podem ser compreendidas pela “experiência direta” através da prática introspectiva ou de outras formas é que são passíveis de serem investigadas só para aquele(a)s que vivenciaram essa experiência por meio de sua própria experiência.

No Budismo Tibetano, há uma mensagem muita clara, onde explica que vivenciamos uma leitura da realidade a nossa volta a partir de nossos próprios filtros internos ou das nossas subjetividades, nesse sentido, poderíamos dizer que a realidade que nos cerca, ela de fato não é a mesma para todos nós pois a partir dos filtros que cada um projeta sobre a realidade, a realidade é vista e interpretada a sua própria maneira, então passamos a entender que não existe uma realidade sendo observada por todos nós, mas um número de realidades igual ao número de observadores da própria realidade, nesse sentido, independente que criemos uma convenção ou paradigma para unificarmos os nossos conceitos sobre as coisas a nossa volta, assim como fazemos em ciência para chegarmos a constatação de fato um científico, para que entendamos esse como um fato perceptível comum a todos nós, mesmo que podemos constatar fatos conjuntamente, a experiência em si é única para cada um, exemplo: eu e você lemos esse texto ou constatamos fatos científicos de comportamentos da matéria em um laboratório, mas em nosso íntimo, experimentamos a realidade de maneiras diferentes devido as nossas construções ou visões internas para se interpretar os fenômenos internos e externos da vida. Um fato científico replicável podemos pensar até certo ponto, pois a questionamentos a esse respeito, que ele não alterará a sua mecânica por causa de nossos diferentes visões sobre o objeto, porém, mesmo que olhemos para uma mesma situação controlável e reproduzível experimentalmente, nós a olhamos a partir de perspectivas diferentes, essa é a liberdade em que a mente opera como os Budistas dizem a milhares de anos.  

Conceitos como “vacuidade” e “coemergência” utilizado na tradição Budista Tibetana, entendo serem mais apropriados para exemplificar o que está sendo dito acima. A vacuidade é o entendimento que todas as experiências a nossa volta tendo essas formas físicas ou sutis como os pensamentos, emoções, sentimentos, conceitualizações ou qualquer informação dentro do campo ou espectro de nossa consciência, são vazios por natureza. O que isso quer dizer? Em termos práticos, se pegarmos um vaso de barro artisticamente ornamentado, pensamos: “nossa que vaso bonito, bem trabalhado”, ao aferirmos que o vaso é um vaso, já partimos de uma construção conceitual “um nome dado por uma cultura através da utilização da linguagem” onde chamamos vaso de vaso, porém, o vaso de barro, em sua confecção poderia ter sido um quadro de barro ou qualquer outro objeto que fosse possível de ser feito com os compostos materiais do barro, porém, o ato de dar nome ao barro é completamente subjetivo e livre, pois esse vai ter o nome ou ser aquilo que a mente que está por trás de quem manipulou e criou a peça de barro quisesse que ele fosse chamado ou se tornado enquanto um objeto, isso é vacuidade, pois a vacuidade é essa liberdade que se percebe da mente operando sobre as coisas a sua volta e nesse sentido, entendemos que a mente é livre para criar ou não criar, da mesma forma que ela é livre para conceituar e analisar os comportamentos a sua volta, sejam esses fenômenos que estão sendo conceituados “rotulados” por nossa mente no nível denso da matéria, sejam esses no nível mais sutil dos pensamentos. Essa capacidade com que a nossa mente tem de realizar as suas análises subjetivas é o processo de liberdade com o qual operamos com a nossa mente.

A coemergência é essa experiência subjetiva aonde nenhum de nós experimenta a realidade à mesma maneira, independente de estarmos aparentemente vendo e conceituando uma coisa da mesma forma, sob os mesmos pontos de vistas e paradigmas, utilizando os mesmos nomes, constatando os mesmos fatos. Esse fenômeno, traz uma amplidão para começarmos a compreender que as instâncias simbólicas ou não objetivas ou até mesmo não mensuráveis pelos nossos sentidos sensoriais assim como pelos aparelhos tecnológicos que também implicam-se de limitações para se observar a realidade, nos abre para um campo de perspectiva que talvez os nossos instrumentos de análise não consigam de fato, abarcar ou contemplar o todo do fenômeno em si analisado, pois por mais que nós esforcemos a nossa apreensão da realidade é limitada pelo simples fato de incessantemente nos colocarmos a conceituar ou tecer alguma análise sobre a realidade. Sempre que operamos com a nossa mente com o objetivo de conceituar uma experiência, um objeto, um fenômeno já estamos o limitando e reduzindo-o ao espectro de investigação alcançado pelas definições conceituais das quais nos utilizamos. A experiência direta, não conceitual é mais parecido com que Pierre Weill diz quando afirma: “Enquanto o cientista observa o elétron, o Iogue se torna o próprio elétron”, apenas se tornando a própria coisa da qual nós observamos sem operar de maneira separada entre observador e objeto observado é que podemos começar a aprender o que essas “ciências Iogues” chamariam de não dualidade.

Estamos epistemologicamente viciados nas dualidades, ou seja, se algo é real logo deduzo que algo não é real, “aonde a fumaça a fogo” e por ai vai... assim e dessa forma, vamos ordenando, separando, organizando e classificando tudo a nossa volta com essa nossa limitação e frenética necessidade de conceituar tudo, o que ao meu ver esconde por de trás o nosso medo de nós defrontarmos com a experiência direta por detrás das coisas e por isso queremos controlar e estar “conceitualmente” cientes de tudo, mas esse é um outro assunto.

A compreensão de uma outra forma de se contemplar as “coisas” para além de polaridades ou dualidades, não é uma maneira de prática ou “modus operandi” investigativo adotado pela nossa forma de se fazer ciência no ocidente. Como ensinado nas “ciências práticas de auto-investigação interna” das Yogas e dos Budismos, compreendemos que até mesmo o ato de conceituar o objeto já torna-se um processo limitador e restritivo da própria experiência entre observador e objeto observado. Nesse sentido poderíamos dizer que as ciências da auto-investigação chegaram a uma “outra forma de abordagem” aonde compreende-se um outro campo de investigações dos quais nos ainda nem nos damos conta de sua existência que seria o campo do não mental ou não intelectual, aonde nesse campo qualquer tentativa de conceituação ou racionalização seria apenas uma frustrada tentativa de explicar algo que é de natureza não conceitual. Porém, quando dizemos que é inexplicável não estamos querendo dizer que tenhamos que acreditar como uma forma de uma fé cega, arraigada em dogmas cristalizados, estamos falando aqui de algo de natureza inefável mas que é passível de ser experimentado e investigado através de nossos próprios recursos internos como os das práticas de introspecção meditativas.

Esse “lugar” que não é explicável mas é passível de ser investigado pela própria prática meditativa, entendo ser uma forma de se promover investigações que partem do sujeito com ele mesmo (do seu contexto, aonde ele está), só a partir daqui, tendo vários experimentadores dessas práticas é que podemos criar um corpo crítico de informações que surgem das subjetividades de cada praticante e a partir delas construímos um olhar comum ou não, um fato científico reprodutivo ou não externamente, mas reprodutivo internamente, aonde podemos dialogar através das nossas próprias experiências. Parte dos conhecimentos edificados para não dizer quase todos, pelas Yogas e pelos Budismos tiveram essa forma “metodológica” de nascimento. É muito comum vermos esse tipo de situação, quando um praticante novato de meditação vivencia uma série de fenômenos internos e ao perguntar ao seu professor(a), esse por também já ter vivenciado o mesmo fenômeno internamente, sabe exatamente o que se passa com seu aluno e do que este está falando. Nesse sentido, gosto de explicar para os meus alunos que isso se trata de um tipo de linguagem velada ou autosecreta, mas que é passível de ser reproduzida a partir do momento que nos colocamos a praticar e a estabelecer uma relação dialética ou de troca com aqueles que praticam e principalmente com aqueles que já trilharam os caminhos que estamos começando a trilhar, ou seja, um professor (a) que verdadeiramente seja um praticante também.

Esse tipo de abordagem é passível de construir fatos científicos pois a partir de determinados conhecimentos compilados, construímos um percurso de informações que levam a resultados específicos. Vou dar um exemplo: nas diferentes tradições yogues, existe uma palavra chamada “samadhi” que pode ser entendida como um processo de “absorção cognitiva” aonde através dessa absorção, perceba-se um silenciar da mente, aonde identificamos a culminância desse estado através de pequenos hiatos ou extensão de silêncios maiores entre o surgimento de um pensamento e outro. Esse silenciar gradativo dos fluxos mentais entre um pensamento e outro, podem ser conquistados através de práticas disciplinadas de meditação e outras formas mais de prática, somado a todo um processo de auto-invetigação aonde através desse, vamos descobrindo às causas das fontes de sofrimentos que criamos para nós mesmos e para os outros e todo esse processo sendo “iluminados” por compreensão e lucidez, em dado momento, é possível que na prática (sadhana) de um sujeito, poderá existir a culminância dessa experiência do silenciar total dos fluxos de informações na mente chamado de samadhi. O samadhi também é vivenciado de maneira espontânea e natural, por entendermos que essa condição de absorção cognitiva ser um estado intrínseco ao sujeito, mas prefiro debruçar sobre esse assunto em um outro momento.

Quando falamos da existência dessa experiência de culminância aonde de fato se experiência uma forma de “não pensar em mais nada” em ficarmos absortos por um tempo nesse silêncio mental (samadhi), sabe-se que isso é um fato consequente a determinadas práticas. O samadhi assim como outros experiências identificadas pelos Iogues, nos revela essa forma interior de ter acesso a um determinado tipo de experiência que podemos entender como um fato e que podemos chamar sim de científico por ser reprodutível por outros praticantes a partir de algumas instruções específicas, embora, nem todos conseguirão reproduzi-la. Mesmo que esse tipo de experiência não seja observável em laboratórios por uma questão óbvia de seu objeto de experimento ser o próprio silêncio e o meditante que contempla a cessação dos seus fluxos mentais que culminam em um tipo de samadhi, esses experimentos práticos são passíveis de serem repetidos e entendo por isso construir uma espécie de ciência interna auto persuasiva. Colocar isso em um patamar de ciência é devido ao fato que da mesma forma como a ciência necessita de fatos científicos para comprovar teorias e hipóteses, o praticante de meditação e de práticas espirituais “sutis” ao seguir determinados “roteiros de práticas” que falam de forma detalhada de seus resultados e o praticante as consegue reproduzir em seu próprio laboratório interno de prática, esse também passa a ter como constatação, um fato e por isso, pode-se entender tal prática como científica também.

Existe uma dificuldade intrínseca tanto do ponto de vista histórico e epistemológico, de encararmos como realidade ou um fato científico uma condição não objetiva e não investigável através do uso da linguagem e da condição natural em conceituarmos o objeto sobre o qual estamos investigando. Essa é a problemática em questão! Toda essa dificuldade, é natural que ela crie por parte da comunidade científica e do público mais instruído e crítico um certo desconforto e até mesmo um certo receio se não estaríamos adentrando numa espécie de retrocesso por parte da ciência, ao abrirmos portas para pensarmos nessa possibilidade de considerarmos o elencar de algo como objeto passível de investigação científica que transcenda a linguagem e o próprio ato de conceituar, isso seria o mesmo que investigarmos um objeto sem poder defini-lo e é justamente nessa instância da não definição, da não conceituação, da não limitação, do não controle que preparamos o nosso espirito para investigar a nossa mente e a nossa consciência através das práticas meditativas.

Gostaria de deixar explícito o entendimento que a ciência enquanto papel de investigar a realidade e descobrir os fatos por detrás do tecido desta, inexoravelmente terá a linguagem como forma de comunicação pois do contrário, se não fosse a linguagem em nenhum tipo de forma e expressão, nunca escreveríamos esse próprio texto e discutiríamos até mesmo aquilo que transcende a própria linguagem. A aparente contradição explícita nesse artigo, é o fato de olharmos para um suposto campo insondável pela linguagem, mas passível de ser vivenciado pela prática meditativa ou práticas espirituais, ao mesmo tempo que nos esforçamos em falarmos sobre isso olhando para essa instância enquanto “modus operandi” e epistemológia em se fazer ciência. Pois bem, na realidade não existe uma contradição aqui, pois uma coisa é a esfera da ciência e da linguagem que através da última informará os seus achados e outra esfera é um convite aberto e honesto intelectualmente falando de experimentarmos práticas especificas (no caso a meditação aqui) para contemplarmos instâncias que diz respeito a nossa mente e consciência que são limitadas as classificações intelectuais, restritas naturalmente pela condição de precisarmos conceituar algo com um nome e perdemos a experiência direta daquilo que vivenciamos com a práticas em si. Entendo que em linhas gerais, é como fazermos um convite a ciência da vivência e só depois de disso, iremos praticar a ciência da classificação através da linguagem.

É importante que fique claro aqui, que não estamos questionando o caráter objeto de uma investigação no nível da matéria grosseira como observar o comportamento de um elemento químico, mas sim dos aspectos que tange ao funcionamento da própria mente e consciência definindo-as como nossos objetos de pesquisa. Compreendo que essa barreira e dificuldade aconteça, por ainda não experimentarmos devidamente a meditação como os Iogues das variadas tradições nos deixaram de herança seus conhecimentos, porém, quanto mais o ocidente e as formas de se investigar e experimentar o labor científico, compreenderem a possibilidade de sondarmos o aspecto não conceitual por detrás do tecido da mente e consciência como até então conhecemos, mais poderemos entrar em um novo tipo de terreno, que do contrário de nossa ciência, já foi muito investigado pelos praticantes da espiritualidade ao redor do mundo.

                                                                                                 @professormichelalves

                                                                                                                                        


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