A Inquisição Epistemológica e a
tentativa do enquadramento castrador
Quanto
mais uma abordagem médica, psicoterapêutica e terapêutica se afastam de uma
prática aos moldes das ciências naturais (mecanicistas), mais artística,
subjetiva e simbólica essas práticas do cuidado humano tornam-se, nesse
sentido, tratar com essa natureza de profissionais é estar diante de práticas
únicas, assim como o quanto são únicas as pessoas que os procuram, que lhe
trazem as suas demandas. Mas ai, entramos em um dilema: Seriam essas práticas
verdadeiras e éticas aonde os seus “modus operandis” não são como os de bases
epistémicas comprováveis e reprodutíveis aos moldes das ciências naturais? Não
estaríamos dando legitimidade e abrindo precedentes para práticas charlatães e
que verdadeiramente não há nenhuma ciência ou comprovação de sua eficácia? Mas
ao mesmo tempo, ao não legitimar práticas médicas, psicoterapêuticas e
terapêuticas que têm como suas bases epistémicas as ciências humanas e não as
ciências naturais, no sentido, de estar presa a essa, como uma espécie de permissão
ou aprovação das ciências humanas para com as ciências naturais, dependente da
última para legitimar o seu fazer, não estaríamos castrando essas outras formas
de base epistémica em prol de uma outra forma de discurso epistémico?
Pelo
fato do inconsciente Freudiano, assim como do estado de mente iluminado dos
Budistas, nunca terem sido encontrados em uma investigação laboratorial, aonde
não se encontrou os vestígios neuro o físico-químicos de alguma tipo de
”matéria” que poderia deflagrar o que tem sido chamado de “inconsciente”, “corpo
etérico”,“espírito” ou “samadhi”, podemos então afirmar, que esses nomes ditos,
não condizem com nenhuma forma de realidade a ser investigada, pelo fato de
nossas formas de elaboração e investigação epistemológicas não serem
condizentes com a forma como essas se proporão a investigar a natureza humana?
Se a resposta for sim, temos aqui, uma forma de “Inquisição Epistemológica”,
pois assim como se ia para fogueira os hereges que pensavam de formas distintas
das visões de mundo religiosas hegemônicas, “o que não deixava de ser uma forma
de visão epistémica a sua maneira”, hoje, aqueles que pensam em outras formas e
possibilidades epistémicas que não estão exclusivamente ligadas às ciências
naturais e suas comprovações, acabam também sendo jogados a fogueira da
marginalização acadêmica, das denúncias, das ridicularizações e dos descréditos
pela sua forma de investigar a realidade, não indo ao encontro das principais
correntes e abordagens epistémicas que ficaram eleitas dentro do “roll da
verdade” ou do que supostamente é entendido como verdadeiramente científico.
Fico
a pensar o quanto deva ter sido doloroso o sofrimento para os homens e mulheres
que estavam nos bastidores da gênese de novas visões epistémicas para se
enxergar a realidade e os fenômenos sejam de ordem física- mecânica, seja da
mente do psiquismo ou mesmo daquilo que é sutil aos olhos e sentidos e o quanto
eram encorajados a parar as suas investigações por essa não condizer com a
compreensão e visões epistémicas dominantes de sua época.
A
ciência seja ela de base epistémica natural ou humana, em seu espírito deveria
sempre estar embutida pelo princípio da zetética e não do dogmático, aonde
deveria se ter como pressuposto basal, assumir uma atitude intelectualmente
investigativa, desconfiando de verdades definitivas, porém, na prática o que
vemos é em muitas instâncias o contrário, assim como religiosos agarram-se em
uma única forma de narrativa epistémica, desvalidando tudo aquilo que foge ou que
questionam o seu escopo teórico e prático, cientistas dogmáticos assim fazem o
mesmo, quando estes enquadram outras pluralidades de racionalidades epistémicas
a marginalidade ou castrando qualquer tipo de tentativa que essas sejam
apresentadas a comunidade. Um exemplo para ser evidenciado aqui, dessas formas
de inquisição epistemológica geradoras de enquadramentos castradores, é quando
pensamos no discurso de alguns propagadores da Medicina moderna científica, que
a partir de suas epistemologias e racionalidades médicas, querem desvalidar
outras formas de práticas e visões epistémicas médicas que não condizem com as
suas, como por exemplo desde abordagens heterodoxas que nasçam dentro da
própria medicina científica a partir de médicos que propõem-se a investigar a
medicina homeopática, a medicina Floral do Dr. Bach, a Medicina Germânica de
Heikunde, até racionalidades médicas tradicionais como a Medicina Tradicional Chinesa,
Ayurvédica entre outras, que mesmo com seu repertório de milhares de anos de
práticas e RESULTADOS clínicos para doenças das mais variadas tipologias e com
todo o seu arsenal de práticas e farmacopeia compiladas (milhares de plantas
com descrições claras de sua matéria médica e eficácia terapêutica), são em
muitos casos, ainda desvalidadas como práticas que limitam-na apenas ao
espectro da crença ou de práticas paliativas. Porque diante de tantos fatos
constatados, ainda sim, é mantida esse tipo de conduta por parte de uma
comunidade que se diz ser científica colocando-se disposta a estar a serviço de
buscar a verdade dos fatos, quando na realidade o que se faz é o contrário,
negligenciando-os ou até mesmo fazendo todo o possível para que esses tornem-se
invisíveis? Na melhor das hipóteses, seria apenas uma razão legítima de
honestidade intelectual e de investigação científica com a devida cautela a subtrair
tudo aquilo que aparentemente apresenta não ter o devido rigor e critério do
que se possa ser classificado como científico ou seria mais por uma questão de
poder, mercado, dinheiro?
Essa
mesma legitimação da medicina moderna como a única via cientificamente
comprovável de práticas e intervenção médica para o cuidado humano, acontece
também como discurso comum dentro das Psicologias científicas quando parte de
seus defensores a querem legitimar como a única e exclusiva forma de
intervenção sobre o psiquismo humano, como se fossem estas à única narrativa
plausível de adentrar sobre os meandros da mente humana. No entanto, as práticas
de variadas tradições espirituais sejam de matrizes ocidentais ou mesmo
orientais como o Budismo Tibetano, as Yogas Induístas, as práticas espirituais
de matriz africana entre outras, milenarmente em suas populações, também
dedicam ao cuidado da saúde psíquica, mental e espiritual de suas populações e
em muitos aspectos são exitosas e outras vezes não, assim como a prática da
psicologia no ocidente. Em outras palavras, olhando para a diversidade
cultural, histórico, antropológica e social das populações, é muito evidente
que o cuidado psíquico além de não ser uma atividade única e exclusiva da
psicologia científica, muito anterior a criação dessa, o mundo já era permeado
de mestres da introspecção-meditação (o que William James, tentou nos alertar,
mas não demos o devido valor) que investigaram profundamente a mente humana,
assim como xamãs, curandeiros, terapeutas das mais variadas abordagens psicoterápicas
e espiritualistas não dogmáticos que ajudaram no cuidado de suas populações.
Assim como não podemos delegar para a medicina moderna a única possibilidade
sobre o cuidado do corpo físico em decorrência de também termos ao serviço da
humanidade as medicinas “naturais” e tradicionais que são anteriores a medicina
moderna, o mesmo se dá com a psicologia.
Para
resumir aonde quero chegar, a título de não se entender que os questionamentos
que estão sendo colocados acima, é uma forma de libertinagem epistémica aonde
todos podem fazer o que bem entendem com relação as práticas do cuidado humano
(o que não seria uma prática ética do exercício profissional), o ponto que
considero mais sério a ser problematizado aqui seria: contemplarmos as diversidades de práticas medicinais, psicoterapêuticas
e terapêuticas, entendendo-as no seu lugar ação e abrangência, compreendendo
aonde cada profissional e sua visão epistémica ocupa, suas áreas de distinção e
de interseção e a partir disso compreendermos cada qual em seu exercício de
atuação e se este está fundamentado ou não pelas práticas que se colocam a
prestar. Quando temos esse terreno bem demarcado, fica claro que um Acupunturista
não médico, não vai se propor a fazer um cirurgia em sua sessão, que um
homeopata não médico não prescreverá um remédio alopático, assim como um
alopata não fitoterapeuta não deveria prescrever um remédio fitoterápico e um terapeuta
ou psicoterapeuta integrativo não fará uma sessão de psicanálise ou de nenhuma
das abordagens psicoterapêuticas exclusivas a psicólogos em seu consultório,
mas terá outros instrumentos para ajudar nos cuidados no que diz respeito a psique
ou a mente humana.
Uma
forma de inquisição epistemológica e a tentativa do enquadramento castrador é
quando simplesmente dizemos que apenas um grupo ou uma forma de base
epistemológica é legítima e que essa é que deveria se ter a exclusividade com
relação ao cuidar e o enxergar humano seja em sua dimensão física ou
psicológica, ou seja, se só a Medicina Moderna ser eleita como a única e
exclusiva forma de intervenção e práticas em relação ao cuidado da saúde física
e a Psicologia científica-acadêmica e seu repertório de abordagens eleitas como
válidas e às únicas e legitimas para o cuidado do psiquismo humano, teremos com
o passar e o desenrolar do tempo, a marginalização e a morte de uma variada e
ampla gama de abordagens e visões epistémicas distintas que assim como a
Medicina e a Psicologia, estas práticas tradicionais ou até mesmo heterodoxas, também
oferecem cuidados para com a saúde física, psíquica e integral do ser humano.
@professormichelalves

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