sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

A Inquisição Epistemológica e a tentativa do enquadramento castrador

 



A Inquisição Epistemológica e a tentativa do enquadramento castrador

Quanto mais uma abordagem médica, psicoterapêutica e terapêutica se afastam de uma prática aos moldes das ciências naturais (mecanicistas), mais artística, subjetiva e simbólica essas práticas do cuidado humano tornam-se, nesse sentido, tratar com essa natureza de profissionais é estar diante de práticas únicas, assim como o quanto são únicas as pessoas que os procuram, que lhe trazem as suas demandas. Mas ai, entramos em um dilema: Seriam essas práticas verdadeiras e éticas aonde os seus “modus operandis” não são como os de bases epistémicas comprováveis e reprodutíveis aos moldes das ciências naturais? Não estaríamos dando legitimidade e abrindo precedentes para práticas charlatães e que verdadeiramente não há nenhuma ciência ou comprovação de sua eficácia? Mas ao mesmo tempo, ao não legitimar práticas médicas, psicoterapêuticas e terapêuticas que têm como suas bases epistémicas as ciências humanas e não as ciências naturais, no sentido, de estar presa a essa, como uma espécie de permissão ou aprovação das ciências humanas para com as ciências naturais, dependente da última para legitimar o seu fazer, não estaríamos castrando essas outras formas de base epistémica em prol de uma outra forma de discurso epistémico?

Pelo fato do inconsciente Freudiano, assim como do estado de mente iluminado dos Budistas, nunca terem sido encontrados em uma investigação laboratorial, aonde não se encontrou os vestígios neuro o físico-químicos de alguma tipo de ”matéria” que poderia deflagrar o que tem sido chamado de “inconsciente”, “corpo etérico”,“espírito” ou “samadhi”, podemos então afirmar, que esses nomes ditos, não condizem com nenhuma forma de realidade a ser investigada, pelo fato de nossas formas de elaboração e investigação epistemológicas não serem condizentes com a forma como essas se proporão a investigar a natureza humana? Se a resposta for sim, temos aqui, uma forma de “Inquisição Epistemológica”, pois assim como se ia para fogueira os hereges que pensavam de formas distintas das visões de mundo religiosas hegemônicas, “o que não deixava de ser uma forma de visão epistémica a sua maneira”, hoje, aqueles que pensam em outras formas e possibilidades epistémicas que não estão exclusivamente ligadas às ciências naturais e suas comprovações, acabam também sendo jogados a fogueira da marginalização acadêmica, das denúncias, das ridicularizações e dos descréditos pela sua forma de investigar a realidade, não indo ao encontro das principais correntes e abordagens epistémicas que ficaram eleitas dentro do “roll da verdade” ou do que supostamente é entendido como verdadeiramente científico.

Fico a pensar o quanto deva ter sido doloroso o sofrimento para os homens e mulheres que estavam nos bastidores da gênese de novas visões epistémicas para se enxergar a realidade e os fenômenos sejam de ordem física- mecânica, seja da mente do psiquismo ou mesmo daquilo que é sutil aos olhos e sentidos e o quanto eram encorajados a parar as suas investigações por essa não condizer com a compreensão e visões epistémicas dominantes de sua época.  

A ciência seja ela de base epistémica natural ou humana, em seu espírito deveria sempre estar embutida pelo princípio da zetética e não do dogmático, aonde deveria se ter como pressuposto basal, assumir uma atitude intelectualmente investigativa, desconfiando de verdades definitivas, porém, na prática o que vemos é em muitas instâncias o contrário, assim como religiosos agarram-se em uma única forma de narrativa epistémica, desvalidando tudo aquilo que foge ou que questionam o seu escopo teórico e prático, cientistas dogmáticos assim fazem o mesmo, quando estes enquadram outras pluralidades de racionalidades epistémicas a marginalidade ou castrando qualquer tipo de tentativa que essas sejam apresentadas a comunidade. Um exemplo para ser evidenciado aqui, dessas formas de inquisição epistemológica geradoras de enquadramentos castradores, é quando pensamos no discurso de alguns propagadores da Medicina moderna científica, que a partir de suas epistemologias e racionalidades médicas, querem desvalidar outras formas de práticas e visões epistémicas médicas que não condizem com as suas, como por exemplo desde abordagens heterodoxas que nasçam dentro da própria medicina científica a partir de médicos que propõem-se a investigar a medicina homeopática, a medicina Floral do Dr. Bach, a Medicina Germânica de Heikunde, até racionalidades médicas tradicionais como a Medicina Tradicional Chinesa, Ayurvédica entre outras, que mesmo com seu repertório de milhares de anos de práticas e RESULTADOS clínicos para doenças das mais variadas tipologias e com todo o seu arsenal de práticas e farmacopeia compiladas (milhares de plantas com descrições claras de sua matéria médica e eficácia terapêutica), são em muitos casos, ainda desvalidadas como práticas que limitam-na apenas ao espectro da crença ou de práticas paliativas. Porque diante de tantos fatos constatados, ainda sim, é mantida esse tipo de conduta por parte de uma comunidade que se diz ser científica colocando-se disposta a estar a serviço de buscar a verdade dos fatos, quando na realidade o que se faz é o contrário, negligenciando-os ou até mesmo fazendo todo o possível para que esses tornem-se invisíveis? Na melhor das hipóteses, seria apenas uma razão legítima de honestidade intelectual e de investigação científica com a devida cautela a subtrair tudo aquilo que aparentemente apresenta não ter o devido rigor e critério do que se possa ser classificado como científico ou seria mais por uma questão de poder, mercado, dinheiro?

Essa mesma legitimação da medicina moderna como a única via cientificamente comprovável de práticas e intervenção médica para o cuidado humano, acontece também como discurso comum dentro das Psicologias científicas quando parte de seus defensores a querem legitimar como a única e exclusiva forma de intervenção sobre o psiquismo humano, como se fossem estas à única narrativa plausível de adentrar sobre os meandros da mente humana. No entanto, as práticas de variadas tradições espirituais sejam de matrizes ocidentais ou mesmo orientais como o Budismo Tibetano, as Yogas Induístas, as práticas espirituais de matriz africana entre outras, milenarmente em suas populações, também dedicam ao cuidado da saúde psíquica, mental e espiritual de suas populações e em muitos aspectos são exitosas e outras vezes não, assim como a prática da psicologia no ocidente. Em outras palavras, olhando para a diversidade cultural, histórico, antropológica e social das populações, é muito evidente que o cuidado psíquico além de não ser uma atividade única e exclusiva da psicologia científica, muito anterior a criação dessa, o mundo já era permeado de mestres da introspecção-meditação (o que William James, tentou nos alertar, mas não demos o devido valor) que investigaram profundamente a mente humana, assim como xamãs, curandeiros, terapeutas das mais variadas abordagens psicoterápicas e espiritualistas não dogmáticos que ajudaram no cuidado de suas populações. Assim como não podemos delegar para a medicina moderna a única possibilidade sobre o cuidado do corpo físico em decorrência de também termos ao serviço da humanidade as medicinas “naturais” e tradicionais que são anteriores a medicina moderna, o mesmo se dá com a psicologia.

Para resumir aonde quero chegar, a título de não se entender que os questionamentos que estão sendo colocados acima, é uma forma de libertinagem epistémica aonde todos podem fazer o que bem entendem com relação as práticas do cuidado humano (o que não seria uma prática ética do exercício profissional), o ponto que considero mais sério a ser problematizado aqui seria: contemplarmos as diversidades de práticas medicinais, psicoterapêuticas e terapêuticas, entendendo-as no seu lugar ação e abrangência, compreendendo aonde cada profissional e sua visão epistémica ocupa, suas áreas de distinção e de interseção e a partir disso compreendermos cada qual em seu exercício de atuação e se este está fundamentado ou não pelas práticas que se colocam a prestar. Quando temos esse terreno bem demarcado, fica claro que um Acupunturista não médico, não vai se propor a fazer um cirurgia em sua sessão, que um homeopata não médico não prescreverá um remédio alopático, assim como um alopata não fitoterapeuta não deveria prescrever um remédio fitoterápico e um terapeuta ou psicoterapeuta integrativo não fará uma sessão de psicanálise ou de nenhuma das abordagens psicoterapêuticas exclusivas a psicólogos em seu consultório, mas terá outros instrumentos para ajudar nos cuidados no que diz respeito a psique ou a mente humana.

Uma forma de inquisição epistemológica e a tentativa do enquadramento castrador é quando simplesmente dizemos que apenas um grupo ou uma forma de base epistemológica é legítima e que essa é que deveria se ter a exclusividade com relação ao cuidar e o enxergar humano seja em sua dimensão física ou psicológica, ou seja, se só a Medicina Moderna ser eleita como a única e exclusiva forma de intervenção e práticas em relação ao cuidado da saúde física e a Psicologia científica-acadêmica e seu repertório de abordagens eleitas como válidas e às únicas e legitimas para o cuidado do psiquismo humano, teremos com o passar e o desenrolar do tempo, a marginalização e a morte de uma variada e ampla gama de abordagens e visões epistémicas distintas que assim como a Medicina e a Psicologia, estas práticas tradicionais ou até mesmo heterodoxas, também oferecem cuidados para com a saúde física, psíquica e integral do ser humano.

 

                                                                                          @professormichelalves

 

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