Questionarmos
a aparente objetividade material da realidade há mais de dois mil anos para cá,
pode parecer como já supracitado um forma de discurso niilista ou de negação da
realidade e principalmente nos momentos aonde as práticas e métodos científicos
estavam no apogeu de seus avanços através das correntes
materialistas-positivistas, porém, conforme vão surgindo novas descobertas no
campo da física quântica e até mesmo pelo apontamentos por parte de alguns
neurocientistas que honestamente começam a questionar a possibilidade de uma
outra ordem de entendimento sobre do que se trata a natureza da mente,
levantando o questionamento que essa não parece ser apenas algo, fadado a
esfera biológica, vamos percebendo que os contemplativos Iogues, Budistas,
Cristãos e de outras tradições espirituais não estavam tão alucinados assim,
como a maioria de nós e principalmente de uma boa parte da comunidade
científica pensava até algumas décadas atrás. Quando o neurologista António
Damásio comenta: “Não há imagem do objeto
sendo transferida do objeto para a retina e da retina para o cérebro. Tais
imagens, não importa o que sejam, existem apenas em nossa mente”.
Quando
pensamos nessa perspectiva, poderíamos até sustentar que os estímulos
sensoriais que recebemos em nossa retina, refletidos pela luz que através de
suas ondas eletromagnéticas irradiadas sobre os objetos que serão captados
pelos nossos aparelhos sensoriais isso poderia explicar o porque vemos e o
porque validamos como real o que vemos. Porém, analisando pela perspectiva
sensória e perceptiva, não temos também nenhuma garantia do ponto de vista da
nossa neurofisiologia, para afirmarmos que os aspectos visuais e formadores de
imagens que codificamos ou até mesmo da nossa própria imaginação, que esses
sejam um arranjo neuroquímico ou uma correlação neural específica que é a
tradução que faz com que enxerguemos e decodifiquemos a realidade “externa” a
nós, ou seja, algo que está “fora”. O que nossa retina e cérebro capta são
estímulos físicos do ambiente externo e que a partir de nossos aparelhos
sensórios, acionam processos neurais-biológicos, transformando esses estímulos
sensoriais externas em correlações neurais, mas absolutamente nada, nos
confirma o porque surgem as imagens do que enxergamos. Então, refletindo um
pouco mais, vemos que a criação de imagens é outra história! Acontece talvez
por outras vias e que não temos indícios para confirmar que seja algo de
natureza biológica como alguns cientistas gostam de afirmar!
Como
estímulos físicos do ambiente aonde em suas propriedades contendo apenas
partículas, átomos e ondas eletromagnéticas, transformam-se em imagens
complexas como a vemos? Seriam as partículas físicas e as ondas flutuando pelo
espaço capazes de traduzirem-se em belas e organizadas imagens como a vemos
mundo afora? Seriam as partículas químicas, o funcionamento biológico de
aminoácidos e proteínas, assim como as correlações neurais em nosso cérebro,
serem capazes de criar com realismo instantâneo as belas paisagens que vemos ao
nosso redor, como se fossem artistas do mais alto calibre, pintando obras
simultâneas e decodificando toda a realidade com mudanças de luz e sombra a
todo momento, apenas regidas por esses arranjos biológicos? Acredito que
teríamos que ser muito crentes na teoria da mente-biológica, para acreditarmos
que elementos orgânicos e inorgânicos fossem capaz de criar as realidades
“externas” que observamos através de nosso cotidiano! Da mesma forma como os
materialistas pensam na possibilidades de fenômenos biológicos serem capazes de
criar imagens mesmo não tendo como provar tal fenômeno, seria realmente absurdo
pensarmos que existe a possibilidade de uma mente inteligente não física, por
detrás dos fenômenos biológicos que cria essa complexidade toda, fazendo com
que vamos gerando significados e criando imagens para frequentarmos a
realidade? Essa conjectura da mente não biológica para explicar as imagens que
recebemos do ambiente é realmente tão mais absurda que a conjectura em
acreditar que fenômenos biológicos e arranjos neurais são os que criam as
imagens que vemos a todo instante? O máximo que podemos afirmar até o momento,
é que quando temos a experiência de olhar para um objeto “fora”, percebe-se por
neuroimagem, que determinadas áreas neurais são estimuladas, mas afirmar que
esse arranjo neural, seja a causa prima de estarmos tendo a experiência de ver
imagens, é outra história completamente diferente! O que podemos afirmar é que
simplesmente recebemos estímulos ambientais e a nossa retina e nosso cérebro os
codifica, apresentando atividades biológicas em determinadas regiões do corpo e
do cérebro! Porém, afirmar que essa é a explicação para compreendermos como
vemos e criamos essas imagens, isso não passa de uma conjectura e se entendida
como um fato científico, estamos apenas lidando com uma crença ou a propagação
da ideologia materialista da mente-biológica que configura-se claramente em uma
afirmação pseudocientífica.
Poderia
também se argumentar que quando determinada área do cérebro ou vias neurais
responsáveis pela visão fossem lesadas, assim como se tivermos a nossa retina e
olhos lesados, não captaríamos a realidade externa como a vemos e portanto ela
é o reflexo de estímulos captados pelos nossos aparelhos sensórios e
decodificadores neurais! Reforço novamente aqui, que os nosso órgãos sensoriais
e o nosso cérebro, o que realmente podemos afirmar que desempenham, é a
captação de estímulos sensoriais, não a criação de imagens a partir desses.
Quando lesamos esses órgãos sensórios receptores dos estímulos físicos do
ambiente, fazemos com que esses inputs externos físicos não cheguem da mesma
forma até nós como antes, fazendo com que criemos, outros arranjos para captar
fisicamente a realidade externa, porém, codificar em imagens em nossa mente, me
parece não depender apenas dos aparelhos sensoriais-biológicos de que dispomos.
Um exemplo que gosto de pensar, são as pessoas que ficaram cegas mas mesmo
assim, continuam sonhando e enxergando imagens ou mesmo criam imagens em sua
tela mental quando assim intencionam. O fato de terem os órgãos dos sentidos
visuais lesados, não as impedem de ver imagens ou imaginar coisas não vistas
antes. Poderíamos pensar, que no caso de ficarem cegas e ainda continuarem a
produzir imagens vívidas em sua mente, seja devido a lembranças acessadas da
própria memória armazenada em seu cérebro que mantiveram-se preservadas e por
isso, a pessoa mesmo cega, continua a ter acesso a essas imagens? Mas nesse
caso, as memórias armazenadas em nosso cérebro formando vias neurais e suas
interações biológicas específicas, como esses arranjos armazenados em áreas do
cérebro traduzem-se em imagens quando bem intencionamos com a nossa mente em
acessá-las? E qual a explicação biológica para compreendermos como é possível a
nossa intenção em buscarmos mentalmente o nosso passado ou repertório de
imagens que armazenamos, tendo livre acesso a esse banco de imagens? Qual é o
fenômeno biológico que traduz a intencionalidade mental em acesso simultâneo a
imagens armazenadas pela memória? Qual o fenômeno biológico, que faz com que,
mesmo depois que uma pessoa se torne cega, ela ainda continue a poder
visualizar e criar novas imagens que não foram armazenadas em seu cérebro,
quando ainda tinham as suas capacidades biológicas preservadas das quais
armazenavam estímulos do mundo externo, para o interior de seu cérebro? No caso
de pensarmos que a mente é criativa ao ponto de se utilizar de seu repertório
ou banco de dados de memórias armazenadas no cérebro e mesmo que o sujeito hoje
estando cego, sua mente é capaz de criar novos arranjos com os dados de memória
armazenados e a partir disso, criar livremente novas imagens mentais nunca
vistas antes, como é possível biologicamente se fazer isso?
O
que me parece mais interessante em pensarmos nesse caso, não é quem cria as
imagens, se é nosso aparato biológico e correlatos neurais em nosso cérebro ou
se é uma instância mental não física, não biológica. O que me chama atenção, é
essa relação entre a forma como a mente cria as imagens e a relação disso com a
interface biológica, pois, pessoas que já enxergaram e ficam cegas, continuam
sendo capazes de criar imagens mentais, preservando essa mesma capacidade de
quando enxergavam, mas quando perdem a visão, não conseguem captar e construir
imagens da realidade externa como antes, porém, agora captando-a de maneira
distinta devido as alterações biológicos, poderíamos aqui pensar ser um indício
de acreditarmos que aspectos biológicos são capazes de formar imagens e não uma
entidade mental não física-biológica como venho defendendo. Porém, ao mesmo
tempo, as pessoas que nunca enxergaram “como nós”, continuam sendo capazes de
criar imagens a partir da forma como captam os estímulos do mundo, ou seja, criam
imagens a partir do que vivenciam. Me parece aqui e o que considero mais
intelectualmente honesto em afirmar é que, a conjectura de a mente ser algo de
natureza estritamente biológica, é pensarmos que enquanto habitamos um corpo
biológico, esse têm sim, uma influência forte na forma como a mente interpreta
e cria a realidade a sua volta, é como se nessa interface mente-corpo, o
biológico e o não biológico de alguma maneira se influenciam, por isso, mesmo
que advoguemos em prol do paradigma da mente enquanto uma entidade não física,
os cientistas materialistas também têm a sua razão em compreender a importância
da biologia como algum tipo de fator de influência na criação dessas imagens.
Essa influência nos parece óbvia como no exemplo supracitado que uma pessoa que
ficou cega, por estar com os órgãos sensoriais lesados, passa a não enxergar
como enxergava antes, porém, entendemos que mesmo cega, ela não é impedida de
criar imagens mentais em sua mente, assim, como imaginar imagens de qualquer
tipo que bem entender.
Nesse
embate paradigmático, temos a corrente dos neurocientistas que querem provar
que aquilo que se chama de mente ou consciência, não passa de uma organização
dos arranjos neurais e biológicos que através das nossas vias sensoriais,
traduzir-se-ão como codificadores da realidade “externa” que ali está, ou seja,
tudo que nos cerca é percebido através de nossos aparatos sensoriais e sistemas
fisiológicos que codificam esses estímulos externos recebidos, para validarmos
o que denominamos como “real”. A mente aqui, não passa de uma manifestação
material ou neurobiológica da vida! Agora, por outro lado, temos a corrente dos
não materialistas ou dos cientistas que já investigam a complexidade e
amplitude do que está por detrás do conceito de matéria a luz da mecânica
quântica do século XX, aonde defendem a possibilidade da mente enquanto uma
entidade não física, não biológica, trazendo novas questões e fatos científicos
para compreendermos aquilo que denominamos enquanto matéria. Um caso bastante
intrigante dos experimentos de não localidade quântica entre cérebros
correlacionados do Dr. Jacob Grinberg (1994) e das experiências de correlação
quântica não local entre fótons do Dr. Alain Aspect, nos experimentos do Dr.
Grinberg, se evidência a mente de um sujeito A influenciando a mente de um
sujeito B, a distância através do mapeamento de eletroencefalogramas, aonde o
espectro de imagem captado pelo eletroencefalograma na pessoa A, surge no
eletroencefalograma da pessoa B, quando a pessoa A, mentaliza a pessoa B, sem nenhum tipo de recurso tecnológico como
sinais de ondas eletromagnéticas, mecânicas, correntes de energia ou mesmo
nenhum tipo de aparelho que transmita alguma forma de informação ou sinal da
pessoa A para a pessoa B e também, nem mesmo qualquer coisa da natureza que
intermedia essa comunicação entre esses sujeitos. A partir desses parâmetros,
conseguiu-se evidenciar a influência da mente de um sujeito sobre o outro por
nenhuma via biológica, eletromagnética ou de energia elétrica ou mecânica e
sim, por uma via estritamente mental através dos pensamentos. A pergunta que
fica aqui é: Se a mente é uma condição estritamente biológica e física no
sentido restrito da palavra, como podem aspectos cognitivos de um cérebro como
no caso dos desenhos gerados pelos espectros das frequências cerebrais mapeadas
pelo eletroencefalograma de um sujeito, influenciar a distância o cérebro de um
outro sujeito sem nenhuma forma de comunicação e veículo tecnológico entre
esses, a não ser, a pessoa A, pensar na pessoa B? Como isso é passível de
acontecer sendo a mente um subproduto biológico do cérebro?
A vida mental interna na qual vivenciamos é permeada pela influência dos objetos que percebemos através de nossos sentidos, porém, esses por si só, são percebidos pelos nossos aparelhos fisiológicos como sinais-informações que chegam até nós e são traduzidos por nosso aparato evolutivo biológico e por nossos correlatos neurais que através desses codificam esses sinais externos do ambiente para a parte interna do nosso corpo biológico. Do ponto de vista sensório-perceptivo, biológico, isso é indiscutível! Mas do ponto de vista da mente enquanto uma entidade inteligente não física e não biológica, quando criamos pensamentos de forma espontânea ou imagens ou mesmo de imaginar coisas, entende-se que essa inteligência, não seria explicada por esse via material neurobiológica, mas sim por uma via não material, pois a mente ou consciência como alguns preferem chamar, não estaria restrita a leis biológicas para existir pelo fato de sua natureza não ser nem física, nem biológica ou pelo menos, não como conhecemos aquilo que restritamente chamamos de físico e biológico, porém, entendo que essa entidade não física “a mente” recebe influência de nosso aparato biológico, como já discutido anteriormente. Esse velho e truncado debate entre materialistas e não-materialistas, pode parecer canônico e retrógado se não fossem as novas descobertas pela física quântica que cada vez mais, ao aprofundar-se na investigação sobre a natureza da matéria e suas propriedades, desvendando-as cada vez mais em suas subunidades atômicas, vamos percebendo que essa questão vai ficando cada mais complexas, devido a estranhezas inesperadas pela corrente de físicos deterministas e pelas ideologias materialistas das ciências naturais, pois ao aprofundarmos cada vez mais no núcleo das estruturas atômicas, o que vai se constatando é que a matéria propriamente dita enquanto a conhecíamos e a sustentávamos até o final do século XIX pela física, não existe, pelo o menos como a compreendíamos e como esperávamos. Max Planck ao final de sua vida diz que: ``Na qualidade de alguém que devotou a vida inteira à ciência mais esclarecida, ao estudo da matéria, posso fazer a seguinte afirmativa como resultado de minhas pesquisas sobre os átomos: a matéria, como matéria propriamente dita não existe! Toda matéria se origina e existe apenas em virtude da força que faz vibrar as partículas de um átomo e que consegue manter unido esse extremamente diminuto sistema solar. Devemos assumir que por trás dessa força existe uma Mente consciente e inteligente. Essa é a matriz de toda a matéria”. Correlacionando essa afirmativa de Planck aos estudos de algumas escrituras budistas antigas, vemos por exemplo na prajnaparamita (A perfeição da Sabedoria) quando se diz que: “Forma é vazio e vazio é forma, forma nada mais é do que vazio e vazio nada mais é do que forma”, percebemos semelhanças nas falas de Planck e desse sutra (verso), o que ao meu entender, nos faz contemplar sobre à investigação de uma dimensão de não solidez sobre as experiências sensoriais que temos com relação a matéria propriamente dita. Penso que a partir desses apontamentos, além de termos um questionamento sobre a visão materialista da vida, temos outros olhares que nos apontam para outras formas de visão e investigação epistémica sobre a natureza e da mente. A compreensão dessas estranhezas quânticas e a implicação disso no estudo da natureza da mente, estão próximas de despertar uma nova revolução científica, tão impactante quanto a de Galileu, Darwin como do mapeamento do genoma humano. Estamos falando de finalmente nascer uma ciência que verdadeiramente irá investigar a natureza da mente e não ficar aos rodeios desse debate como as psicologias e neurociências ficaram, restringindo o fenômeno da mente a fenômenos biológicos. Ao meu entender a mecânica quântica junto a introspecção Iogue, serão as peças chaves para essa nova forma epistémica de investigar a natureza da mente.
@professormichelalves
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