quarta-feira, 26 de julho de 2023

ALGUNS NEUROCIENTISTAS, QUEREM AFIRMAR QUE A MENTE É UMA ENTIDADE BIOLÓGICA-FÍSICA, MAS AO MESMO TEMPO, NÃO CONSEGUEM PROVAR ISSO, ASSIM COMO TAMBÉM NÃO CONSEGUEM REFUTAR QUE ELA SEJA NÃO BIOLÓGICA. COMO PODEM ENTÃO, PROSSEGUIR, AFIRMANDO QUE A NATUREZA DA MENTE É BIOLÓGICA QUANDO NÃO PODEM PROVAR NEM A SUA REALIDADE MATERIAL OU NÃO MATERIAL?

 


Porém, o meu grande interesse aqui em debatermos e refletirmos juntos é: será que bases epistémicas fundamentadas nas ciências naturais, humanas e as como fundamentação na prática da introspecção meditativa como forma de investigar a realidade, não poderiam contribuir entre si, ao invés de separarmos e deslegitimarmos uma em detrimento da outra? Penso que sim, pelo fato de termos pontos e questões muito distintas sobre a forma como tais visões epistémicas se organizam para suas respectivas empreitadas de investigação. Porém, com o passar do tempo, estamos assistindo esse nascimento aonde as ciências naturais estão encontrando-se com as ciências yogues da meditação, aonde a ponte entre ambas, está propiciando novas perspectivas e olhares sobre a natureza da mente. A partir da segunda metade do século XX conforme fomos avançando tecnologicamente, pudemos presenciar através do uso de tecnologias como eletroencefalogramas (ECG), ressonância magnética entre outras tecnologias, a constatação de efeitos fisiológicos-cerebrais, conforme praticantes de meditação faziam as suas práticas, confirmando e legitimando muitas formas de benefícios dessas práticas. No entanto, mais do que a comprovação material através de aparelhos tecnológicos como formas de validar a introspecção meditativa, não entendo que essa história se encerra aqui, aonde a ciência da meditação, esteja escrava a legitimação das ciências naturais, como se só através da última, poderíamos ter o aval se de fato as práticas funcionam ou não, pois nem todos os fenômenos da natureza passíveis de existir de alguma forma, são possíveis de serem captados. Um exemplo: Aquela sensação que damos o nome através da linguagem que chamados de compaixão, ela é captável? A compaixão, o contentamento, a paz é captável por aparelhos tecnológicos? Mesmo que percebemos que em um dado momento quando uma pessoa diz estar sentindo compaixão e então monitoramos os correlatos neurais dessa sensação que essa pessoa diz estar sentindo, podemos então afirmar que esse arranjo neural é a prova biológica da existência da compaixão? E então afirmarmos, que o sentimento de compaixão, é um arranjo neural específico e portanto, algo que se reduz apenas a natureza biológica e fim de papo? Essa linha de raciocínio e base epistémica em reduzir tudo que é humano, fenomenológico, existencial, subjetivo e mental em apenas correlações biológicos é realmente uma escolha intelectualmente lúcida e honesta? Ou então, poderíamos pensar apenas que o sentimento identificado pela subjetividade humana e pela construção da linguagem para nomear essas sensações subjetivas, como a compaixão, seriam fenômenos de natureza mais sutil, não físicos mesmo que tenha correlações físicas e que esses ao se apresentarem, manifestam correlações neurais específicas em determinadas áreas de nosso cérebro, apontando-nos para a direção de dimensões que não conhecemos, mas que de alguma forma nos influencia? E se essas áreas desconhecidas não forem passíveis de serem captadas por aparelhos tecnológicos, mas forem passíveis de serem captadas pelo próprio aparelho humano, não teríamos aqui a introspecção meditativa como o principal instrumento de investigação dessas dimensões sutis?

Perceba que quando falamos de fenomenologias que dentro de si carregam em suas propriedades a subjetividade do humano, não estamos lidando com as mesmas propriedades como ao olharmos para um amontoado de partículas e células. Quando os fenômenos que vamos investigar distanciam-se do espectro da materialidade físico-biológica e vão adentrando a esferas cada vez mais dos sentimentos, emoções, existências e das manifestações da mente como um todo, como pensamentos, imaginação, elaborações mentais e etc, percebemos que para essa natureza de fenômenos, investiga-los estritamente por paradigmas físico-biológico nos coloca em uma condição de enorme redução da possibilidade de investigação desse amplo espectro de fenômenos que chamamos de mente-consciência. Nesse sentido, e é importante que fiquemos atentos a esse ponto, assim como a ciência mais pragmática e positivista com o tempo, se distanciou “saudavelmente” das crenças dogmáticas religiosas, sem depender dessa como forma de comprovar as suas próprias descobertas e investigação, entendendo também, que assim como as áreas alicerçadas em bases epistémicas humanas e no caso das ciências introspectivas Iogues, essas não devam estar em nenhum lugar de subserviência as ciências naturais, pois do contrário, estaríamos apenas legitimando uma forma de contemplar a realidade. Reforço sustentar esse ponto de vista, não por atitude de negação as ciências naturais e seus méritos e descobertas, mas sim, por entender que diferentes abordagens epistémicas partem de lugares que em sua base não são congruentes, exemplo: Como um cientista que têm como base epistémica para compreender os dados da realidade, ao não identificar em seu amplo espectro de recursos tecnológicos para compreender determinadas correlações neurais em um cérebro de uma pessoa enquanto medita, aonde essa relata sobre a experiência subjetiva que tivera durante a sua prática que a fez compreender vários processos dolorosos com relação a sua infância; Como olhando apenas para os movimentos isoladamente dos correlatos neurais observados, iríamos dar uma resposta plausível ao fenômeno vivenciado e as experiências subjetivas que o praticante teve naquele momento em que meditava, com explicações restritamente biológicas? A explicação biológica de correlatos neurais, é capaz de encerrar o debate sobre o que é a mente e os fenômenos mentais que vivenciamos quanto sentimos ou pensamos em alguma coisa? Assim, como um cientista com bases epistémicas naturais e até mesmo os cientistas das áreas epistémicas humanas que não encaram a mente como um entidade física, darão uma resposta plausível através de um demonstração cabal (um fato científico) que de fato a mente com características não físicas de fato não existe como os Behavioristas gostam de afirmar, mesmo não podendo provar tão conjectura! ou mesmo explicando a natureza da mente, apenas por instâncias biológicas, comportamentais ou como uma instância do que é ou não consciente a nós, ficando o consciente como aquilo que tenho acesso pela memória e o inconsciente aquilo que não tenho acesso por algum bloqueio, reprimir tal acesso.

Sem questionar de fato a natureza da mente, o que ela é e suas propriedades, percebemos que para os cognitivistas, behavioristas, neurocientistas e psicanalistas, a mente ainda continua subordinada a resultantes biológicas, pois mesmo que os psicanalistas refletem as dinâmicas do consciente e do inconsciente sem estar presos ou mesmo subordinados ao paradigma biológico para entender as dinâmicas entre consciente-inconsciente, a natureza da mente enquanto uma propriedade biológica não é questionada por esses, então ficamos meio que nesse limbo, pois o inconsciente freudiano também não contempla a fenomenologia da mente enquanto uma entidade não física com propriedades não biológicas, restringe-se os jogos da mente, apenas a pulsões, libidos, desejos, recalques, chistes e etc; aonde os conteúdos do cotidiano são assimilados e então passamos a ter acesso consciente a esses, ou quando os reprimimos ou não damos importância a esses, eles vão ficando submersos em nosso inconsciente, mas novamente assim como os neurocientistas cognitivistas e os behavioristas mesmo não tendo provas para afirmarem que a mente enquanto uma entidade não física não existe, preferem não avançar nessa discussão, mantendo os dogma da mente enquanto uma entidade biológica ou não se posicionarem sobre isso, do que irem afundo em investigar a sua natureza.

Diferentemente dos últimos quatro séculos que as ciências naturais investigaram e avançaram profundamente no conhecimento sobre a natureza física e biológica dos fenômenos da natureza, o mesmo não ocorreu quando o nosso objeto de investigação se voltou para a natureza da mente. Após tentativas frustradas no início do século XX de investigarmos a natureza da mente por vieses epistémicas não biológicos ou das ciências naturais, como nos primeiros laboratórios de psicologia do Dr. Wilhelm Wundt, a psicologia e toda forma de ciência que voltasse ao estudo da mente, optou-se por dar um passo para trás e investigar a natureza da mente, com as premissas epistémicas das ciências naturais que estavam em franco desenvolvimento. Esse passo atrás, significou em outras palavras, sepultarmos qualquer possibilidade ou tentativa de olharmos para natureza da mente por um viés não biológico, não físico, como o proposto por William James, ao entender que a introspecção seria um caminho adequado a investigar a própria natureza da mente humana, e a custos desse sepultamento, elegemos as ciências da matéria para investigar o imaterial (a mente). Podemos falar que a investigação da natureza da mente através da introspecção meditativa, não tendo em sua base epistémica a subordinação as ciências naturais, exceto nas culturas espirituais-religiosas do oriente e algumas no ocidente e das iniciativas heterodoxas por pesquisadores que ficaram a margem dos principais debates científicos, recursos e incentivos a pesquisa científica nos meios acadêmicos e privado, todo o restante das inciativas para a investigação da mente, foram sustentadas por visões epistémicas subordinadas a visão epistémica das ciências naturais. Ao meu ver, enquanto acumulamos quatro séculos desde a primeira revolução científica a partir de Galileu e tudo que se desdobrou em investigarmos o mundo da matéria, estamos no mínimo quatro séculos atrasados, no que diz respeito há investigarmos a natureza da mente.

O ponto é: Se todas essas abordagens epistémicas das ciências naturais, assim como a psicanálise no escopo das ciências humanas ficarem apenas com a seguinte afirmação: “Até que tenhamos provas que a mente é algo de natureza não biológico, fico convencido com a minha forma de investigar a natureza dessa, por minha vias!”. Essa natureza de argumento, ao meu ver, ainda seria mais plausível se comparado aos que afirmam sem fatos científicos contundentes que a mente é um subproduto de interações biológicas. Ao mesmo tempo que se pensarmos que para provar para materialistas que a mente é não material, teremos que trazer provas do não físico, para epistemologias como das ciências naturais (neurociências e das psicologias que investigam a mente subordinada a correlações neurais), ou seja, trazer provas biológicas e materiais daquilo que não é nem biológico e nem material, sendo estas simplesmente uma tarefa impossível. Provar materialmente o que não é material, além de impossível, essa contradição imposta as epistemologias heterodoxas que investigam a natureza da mente por vieses humanos e introspectivos, nos deixa claro, que pelo discurso hegemônico das ciências naturais, não existe uma paradigma epistémico possível para investigar a natureza da mente que não seja uma paradigma materialista.

Porém, é importante que reforcemos aqui, que existem sim, outras maneiras de investigarmos a natureza da mente, assim como criar outras formas e métodos epistémicos que não estejam subordinados as ciências naturais materialistas, pois assim como algumas distintas abordagens epistémicas nas áreas humanas, a introspecção é uma forma de investigar a natureza da mente, aonde nesse caso, teremos o próprio sujeito enquanto um ser pensante que frequenta os fenômenos de sua mente na condição de testemunha dessa e a partir de suas experiências, estas são passíveis de serem investigadas através da introspecção meditativa com adequados métodos, como os praticados pelos Yogues do oriente e outras tradições espirituais sérias que não alicerçaram-se em dogmas ou ideologias de dominação como erroneamente é pensado ou confundido com certas instituições religiosas que ainda se utilizam da religião e do discurso religioso como instrumento de poder.

Quando afirma-se de maneira contundente e radical que a mente não existe, resumindo-a apenas a casuísticas comportamentais, ou que são apenas fenômenos  biológicos, ou entender as dinâmicas do psiquismo mas sem entrar no mérito sobre a natureza do próprio psiquismo, e então todas essas abordagens epistémicas afirmarem que mente enquanto entidade não física não existe, mas ao mesmo tempo não conseguem provar que não existe, vemos aqui, um claro caso de pseudociência, aonde temos muito mais a propagação de uma “doutrina ou ideologia da mente-biológica” do que qualquer outra coisa! O fato é que, qualquer explicação do que são os fenômenos da mente, demonstrando suas correlações neurais no cérebro quando pensamos e intencionamos qualquer coisa com a nossa mente, nada mais são, que demonstrar que de fato, quando pensamos, é percebida repercussões em nosso cérebro e no próprio corpo biológico como um todo, porém, isso são provas que demonstram o que acontece com o corpo quando pensamos, mas não são provas que por essas correlações neurais é que nossos pensamentos tem a sua gênese, pois se o fossem, as repercussões no corpo aconteceriam anteriores as repercussões ao nascimento de nossos pensamentos e intenções mentais, sejam conscientes ou não. É preciso ficar claro aqui, a questão dos fenômenos mentais surgirem anterior as repercussões orgânicas, porém, como tudo acontece muito rápido, quando pensamos nessa interface mente-corpo ou psico- somático, nem sempre temos consciência do que estamos intencionando com a nossa mente, mesmo que as repercussões biológicas já sejam captadas. Nesse ponto, entram questões mais detalhadas que a própria neurociência explicaria sobre a complexidade cognitiva envolvida em um simples ato, como o de tomar consciência ou até mesmo não de processos mentais, mas que a nível biológico já estão sendo identificados por tecnologias de imagem, porém, isso não é um indício que nos aponta que os fenômenos biológicos são o nexo causal dos fenômenos mentais, é novamente a evidência de que, repercussões neurais acontecem enquanto pensamos em algo, estejamos conscientes ou não disso! Esse caso, como muitos outros, poderiam ser contemplados por ambas perspectivas epistémicas, porém, qual seria a opinião da própria abordagens epistémica que elaborou o método introspectivo-meditativo, que gerou a experiência vivenciada? O que essa teria a dizer sobre isso? Cada vez mais, percebo que a um mundo a ser explorado quando olhamos para variadas bases epistémicas compreendendo os seus espectros de atuação, ao mesmo tempo que dialogam de forma independente e correlacionada a outras bases epistémicas. 

                                                                                                         @professormichelalves

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