Que tenhamos a capacidade dos olhares incolonizáveis
Hoje, talvez seja estranho
conjecturar que poderia existir uma maneira de colonizarem os nossos olhares,
mas se pensarmos historicamente, às formas que fomos e estamos sendo colonizados
nos últimos quatros séculos, em uma velocidade, agressiva e em “progresso”, sem
precedentes, concluímos que não a nada de absurdo afirmar isso!
Apenas para lembrarmos: colonizaram
a terra, colonizaram a água (há relatos de indígenas que achavam estranhíssimo,
não tomarmos água direto dos rios e ao invés disso colocá-las em garrafas), já
houveram tentativas na américa do sul de se apropriar através de patentes da
água da chuva (isso aconteceu há algumas décadas), está em curso atualmente na
china, a venda de oxigênio em balões (assim, como compramos hoje como algo
trivial, água engarrafada) devido à alta taxa de poluição nas grandes
metrópoles chinesas, como em Bejing, onde não se vê mais céu estrelado durante
a noite e mal o sol durante o dia, entre
outras e inúmeras colonizações das quais não temos mais acesso de forma natural
(gratuita) como deveria ser.
Para nós do sul global, pode
parecer estranho, comprar oxigênio em balões para eu dar uma respiradinha de leve
e mais saudável, mas não se trata aqui, de algo muito diferente que ter que
comprar água engarrafada, e não sendo pessimista, mas se não cuidarmos, talvez,
seja uma realidade nas próximas décadas para nós também.
Porém, de todas às colonizações,
a que talvez mais tenha me chamado atenção, é a colonização do nosso tempo e
essa sim, têm relação com a colonização dos nossos olhares, pois, quanto mais a
minha experiência de vida, de existência é metrificada, roubada, pelo mundo da
cobrança e do desempenho sem fins, menos tempo, eu terei de poder contemplar
qualquer coisa!
A colonização do tempo que está em
curso na contemporaneidade, não só termina de chancelar a morte de toda a
capacidade contemplativa inerente aos humanos, mas também criam mecanismos
muito sofisticados como estamos assistindo com às metrificações algorítmicas e
às chamadas “inteligências” artificias (que convenhamos, que de inteligente,
elas não têm nada né), porém, se tornaram sofisticadas ferramentas da pesca de
nossas atenções, ou seja, adentramos na era da pescaria do tempo e nesse
momento, somos peixes pescados por grandes empresas do times is money.
Assim, como todos os elos que temos
com a natureza já foram colonizados, segue em curso a colonização do restante do
que sobra. E o que é a sobra? Vou listar apenas algumas: seus olhares, suas ideias,
seu tempo, nossas subjetividades, nossos corpos, nossa mente, nosso espírito,
em fim, acho que não resta mais nada né! Estes também, já são como sempre foi, “objetos”
a serem colonizados. A prova viva disso, é você entender que às empresas que
mais crescem e têm riquezas no mundo atual (Google, Facebook, instagram, twiter
entre outras), são às empresas que que têm à capacidade de capturar o tempo das
pessoas, ou seja, são as empresas que têm como commodities à apreensão do tempo
das pessoas, nesse sentido, o tempo, é nesse momento histórico o bem “material”
mais caro do qual se comercializa.
Gosto sempre de lembrar de uma
passagem Budista Tibetana, onde Naropa, mestre de Marpa, pede a Marpa todo o
seu ouro acumulado em troca de ensinamentos, por entender que seu discípulo
estava apegado ao bem, e ao recebê-lo em mãos, Naropa joga-o no rio e diz: “Para
que eu quero ouro, se tudo para mim é ouro”. Porém, é bom lembrar que isso
aconteceu no século XIII (na idade média) e ainda no Tibet, no entanto, mesmo
que em não temos o “privilégio” de estarmos em um mundo tão menos descolonizado
que o de Naropa e Marpa (isso foi antes das primeiras e grandes revoluções
industriais), guardo uma lição, para pensar que embora estejamos
sistematicamente colonizados como somos nesse momento sem qualquer comparação à
algum precedente histórico, ainda sim, existe à nossa capacidade de
contemplarmos o mundo, mesmo que não tenhamos papéis em nosso nome, ou seja, se
a minha contemplação ainda alcança a capacidade de SENTIR êxtase e embelezar-me
com aquilo que se contempla, posso ser “dono do mundo” mesmo que nada seja objetivamente
meu. Afinal, até nossos corpos são perecíveis né, sempre bom lembrar disso!
Eu então, apenas olho, desfruto e
sorrio para as infinitas maravilhas.
*As fotos, são apenas uma sugestão,
para te lembrar que você pode ser dono do mundo, desde que que seja capaz de
contemplar a sua infinita beleza.
@professormichelalves