quarta-feira, 26 de julho de 2023

AS METODOLOGIAS INTROSPECTIVAS COMO FORMAS DE INVESTIGAR A NATUREZA DA MENTE

 


B. Alan Wallace em seu livro: Mente em equilíbrio diz que: “Todos os grandes pioneiros da ciência no século XVII eram cristãos devotos e suas investigações sobre o mundo da natureza podem ser vistas como uma tentativa mística de fundir a compreensão do mundo natural por parte do homem com a compreensão de Deus. Os contemplativos cristãos desde a época de Agostinho tinham perseguido esse mesmo objetivo e presumido que ela não podia ser realizado nesta vida, apenas no céu. Quando, na Europa, a investigação contemplativa de olhar-voltado-para-dentro diminuiu, os cientistas conceberam novos métodos de investigação de olhar-voltado-para-fora, que esperavam, pudesse levar a compreensão divina nesta vida. Galileu, deixava de bom grado as questões sobrenaturais, nas mãos da Igreja, insistia que o estudo científico do mundo natural tinha de prosseguir de forma livre e independente da autoridade da Bíblia e do pensamento grego. Galileu ao dar o passo revolucionário, reverteu a hierarquia escolástica medieval do conhecimento. A observação empírica, que os filósofos costumavam classificar como a forma mais baixa de conhecimento, foi elevada ao nível mais alto. A razão era importante para interpretar as descobertas empíricas e a autoridade da tradição só era aceita enquanto não fosse contestada pela observação rigorosa ou o raciocínio seguro. Que enorme mudança!” Transportando para o nosso tempo, hoje temos um cenário oposto, aonde a religião cada vez mais precisa da legitimação da ciência para validar as suas compreensões sobre a realidade. Quando pensamos em religião aqui em um sentido dogmático, sectário, aonde os seus saberes não se alicerçam por verdadeiros métodos e práticas espirituais que carregam em si, a capacidade de investigação dos objetivos de nossa realidade interna, psíquica, mental e espiritual, é melhor que nos respaldemos pelos fatos das ciências do que por dogmas irracionais, porém, essa não é a história sendo contada por inteiro, como dito acima, dentro de estruturas religiosas ao mesmo tempo que vão existir fanáticos que acreditam sem nenhuma forma de alicerce experimental, empírico e prático com relação as práticas que esses fazem, acabando por configurarem-se em uma massa acrítica não propagadora de uma prática espiritualmente honesta e testada em seus próprios laboratórios interiores. Porém, existe dentro de algumas distintas tradições religiosas-espirituais como é o caso dos diferentes Budismos e de algumas tradições Iogues, que configuram-se como honestas práticas espirituais alicerçadas em muitos métodos, práticas, experiências empíricas, que configuram-se claramente enquanto metodologias, com distintos níveis de complexidade, que são disponibilizadas a serem investigadas por pessoas, sejam elas descrentes, céticas, críticas mas que estejam intelectualmente abertas a conhece-las e experimentar seus métodos, concluindo por si mesmas, se esses funcionam ou não.

Na contemporaneidade corremos o mesmo risco quando legitimamos apenas as ciências naturais como a única forma de validar sobre quem ocupa o lugar do discurso da verdade, assim como na idade média, tínhamos as religiões dogmáticas como a única forma legítima e responsável para decidir sobre o que é verdade ou não. Da mesma forma como já foi entendido como heresia questionar os pressupostos da igreja, em nossos tempos, é visto de forma semelhante em alguns contextos, que questionarmos pressupostos científicos quando a forma de se fazer ciência alicerça-se mais em paradigmas cristalizadores e irredutíveis não abrindo espaço para qualquer forma distinta de epistemologias e paradigmas, mesmo que esses emergem-se como necessários para pensarmos em novas soluções para questões não resolvidas, penso que quando essa falta de abertura acontece sejam por motivos ideológicos ou políticos dentro de instituições que se colocam para a sociedade como interessadas no conhecimento e na descoberta científica, o que temos em realidade é apenas  um cenário de uma espécie de ciência ou prática científica que se dogmatiza, não tão distintos de antigas estruturas hegemônicas que mantém os seus discursos ideológicos como forma de opressão e legitimação de poder.

Muitos desconfortos são gerados por esses embates, mas diante de uma compreensão e pelo acúmulo histórico ao compreendermos o quanto as honestas práticas espirituais e seus métodos configuram-se claramente em um real repertório de conhecimentos sólidos com bases epistémicas e experimentais claras a serem colocados a prova de fogo pela observação empírica, serem então, confundidos e relegados ao reducionismo de práticas religiosas irracionais, alicerçadas na crença sem qualquer tipo de metodologia, experimentação e observação empírica de suas práticas, temos então, fundamentos e provas o suficiente, para dizer que os Iogues, Budistas ou contemplativos dos métodos introspectivos de modo geral, foram não só mal interpretados, como não compreendidos e a consequência dessa incompreensão fez com que os contemplativos fossem colocados sistematicamente às margens do debate científico e intelectualmente honesto sobre a mente e seus fenômenos.

Quando sustentamos as metodologias e práticas introspectivas como um forma de visão epistémica distinta do positivismo das ciências naturais, assim como também dos aspectos subjetivos nas ciências humanas, gosto de tomar como referência métodos meditativos que tem como objetivo o processo investigativo (Vipasyanã) sobre a natureza da mente e da realidade como um todo. Nesses métodos introspectivos como por exemplo o da prática da prajnaparamita (a perfeição da sabedoria), partimos através desse método introspectivo de meditação, em um ponto, aonde contemplamos a realidade a nossa volta (as experiências, os objetos, a nossa própria sensorialidade no contato com esses) como aspectos apenas aparentes, impermanentes, não sendo o aspecto último da realidade e da experiência dessa. A primeira vista, esse aspecto de contemplar as experiências objetivas como impermanentes e que não passam apenas de uma aparência não condizente com a realidade última, pode parecer de certa maneira um olhar niilista sobre a realidade assim como a completa negação dessa, porém, essa não é a visão sobre a realidade na qual sustenta as bases para a prática da prajanaparamita, mas sim ao olharmos para a realidade a nossa volta, entendendo que essa chega a nós pelos nossos órgãos sensoriais e de maneiras que talvez nem nos damos conta ainda, porém, que aquilo que passa pela nossa experiência sensorial é apenas um aspecto aparente da realidade, mas que por detrás dessa, a camadas mais profundas a serem contempladas ao investigarmos a realidade aparente que observamos.

@professormichelalves

 


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