B.
Alan Wallace em seu livro: Mente em equilíbrio diz que: “Todos os grandes pioneiros da ciência no século XVII eram cristãos
devotos e suas investigações sobre o mundo da natureza podem ser vistas como
uma tentativa mística de fundir a compreensão do mundo natural por parte do
homem com a compreensão de Deus. Os contemplativos cristãos desde a época de
Agostinho tinham perseguido esse mesmo objetivo e presumido que ela não podia
ser realizado nesta vida, apenas no céu. Quando, na Europa, a investigação
contemplativa de olhar-voltado-para-dentro diminuiu, os cientistas conceberam
novos métodos de investigação de olhar-voltado-para-fora, que esperavam,
pudesse levar a compreensão divina nesta vida. Galileu, deixava de bom grado as
questões sobrenaturais, nas mãos da Igreja, insistia que o estudo científico do
mundo natural tinha de prosseguir de forma livre e independente da autoridade
da Bíblia e do pensamento grego. Galileu ao dar o passo revolucionário,
reverteu a hierarquia escolástica medieval do conhecimento. A observação
empírica, que os filósofos costumavam classificar como a forma mais baixa de
conhecimento, foi elevada ao nível mais alto. A razão era importante para
interpretar as descobertas empíricas e a autoridade da tradição só era aceita
enquanto não fosse contestada pela observação rigorosa ou o raciocínio seguro.
Que enorme mudança!” Transportando para o nosso tempo, hoje temos um
cenário oposto, aonde a religião cada vez mais precisa da legitimação da
ciência para validar as suas compreensões sobre a realidade. Quando pensamos em
religião aqui em um sentido dogmático, sectário, aonde os seus saberes não se
alicerçam por verdadeiros métodos e práticas espirituais que carregam em si, a
capacidade de investigação dos objetivos de nossa realidade interna, psíquica,
mental e espiritual, é melhor que nos respaldemos pelos fatos das ciências do
que por dogmas irracionais, porém, essa não é a história sendo contada por
inteiro, como dito acima, dentro de estruturas religiosas ao mesmo tempo que
vão existir fanáticos que acreditam sem nenhuma forma de alicerce experimental,
empírico e prático com relação as práticas que esses fazem, acabando por
configurarem-se em uma massa acrítica não propagadora de uma prática
espiritualmente honesta e testada em seus próprios laboratórios interiores.
Porém, existe dentro de algumas distintas tradições religiosas-espirituais como
é o caso dos diferentes Budismos e de algumas tradições Iogues, que
configuram-se como honestas práticas espirituais alicerçadas em muitos métodos,
práticas, experiências empíricas, que configuram-se claramente enquanto
metodologias, com distintos níveis de complexidade, que são disponibilizadas a
serem investigadas por pessoas, sejam elas descrentes, céticas, críticas mas
que estejam intelectualmente abertas a conhece-las e experimentar seus métodos,
concluindo por si mesmas, se esses funcionam ou não.
Na
contemporaneidade corremos o mesmo risco quando legitimamos apenas as ciências
naturais como a única forma de validar sobre quem ocupa o lugar do discurso da
verdade, assim como na idade média, tínhamos as religiões dogmáticas como a
única forma legítima e responsável para decidir sobre o que é verdade ou não.
Da mesma forma como já foi entendido como heresia questionar os pressupostos da
igreja, em nossos tempos, é visto de forma semelhante em alguns contextos, que
questionarmos pressupostos científicos quando a forma de se fazer ciência
alicerça-se mais em paradigmas cristalizadores e irredutíveis não abrindo
espaço para qualquer forma distinta de epistemologias e paradigmas, mesmo que
esses emergem-se como necessários para pensarmos em novas soluções para
questões não resolvidas, penso que quando essa falta de abertura acontece sejam
por motivos ideológicos ou políticos dentro de instituições que se colocam para
a sociedade como interessadas no conhecimento e na descoberta científica, o que
temos em realidade é apenas um cenário
de uma espécie de ciência ou prática científica que se dogmatiza, não tão
distintos de antigas estruturas hegemônicas que mantém os seus discursos
ideológicos como forma de opressão e legitimação de poder.
Muitos
desconfortos são gerados por esses embates, mas diante de uma compreensão e
pelo acúmulo histórico ao compreendermos o quanto as honestas práticas
espirituais e seus métodos configuram-se claramente em um real repertório de
conhecimentos sólidos com bases epistémicas e experimentais claras a serem
colocados a prova de fogo pela observação empírica, serem então, confundidos e
relegados ao reducionismo de práticas religiosas irracionais, alicerçadas na
crença sem qualquer tipo de metodologia, experimentação e observação empírica
de suas práticas, temos então, fundamentos e provas o suficiente, para dizer
que os Iogues, Budistas ou contemplativos dos métodos introspectivos de modo
geral, foram não só mal interpretados, como não compreendidos e a consequência
dessa incompreensão fez com que os contemplativos fossem colocados
sistematicamente às margens do debate científico e intelectualmente honesto
sobre a mente e seus fenômenos.
Quando
sustentamos as metodologias e práticas introspectivas como um forma de visão
epistémica distinta do positivismo das ciências naturais, assim como também dos
aspectos subjetivos nas ciências humanas, gosto de tomar como referência
métodos meditativos que tem como objetivo o processo investigativo (Vipasyanã)
sobre a natureza da mente e da realidade como um todo. Nesses métodos
introspectivos como por exemplo o da prática da prajnaparamita (a perfeição da
sabedoria), partimos através desse método introspectivo de meditação, em um
ponto, aonde contemplamos a realidade a nossa volta (as experiências, os
objetos, a nossa própria sensorialidade no contato com esses) como aspectos
apenas aparentes, impermanentes, não sendo o aspecto último da realidade e da
experiência dessa. A primeira vista, esse aspecto de contemplar as experiências
objetivas como impermanentes e que não passam apenas de uma aparência não
condizente com a realidade última, pode parecer de certa maneira um olhar
niilista sobre a realidade assim como a completa negação dessa, porém, essa não
é a visão sobre a realidade na qual sustenta as bases para a prática da
prajanaparamita, mas sim ao olharmos para a realidade a nossa volta, entendendo
que essa chega a nós pelos nossos órgãos sensoriais e de maneiras que talvez
nem nos damos conta ainda, porém, que aquilo que passa pela nossa experiência
sensorial é apenas um aspecto aparente da realidade, mas que por detrás dessa,
a camadas mais profundas a serem contempladas ao investigarmos a realidade
aparente que observamos.
@professormichelalves
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